sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

INVEJA



Houve um momento recente de nossa História em que tivemos que optar entre o medo e a esperança. Estávamos entrando no mais longo período de “liberdade democrática” da nação – já se foram 28 anos – e desenhávamos simbolicamente os destinos que queríamos para o país.

Os que representavam o medo eram essencialmente integrantes de uma elite apaniguada pelos mandatários, retrógrados que ameaçavam deixar o país caso aquele que representava a esperança viesse a ocupar o palácio do plano alto. Temiam que viesse um Estado centralizado com orientações socialistas de confisco de propriedades, redistribuição da riqueza financeira e de bens primários (como a terra).

Enfim, temia-se que houvesse uma inversão na pirâmide.  

Aqueles que tomaram apaixonadamente a esperança abraçaram avenidas do contorno, praças públicas, monumentos concretizando a ideia de unirem-se em prol de um país mais justo, íntegro e, sobretudo próspero, para torná-lo de todos.

Intelectuais vitimados pela barbárie da redentora de 64, artistas de todos os instrumentos, pessoas de bem apostaram todas as suas fichas em sonhos perseguidos e esperados por décadas.

Muito de nós integrantes da elite, fomos clandestinos às urnas, e colocamos nosso voto na esperança, temerosos de, se descobertos, perderíamos o emprego, o cliente, o contrato. A gente queria muito que algo acontecesse e fosse para melhor.

A esperança venceu o medo.

Dissipado o medo para onde a esperança nos trouxe? Hoje todos temos medo e, boa parte de nós, estamos desesperançados. Fomos traídos e vitimados por um leque explosivo de atos, palavras e obras que corroeram patrimônios, projetos, imagem e nos colocaram diante de um espelho que nos envergonha, inclusive externamente.

Medo e desesperança.

Atos desesperados de um projeto político ensandecido para se perpetuar no poder, convidaram ontem parte da elite para mais uma falácia. Noventa e duas pessoas tornadas “bobas” de uma corte em frangalhos foram colocadas para parecer a quem interessar possa que foi descoberta a saída.

Pelo amor de meus netinhos, chega!

Injetar R$83 bi na economia extraídos da poupança pública é mais do que incompetência é a repetição de um crime à luz da obviedade. Um dos maiores crimes cometidos pela administração pública desde sempre foi a capacidade nefasta de produzir dívida pública, jamais auditada, jamais verificada e permanentemente mantida, governos após governos de todas as cores.

Pelo amor de meus netinhos, chega!

Crime contra o futuro, quando querem nos fazer crer que o grande problema é a previdência social, que durante décadas tem seus recursos desviados por burocratas expertos e políticos corruptos. Boa parte do dinheiro poupado está na contabilidade de obras não concluídas, em copas do mundo, em hospitais que nunca funcionarão, em escolas depauperadas, em projetos que nunca se realizarão.

Crime contra a ingenuidade de um povo pautado pelo desejo de alegria desmedida. Facultar a esse povo o saque daquilo que, em tese, é o seu fundo de garantia, é cumpliciar com ele em um suicídio consumista que jamais azeitará as engrenagens da economia.

Crime contra a verdade, porque é translúcido o fato de que nenhuma contribuição provisória sobre debeladas movimentações financeiras encontrará projetos que efetivamente garantam perspectivas. O país está desgovernado.

Pelo amor de meus netinhos, chega!



Sei lá se até breve.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

SOLARIUS



Já disse aqui. Alguns posts que edito (na verdade a maioria deles) só vou entendê-los algum tempo depois de escritos. Se bem que ainda fica a dúvida se são interpretações do que foi escrito ou a razão lógica para eu tê-los produzido.

Liquidez, por exemplo, o conto que contei ontem.

Na segunda feira fui a uma loja para trocar os pneus do meu carro. Enquanto faziam o serviço preferi aguardar ali mesmo em uma sala destinada aos clientes. Café, água, jornais e revistas à disposição. Peguei a primeira revista da pilha, edição de Veja desta semana.

A reportagem da capa dá conta de investigação do Ministério Público de São Paulo a propósito de suspeitas de irregularidades havidas entre as empresas Bancoop e OAS. O MP de SP, diz a matéria, pretende indiciar como investigados o ex-presidente Lula e sua esposa Marisa.

Postei Liquidez ontem às 19:13 horas.

