Há anos estou parado em uma frase
de Gilberto Gil, dita por ele ainda quando ministro, suponho. “A tecnologia suplantou a compreensão”.
De quando em vez ela me ocorre,
como hoje, pela manhã.
Caminhamos velozmente em direção de
mais e mais conhecimentos, urdidos e compartilhados, em uma base tecnológica
alucinante. Sob o signo do acesso, da portabilidade e da instantaneidade somos
convidados, e em número cada vez maior de pessoas, a conhecer.
Para o acesso basta estar conectado
à infernet, esse instrumento demoníaco do pós-apocalipse. A portabilidade é
cada vez mais ao alcance da palma da mão. Tudo pode estar em um equipamento
mais fino que uma caixa de mais ou menos 40 palitos de fósforo para que se fiat
lux. A instantaneidade é mais rápida que a queima total da pólvora na cabeça do
palito de fósforo.
Fez-se a Luz.
Ocorre que não.
Temos sim muito conhecimento, mas
não acumulamos saberes.
Saber não é conhecer, é ser a
partir do que se sabe. Com a profusão vertiginosa e aberta de todo e qualquer
conhecimento, e sobre tudo que se quiser conhecer agora, passa-se a saber cada
vez menos. E o pior, sobre tudo.
Desde uma operação matemática
simples, a um raciocínio espacial onde se encontra; de uma data de aniversário
de um amigo ou parente, a um sintoma sobre o qual se somatiza. Desde a letra
inteira de uma música, até a ausência de metáforas incluídas nela para que se
fizesse pensar, mais do que cantá-la.
Vivemos um tempo de trevas sob intensa luz.
Tudo se explícita e se compartilha.
Orgia orgástica feicebocana entre milhares e milhares de vinculados em orgasmos
múltiplos de egos e paraegos inflados, carentes, medíocres, brilhantes,
pujantes, rasteiros, idiotas, iluminados, limpos, escusos, ternos, violentos,
poetas, escritores, trovadores, canalhas, terroristas, golpistas, pensadores.
Tudo gira, mas não roda.
O Mundo para o Humano não evolui,
antes pelo contrário, involui.
Vladimir Safatle, o filósofo
paulista foi execrado por ter escrito artigo em que diz que a música acabou.
Foi considerado elitista porque escreveu que a música consumida hoje é música
de massa, da periferia, portanto não avaliada como de qualidade.
E fico, então, na Música, elemento
fundamental para a formação do Humano, na medida em que é ela que embala o
silêncio, para que o mais que humano em nós se sobrevenha.
Juro que não consigo viver sem
música e, como eu, vejo-a desaparecer a cada vez que a procuro no rádio. Embora
não seja conhecedor extenso de outro idioma, senão o pátrio, gosto de melodias
suportando dizeres e, ainda que sem saber do que se convida, viajo.
Minha música, no entanto, é o meu
país, minhas entranhas, minhas raízes, meus odores, meus sabores, meus lugares,
meus amores, minhas mazelas, minhas angústias, alegrias, todas.
Minha música morre todo dia, mesmo
que gravada em zilhões de quinquilharias eletrônicas. Não vejo correr pelas
veias abertas o sangue latino de nossas andanças e paradas, nosso volver a los
diecisiete, grácias à la vida, travessia, sem lenço nem documento, depois, todo
o sentimento, saídas e bandeiras, todo o amor que houver nessa vida, roda viva,
encontros e despedidas, oceano, sampa, ideologia, faltando um pedaço, cais, começar
de novo, o medo de amar é o medo de ser feliz, ainda bem, vaca profana, burguesia,
bem que se quis, cálice, fora de ordem, aos nossos filhos, bem querer, o cio da
terra, tempo de estio, somos todos iguais nesta noite, para Lennon e McCartney,
sangrando, dom de iludir, blues da piedade, cartomante, canção da América,
codinome beija-flor, a banda, meu bem querer, grito de alerta, o tempo não
para, desesperar jamais, o quereres...................................
Detalhes.
Até breve.
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