“Quando eu estava no ensino médio, passava horas, todos os dias, trancado
em um porão com isolamento acústico, praticando na bateria até minhas mãos
sangrarem, sonhando com esse tipo de transformação. Eu era estimulando por meu
grande herói local, o regente da minha escola, que havia sido o agente da sua
própria transformação impressionante no decorrer de uma década: transformar a
incipiente banda de jazz de uma escola pública de New Jersey no melhor programa
do gênero no país, segundo a revista Down Beat Magazine, um grupo que tocou na
cerimônia de posse de dois presidentes e que abriu o Festival de Jazz JVC em
Nova York. Durante anos, a percussão se tornou a minha vida e, pela primeira
vez, a música, na minha mente, se tornou associada, acima de tudo, não com o
entretenimento nem com diversão ou autoexpressão, mas sim com o medo.”
“Em retrospecto, eu me pergunto como e por que isso aconteceu. Ainda me
recordo vividamente dos pesadelos, da náusea e das refeições perdidas, dias de
uma ansiedade incontrolável, tudo a serviço de um estilo de música que,
aparentemente, tem a ver com liberdade e prazer. Uma única relação se tornou
crucial para mim na época — aquela entre mim e o meu professor. Foi essa
relação, tão pesada e carregada de tensão, que eu quis, na verdade, explorar no
filme. Se o dever de um professor é pressionar seus alunos para que atinjam a
grandeza, então, qual é o limite em que se deve dar um basta?”
Declarações do roteirista e diretor
de WHIPLASH – EM BUSCA DA PERFEIÇÃO, Damien Chazelle, filme a que assisti ontem,
premiado com três estatuetas oscarianas e um globodeouro. Damien possui uma trajetória como baterista
cheia de honras e prêmios nacionais, e sua intenção no filme é praticamente
mostrar em tela a sua experiência como aluno de música.
“Para captar as emoções que eu senti durante os meus anos em que fui
baterista, eu queria filmar cada apresentação musical no filme como se fosse
uma competição de vida ou morte. Uma perseguição automobilística ou um assalto
a banco”, conta. “Eu queria mostrar todos os detalhes de que me lembrava — toda
a dureza, a sujeira e o esforço em torno de uma peça musical. Os tampões de
ouvido e as baquetas quebradas, as bolhas e as mãos cortadas, a contagem e o
toque incessante dos metrônomos, o suor e a fadiga. Ao mesmo tempo, eu queria
mostrar aqueles momentos fugazes de beleza que a música permite — e que um
filme pode captar de maneira tão emocionante. Quando você ouve um solo do
Charlie Parker, você entra num estado de êxtase. Será que todo o sofrimento que
Parker suportou em prol da sua arte valeu a pena, apenas para que pudéssemos
desfrutar dos resultados décadas mais tarde? Eu não tenho ideia, mas, para mim,
é uma pergunta que vale a pena ser formulada e que vai além da música — até
mesmo além da arte — e que toca em um conceito que é muito simples, mas tão
fundamental para o caráter norte-americano: a grandeza a qualquer custo.”
“Minha intenção foi fazer um filme sobre a música que se assemelhasse a
um filme de guerra ou a um filme de gangsteres – onde as armas são substituídas
por instrumentos, em que as palavras fossem tão violentas como armas e a ação
se desenrolasse não em um campo de batalha, mas em uma sala de ensaios de uma
escola, ou em um palco de uma sala de concertos.”
A quem conferir maior virtude: ao
mestre ou ao discípulo? Àquele que se dedica a tirar de outro o que esse outro
sequer supõe possuir ou ser capaz? Ou ao próprio que desenvolve não sem sangue,
suor e lágrimas, o virtuosismo. Ao ator que fez o mestre, o prêmio de
coadjuvante sugere como isto é tratado.
O mestre, no filme, utiliza de
métodos peculiares, especialmente aos olhos superprotetores do mundo de hoje. E
não tarda para que sangue e suor, literalmente, comecem a encharcar a bateria
enquanto o novato é humilhado de inúmeras maneiras em prol da virtuose.
Quem vai lá e faz é quem tem mérito
e, efetivamente, é quem transforma.
Presumo, no entanto, que haja uma
profunda carência de mestres em diferentes áreas da atividade humana.
Especialmente daqueles que provavelmente não encontram espaço para viabilizarem
seus métodos.
Mas a arte é arteira. Ela ás vezes
produz um baterista que se consagra como diretor de cinema.
Até breve.
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