Em seguida fui assistir aos jornais televisivos, outra mania que tenho. No JN a questão da capa de Veja foi ampliada e largamente tratada e, nela, foi apresentada a defesa do ex-presidente e de sua esposa. O advogado informou aos telespectadores que é verdadeiro o investimento feito pelo casal quando, anos atrás, adquiriu cotas-parte no valor de pouco mais de quarenta mil reais para a aquisição do referido imóvel.

Em dado momento o casal resolveu não mais ficar com o imóvel e teria solicitado à Bancoop a devolução do valor investido, portanto deixando de serem os proprietários do mesmo.

Mais? Por favor, acessem zilhões de outras fontes que escrevem e/ou noticiam a respeito.

De minha parte, amanheci ansioso pela continuidade dos fatos ou de suas versões. Minha ansiedade me leva a suposições. Do tipo: hoje à noite, na edição do JN, o advogado apresentará os documentos e comprovantes que atestam a desistência, pelo casal, do investimento.

É simples: um comprovante de depósito feito pela Bancoop em nome do ex-presidente e/ou de sua esposa referente à devolução do investimento que, inclusive, teria sido declarado à Receita Federal.

Se bem que acaba não sendo tão simples assim, porque poderemos ter polêmica ainda a respeito da veracidade da operação, caso o banco depositário for um Banco Rural, por exemplo, ou mesmo que o depósito tenha sido feito em um banco ainda existente e, em tese, puro. Agora, se a data for dezembro de 2015, mês em que já se tinha a informação de suposta impureza d’alma, vai ficar difícil.

Essa lengalenga me dá uma pista para o que poderia ter fundamentado Liquidez. Eu não tenho mais paciência de ouvir determinadas coisas. Já chega o “pagamento” das pedaladas dentro do exercício de 2015.

Essa estória do triplex, contada pela justiça e difundida pela imprensa golpistas, envolvendo inclusive pobres trabalhadores que declararam - produto de absoluta alucinação - terem visto os proprietários visitando o imóvel durante a reforma ou, ainda, do dono da construtora, responsável pela “reconstrução” do apartamento, de que a esposa e o filho do ex-presidente estiveram em companhia do presidente da OAS quando da vistoria de conclusão da obra, dá conta de como é cruel a perseguição a uma das almas mais puras que nunca dantes vagaram por este país.

Ontem, recebi o Suplemento Literário(*). Em matéria assinada pelo escritor mineiro Marcus Vinicius de Freitas o autor cita Isaac Bashevis Singer: “No processo de criação de histórias, tomei consciência dos muitos perigos que espreitam o autor de ficção. O primeiro e maior destes perigos é a ideia de que o escritor tem de ser sociólogo ou político, ajustando-se ao que se chama dialética social”.

Sei não, mas teria sido por isto que escrevi Liquidez?



Até breve.

(*) Edição nº1357 - Suplemento Literário de Minas Gerais

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

LIQUIDEZ



Precisava de dois dedos de prosa para entrar direto no assunto. No esquema, são temas difíceis de serem abordados de primeira. Mesmo uma pessoa, como eu, que vou direto aos finalmente.

Preferi abordar o adversário com cuidado e paciência, afinal eu não teria outra oportunidade tão cedo ou mesmo nunca mais.

Assim se deu, portanto. Perguntei sobre os mais próximos dele, esposa, filhos e alguns amigos. Sobre os que eu sabia da existência. E ele até que gastou ali um tempo dando conta de cada um de seus entes mais queridos.

Acho um porre, quando eu pergunto sobre alguém e a pessoa relata em detalhes o paradeiro de cada um dos consultados. Faço cara que estou ouvindo, mas, se eu for perguntado no meio do relato sobre qualquer ponto apontado, passo vergonha.

O fato é que, ninguém me interessa, de fato. Ainda mais pessoas ligadas a alguém por quem não nutro a menor simpatia.

Passada a lengalenga dos paradeiros dos próximos ao adversário eu entrei de sola e perguntei à queima roupa:

- E o meu?

- Depositei.

- Eu verifiquei meu saldo ontem e não caiu nada.

- Num pode, eu tenho comprovante...

- Você está com ele aí?

- Não, na verdade fiz pela internet e não imprimi...

- Acesse seu banco pelo celular e consulte...

- Num vai dar, só consigo via meu laptop...

- E onde ele está?

- No escritório.

Dois eu fechei por causa disso. Na verdade me arrependi depois, por isto é que eu não atirei um balaço no meio da testa do sacana.

- Vai buscar, então, que eu te espero aqui tomando essa cerveja...

- Num vai dar, o escritório está fechado e eu não tenho as chaves...

