sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

FARPAS



Sempre tive o privilégio de cultuar um defeito grave. Sou obsessivo compulsivo com intensidade desmedida no limite do insustentável. Foco no meu propósito e abandono tudo o que não diz respeito àquilo ao qual me proponho.

Depois, atingido ou não, largo prá lá e sigo a vida. Obsessivamente.

Há muito olhando para detalhes de nossa casa em Santa Luzia vinha me dando conta de um abandono. O piso de madeira de demolição com excesso de cera e com farpas perigosas para meus netinhos. Paredes que já haviam perdido a cor, inúmeros pequenos e extraordinários detalhes da nossa morada ocasional que, espero, em futuro breve tornar-se-á nosso lugar para o cotidiano.

Despiroquei e coloquei minhas roupas mais rasgadas a serviço de uma reforma geral à base de cotonetes e relojoeiro, buscando restaurar pequenos detalhes que marcam a minha identidade naquele lugar.

Minha casa sou eu. É verdade que 98,785% da cor, do projeto arquitetônico, dos jardins, de tudo o que é belo e diferenciado tem autoria e não é minha. Todo mundo sabe ali quem manda.

Minha casa sou eu em 100% dos 1,215% que me conferem. Assim fica melhor.

Vem daí a obsessão. Estou há dias por conta de reparar aquilo que ali não estava bem. Tão focado que nem ouço o barulho do chiado no ouvido esquerdo. Meu olhar se volta exclusivamente para a minha morada.

Só que não e se assemelha.

Minha obsessão me adoece também pelo que se passa nas entranhas de nossa cultura política. Estou adoecido de tão interessado nos acontecimentos recentes que marcam o tempo presente.

Meu coração e cérebro vivem loopings frequentes ao olhar e analisar sob minhas profundas restrições o que se passa. Ouço a tudo e a todos, procuro as fontes, tento desvestir paixões, abrir-me ao equilíbrio, estar com a isenção e a calma necessária para compreender.

Pretinha me mandou uma mensagem dizendo que achou que ontem eu não estava bem. Eu a respondo aqui: nunca estive tão bem como agora ao viver meus quase sessenta e quatro anos.

É verdade que meu corpo, dá sinais de destremelequecessenciamentos, mas eu nunca fui de carne, meu negócio são as nuvens, entonces bora lá para meus devaneios tortos.

Emocionei-me ontem ao assistir parte do julgamento do STF. Ilusão, obsessiva ou não, senti um profundo orgulho daquelas pessoas que nos brindaram com um debate memorável.

A fala altiva do Relator do Processo ao dizer-se vencido - mas não convencido - e ceder a redação do Acordão para o colega que, tendo sido o primeiro a divergir de seu voto, levou boa parte dos demais juízes à decisão final foi algo de um elevado senso de justiça, humildade e competência ímpares.

A decisão foi, para mim, suprema. Concordando ou não com as ponderações havidas pelos juízes e na minha mais ínfima compreensão de todo o arcabouço jurídico em que se deram os debates saí dele preocupado com o recesso.

Um amigo, no Facebook, postou a tese de que a situação se assemelha a todo o Corpo de Bombeiros tirar férias quando ocorre um incêndio de proporções gigantescas.

Não era hora de todos os atores envolvidos vestirem suas roupas mais rasgadas e investirem compulsivamente na reforma do piso?



Até breve.

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