terça-feira, 10 de novembro de 2015

MARILAMA



Pela madrugada adentro, chovia. Uma chuvica, como gosta de dizer a menina ébana do tempo.

Chuva sem tempestade, coisa pouca mesmo, trem sem enxurradas levantes.

Assim, quase nada.

Toda hora vêm lembranças dos tempos idos. Passadas as pancadas a gente corria pras ruas, para desespero das mães.

- “Cê vai constipar, menino”!!!

E era bom de doer. Mesmo que ocorressem surras quando voltava para casa.

Muitas coisas passaram por estas torrentes, águas debaixo de pontes, tempos espessos.

A Vida vai ficando mais dessubstanciada, sem olor das naturezas revoltas, coberta de proteções.

Foi o que pensei, olhando pela janela. Uma saudade fininha que, perfurando o coração, quase brotava líquida dos olhos.

Assim, chuvica.

Por que, no limiar, sofremos? Angústia de não ter sido possível todos os sonhos, as utopias todas levadas horas a fio.

Não era nada disso que sobraria a viver, pois certo. Seguramente que não.

A incisão cirúrgica na base do pescoço ajuda a sentir a dor real das perdas. O corpo, tanto quanto o espírito e as esperanças, capitulam.

Extraiu-se de mim meus originais engendramentos e sobra viver o resto de meus dias, químico, desnatural.

Com isso, confesso, metabolizam-se os porém e, se não é pelo olhar de minhas pequenas criaturas, eu já poderia de ir.

Juro, vai perdendo a graça. Não há nada, de resto, que me prenda à vida. Todo dia, se ver, é para mais ainda.

Fiquei observando o que a lama leva. Não é nada de pouco. Devasta vales históricos, cantigas ao luar, relvas marcadas de orvalhos, tantas andanças.

Tudo que se projetou e se procurou edificar rompe com a barragem e, em um piscar de olhos, se desfaz.

A gente não passa de uma gota sobre a relva, amorfa. Mais do que isto é pensar que a vida faz algum sentido. E não faz, não faz mesmo.

- “Jesus, não deixe a água me levar”, teria dito o menino de sete anos no colo da avó.

- “Jesus não salvou o meu menino”, disse, misturada às lágrimas, a mãe perdida.




Até breve.

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