- Vamos fazer o seguinte, então. Você liga para quem tem as chaves e manda ir agora encontrar contigo lá...

- Num vai dar, está todo mundo viajando de férias e...

- Então tá bom, eu vou acabar contigo agora porque comigo num tem rolo, você sempre soube disso...

- Me espera até domingo... Eu faço o depósito sem falta na segunda...

- Num vai dar.



Até breve.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

RANKING



Todo final ou início de ano saem listas.

A que eu aguardo com alguma ansiedade é aquela que posiciona as fortunas mais expressivas do planeta. É que tenho feito muito pouco para fazer parte dela e fico tenso para ver quanto exatamente me distanciei.

Diz a tal lista que 62 pessoas tem em seu patrimônio pessoal algo como outras 3,7 bilhões. Eu me revolto, entre outros motivos, porque nunca sei em que posição fiquei no rol daquelas 3,7 ou mesmo até fora dele, no do das outras 3,7 bilhões de pessoas vivas restantes sobre o planeta.

É angustiante não saber em que posição você se encontra.

Por exemplo, se eu estivesse em primeiro, fosse esse Bill, eu sofreria bem menos. Bill, pelo menos, tem mais elementos para saber como se comportar diante da constatação. Eu, não.

Vou sair às ruas olhando ao meu redor com sérias preocupações. E este cidadão com quem eu cruzo, que lugar ocupa no ranking? E aquela senhora, toda cheia de feitio, estará acima de minha posição na lista? E aquele naquele carrão, é fatiota ou tem cacife para bancar a estirpe?

Entenderam?

É muito ruim não saber exatamente em que posição dos afortunados você se encontra. Facilitaria tudo sabê-lo. De fundamento para uma eventual disputa em mesas de bares para distribuir equitativamente o valor a pagar pela conta entre os comensais, até entrar em juízo contra a prefeitura para defender uma cota-parte mais justa na guia do IPTU no que se refere à taxa de coleta de lixo.

Mesmo que eu beba mais ou coma mais numa saidinha ao bar, ou que produza mais lixo, não é justo que eu banque na mesma proporção de alguém que ocupa uma posição superior à minha na lista.

Somaria com qualquer um que tomasse a iniciativa de lutar por uma legislação global que obrigasse as instituições responsáveis a publicarem a lista do primeiro ao 7.365.435º lugar no ranking.

Eu até admitiria desvio-padrão nos relatórios. Ninguém exigiria absoluta exatidão na apropriação dos dados classificatórios na medida em que, todos sabemos, que riqueza, especialmente a financeira, está muito difícil de ser tangibilizada, ou seja, tem muita grana virtual nas transações e muito iate circulando pelos mares carregados de notas verdes.

Se vale o critério para os 62, que valha para os 7.365.435 restantes, não parece razoável? São estas e outras providências que os governos deveriam tomar no sentido de permitir uma convivência melhor entre os povos tanto no ambiente interno quanto externo às nações.

Depois, há outro benefício incomensurável: o psicológico. Sabendo que eu ocupo o 4.376.825º lugar na lista referente ao ano de 2015 eu poderia decidir, quando das minhas reflexões para compor o meu plano de metas de 2016, se eu me proponho a galgar quantas posições ou se eu vou ligar o foda-se e deixar o ter para depois.

Fica aqui minha modesta contribuição ao debate sobre a desigualdade, debate este que não modificará, jamais e em nada, a essência da perversão.



Até breve.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

ÓDIO



Cães de Aluguel, Pulp Fiction, Grande Hotel, Kill Bill, Sin City – A Cidade do Pecado, Bastardos Inglórios e, agora, o oitavo filme, Os Oito Odiados.

Tarantino é muito maior do que meus elementos alcançam. Seu cinema é pico na veia, alucinógeno de uma pureza inigualável, obra que a cada capítulo, deixa marcas reflexivas indeléveis.

Ultrapassam aquilo que parece ser a sua veia temática, os Estados Unidos e suas mazelas, seus horrores da Secessão, do racismo e da xenofobia, além da natureza selvagem de parte de seus cidadãos.

Os Oito Odiados não deixa por menos neste quesito.

A cena de abertura do filme é deslumbrante. A câmera está fixada em uma cruz com um cristo de pedra sobre forte nevasca e ao longe um ponto se movimenta. Com o tempo visualiza-se a aproximação de uma diligência de seis cavalos.

Esta cena já dá conta da magia da filmagem: Tarantino gasta o tempo que for necessário para contar a história da forma que ela se deu, como se não fosse uma obra de ficção. O filme tem quase três horas de duração. Fosse um roteiro – que é também de Tarantino - nas mãos de outro diretor suprimiria inúmeras cenas, que são indispensáveis para compor a grandeza da fita.

Sob a forte tempestade de neve a diligência avança até ter que parar porque encontra, no meio da trilha, um homem sentado sobre três corpos empilhados. Trata-se do Major Sulista Marquis que tornou-se caçador de recompensas terminada a guerra e deve entregar, na cidade de Red Rock, três corpos de criminosos para receber a recompensa pela captura dos mesmos.

Dentro da diligência está John Ruth, também caçador de recompensas que contratou a diligência para levar Daisy, atada a ele por corrente e algemas, para ser enforcada acusada de assassinatos.

Os diálogos que se sucedem a partir deste encontro são primorosos carregados de metáforas através das quais o roteirista quer passar sua mensagem, além das interpretações excelentes de Samuel L. Jackson, Kurt Russell e Jennifer Jason Leigh.

John pergunta à Daisy se ela já havia ouvido falar de Marquis e revela que ele teria correspondido com o presidente Abraão Lincoln quando da guerra. John pergunta a Marquis se ele tem uma das cartas consigo e Marquis tira do bolso, dentro de um envelope, uma folha de papel e passa a John.

Daisy cospe na carta. Vale a pena assistir ao filme por isto. As sequências até a cena final são de uma sutileza, apuro estético e de fotografia, que a aparente lentidão com que transcorrem prende o espectador (durante as três horas de duração) mais àquilo que quer ser dito do que nas ações dos personagens.

Fico pensando como os americanos da gema receberam Os Oito Odiados. Em minha opinião, as universidades de lá deveriam abrir o ano letivo exibindo o filme como aula magna.

Quem sabe não surte os efeitos que a minha ilusão supôs no post anterior.


Até breve.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

NOVECENTOS



Pergunto-me porque escrevi, contando com este, novecentos posts. O que leva a alguém escrever em um tempo ou sobre um tempo em que nada acontece?

Um tempo sem sucedâneo. Em que nada implica, acomete, modifica. Um tempo de repetição, sem sequência ou com sequência, assim sem morfologia, amorfo.

Nada, nenhuma tragédia, nenhum assassinato, nenhuma guerra, nenhuma fome, nem mesmo a agressão a paraísos naturais, a monumentos milenares, nada, nada, nada faz com que algo de fato sobre venha.

Como escrever em um tempo ou sobre um tempo que não marca, um câncer que não mata? Como assistir a um desenrolar de eventos como à uma novela cujos atores já se confundem com os personagens em um Vale Tudo na mesma Selva de Pedra?

Nenhuma canção acomete e arrebata, nenhum movimento de rua, nenhuma placa, nenhuma lágrima, nenhuma peça de arte, nem filme, nem livro, um poema, nenhum dizer.

Por que escrever, então?

Um tempo em que o terror é contra a Humanidade, como quer a lider alemã, depois de ver vitimados mais outros cidadãos pátrios em solo estrangeiro, mortos por suicida. Nem mesmo algo contra toda a Humanidade faz, implica, demove, modifica.

O tempo repete. Não há corte, a História teria chegado mesmo ao seu fim e o que padecemos é o moto-contínuo do tempo? Não viraremos a página? Nada mais acontecerá para que afinal o Humano possa se dar?

Armadilhados por todo o conhecimento disponível às nuvens, adoecidos pelas relações masturbatórias de tela, sem pernas para ir aos comércios e aos afazeres, em casa, vivendo uma solidão demoníaca.

Escrever sobre o quê?

A Ética? A Política? A Arte? A Filosofia? A Tecnologia? A Cultura? O Amor? A Música?

Como? Se todas elas não mobilizam, comovem, educam, convidam. Tudo se tornou, já disse Bauman(*), liquefeito, parvo, frágil, sem consistência, mero, tênue, frágil.

A musculatura que sustenta o ser escarnece. Nenhum choque é capaz de acordá-lo, nenhuma droga, nenhum evento do cotidiano que signifique. Não há no tecido o intelectual, capaz de ordenar e compor uma escrita que sustente um caminho.

Tudo é denúncia, inclusive meus novecentos. E só denúncia.

Em que pese todos os elementos mais do que favoráveis para o dizer, não há uma proposta que oriente, como se estivéssemos mesmo adentrando um tempo sem propostas, sem utopias, um tempo sem tempo.

Onde tudo ocorre e nada acontece.

Exceto, quando visualizo bem fundo nos olhos de meus netos, um clamor agudo por um novo tempo.


Até breve.

(*)  BAUMAN

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

IPPON



Acho que deveríamos aproveitar este restinho de ano para cuidar do que é verdadeiramente urgente.

Urgente é a verdade.

Toda ela, desnuda, flagrante, translúcida, fulgurante e definitiva.

E onde ela se encontra?

Nunca estivemos tão expostos a todas as verdades e elas querem por que querem ser reconhecidas como tal. Sempre tive para mim que a verdade nunca foi desconhecida.

Escamoteada, sim. Vilipendiada, sim. Postergada, sim.

Jamais desconhecida.

Então, por que de sempre ela nunca veio inteira a tona e tomou conta do real?

Penso que a verdade é o verdadeiro perigo da Vida, porque ao procurá-la objetivamente sempre encontramos a resposta fatídica. E não nos convém, pelo menos enquanto as ilusões nos governarem.

A verdade esclarece, e ninguém quer tanta luz. A verdade conclui, e ninguém quer que se acabe. A verdade cura, e ninguém suporta viver sem a dor. A verdade mata toda a dúvida, e ninguém suporta a ausência.

Passamos a temer a verdade, a odiá-la, a negá-la, a criar derivações, suposições, compensações, projetos de fuga, traduções e interpretações beirando o absurdo.

Não é possível lidar de frente com a verdade, toda ela. Melhor viver de aproximações sucessivas sem cutucar a fina membrana que divide o que nos vela do verdadeiro que se explicita.

Veja no seu caso, se você não sabe toda a verdade. Cuidado ao fazê-lo, não se tem experiência de alguém que tenha ultrapassado a tal membrana.

Urge, no entanto, que se faça individual e coletivamente. Podíamos sim tentar que fosse agora ao longo deste restinho de ano.

Ir ao encontro da verdade. Toda ela.

Sugiro que faça um plano de busca que considere três etapas essenciais: a descoberta, a compreensão e a aceitação. A descoberta diz respeito à explicitação da verdade já conhecida; a compreensão, a elaboração objetiva das raízes que sustentam a verdade descoberta e, a aceitação, enfim, o reconhecimento da verdade que governa.

Tudo bem, você estará diante de uma nova questão quem sabe até mais angustiante do que aquela quando você vivia nas sombras da efetiva verdade. O que fazer com a descoberta, a compreensão e a aceitação?

Acho que é por isto que vamos ter um ano igual àquele que passou.

Melhor deixar toda a verdade encostada no canto em que sempre esteve.

É ou num é?

Até breve.

Obs.> Notaram quantas vezes aparece no post sempre, jamais e nunca?

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

DAVIDLIRA



Claro que a notícia mais importante do dia é a morte de David Bowie, que havia completado 69 anos no último dia 08. Lazarus, single de seu álbum também lançado na sexta, no apagar das luzes da ribalta, diz quanto que este cara foi emblemático.

Mas eu quero ficar com Wendell Lira, o jogador que ganhou pelo gol mais bonito feito pelo mundo todo ao longo do ano de 2015.

Na minha infância fiz uns quatro tal como Lira. Talvez até mais, com a agravante de eu estar descalço e muitas vezes sobre pedras pontiagudas de calçamento com pedras pé-de-moleque, terras batidas com nacos de grama misturada com ervas daninhas de lotes vagos, com as balizas marcadas por torrões, chinelos de dedo ou pedaços de árvore.

O gol de Lira foi como os inúmeros gols de minha infância.

E é por isto que eu fico com a notícia de que este brasileiro de 27 anos foi lá, levando sua linda e humilde esposa, à frente de três monstros do futebol atual buscar seu prêmio.

Prá mim o gol foi obra do capeta, aquele que ronda terrenos baldios. A plasticidade, a acrobacia, o tempo de bola, a batida tipo pica-aqui-prá-tirar-o-goleiro num teve comparamentos nem com o de Messi, um gol para placas, não para Olimpos.

Lira me trouxe de novo meus tempos mais queridos. Minha pobreza profunda e solitária e toda a minha paixão por qualquer coisa que lembrasse uma bola. Esse gol e o reconhecimento de sua singularidade me encheram de alegria.

Ainda há espaço no mundo do espetáculo para a distinção e Lira, no gol, foi distinto porque fez o que todo moleque de pé de morro, quadra desassistida pelo Estado, beira de córrego, enfim qualquer picada-mais-ou-menos-plana que rola um caroço com desenvoltura e futebol da melhor qualidade nas veias expostas.

Não estes pobres-de-uns coitados levados às escolinhas de futebol que desde pequeninos são violentados por regras impostas por medíocres que nunca romperam a cabeça do dedão, nunca tiveram os pés de moleques expostos a todos os tipos de farpas, vidros e que tais.

Precisava tanto que voltasse esse tempo, sô!!!

A gente fazia as coisas quase sempre por diversão e arte, embora a bóia fosse pouca e quase rara. Mas era bom de doer. Parecia que o mundo todo parava enquanto a gente corria atrás daquela esfera mágica e a levava decidida e deliberadamente aos três paus e ali experimentava uma sensação que mais tarde vim reviver em orgasmos.

Lilás, tenho aqui nos meus músculos e neurônios gols orgásticos. Um deles foi assim: eu vinha correndo pela direita e pisei em uma pedrinha que mudou minha direção e, nisso, tirei um adversário do lance; peguei a coisa na frente e fui levando até que dois outros entraram de primeira e juntos tomaram uma caneta desconcertante e humilhante (depois da pelada, tomei uns cascudos por isso, porque os caras eram maiores do que eu e meu irmão mais velho e o mais troglodita da turma não estava); quando o goleiro saiu tentando me agarrar dei um toquinho de leve na coisa e, antes dela entrar, ali na linha imaginária do gol sentei encima da coisa e simulei um peido deixando a menina lá dentro.

Gols assim foram aos montes.

Lira me devolveu a alegria daqueles tempos onde eu ainda sonhava. Bowie talvez tenha deixado no single uma esperança.

Hoje valeu.



Até breve.

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

CONSTÂNCIAS



Emudeci.

As palavras não me acometem pela chegada de algo que chamamos de novo. Viramos a página, trocamos de agenda, a folhinha na parede ou aquela minúscula fixada por imã na geladeira registram o mesmo.

Um dia a mais este ano. Como acontece de quatro em quatro.

Aliás, entramos mesmo de quatro. Dólar flutuando neste patamar, sinalizando a performance histórica extraída por treze feriados em meios de semana para dois mil e dezesseis. Ano passado, agora contabilizamos, exportações 24% a menor e importações 14% também.

Sabe de quem é a culpa: da China que reduz sua atividade econômica. Nunca será pela nossa inatividade, ou pela nossa atividade ineficaz, ineficiente, improdutiva, inconsequente, indecente, enfim pela nossa incapacidade.

Também do lado de lá a folhinha não começa com novo.

Conflitos de terra nos USA armam fazendeiros de olhos azuis, roupas de grife, musculosos, articulados e armados até os dentes reivindicando do Estado Americano o direito a conquistas de terras para a extração de recursos naturais. Reforma agrária das boas, só não sei se lá tem INCRA.

Obama lança legislação para que os comerciantes de armas averiguem a vida pregressa de seus clientes antes de lhes venderem armas. Poderiam pegar nossa experiência e implantarem lá a Folha Corrida. Aqui ela foi abolida, há uns trinta anos, pelo programa de desburocratização do Ministro Hélio Beltrão.

Identificado o integrante do Exército Islâmico que durante a semana passada fez ameaças ao Reino Unido. É um cidadão inglês, de trinta e dois anos que imigrou com esposa e quatro filhos.

Identificado também o garotinho que, por vídeos virais, faz propaganda para ingresso de jovens nas fileiras do exército sanguinário. Ele é negro, mas inglês, que imigrou com sua mãe para o front do terror.

As lamas daqui também permanecem.

Pelo recesso, os gangsteres tramam acobertados em seus covis.

Afora o natal dos vitimados com suas alegrias humildes de seus frangos e perus, restos de farofas, brinquedos de R$9,90 lançados nos terreiros do descaso. A lama fétida ainda encobre os impunes. Notícias não dão nenhuma manchete que sinalize algo.

Na virada além dos shows tenebrosos de pretensos artistas que não transmitem nenhum recado mais expressivo, acidentes automobilísticos nas mesmas estradas assassinas. Nem as estatísticas denotam trechos novos onde ocorre o maior número de vítimas fatais.

Em feverê tem carná.

Enfim, entra ano e sai ano o novo não vem.

E sabe o que mais, nem eu. Continuo o mesmo.

Chato.


Até breve.