Pela madrugada adentro, chovia. Uma
chuvica, como gosta de dizer a menina ébana do tempo.
Chuva sem tempestade, coisa pouca
mesmo, trem sem enxurradas levantes.
Assim, quase nada.
Toda hora vêm lembranças dos tempos
idos. Passadas as pancadas a gente corria pras ruas, para desespero das mães.
- “Cê vai constipar, menino”!!!
E era bom de doer. Mesmo que ocorressem
surras quando voltava para casa.
Muitas coisas passaram por estas
torrentes, águas debaixo de pontes, tempos espessos.
A Vida vai ficando mais dessubstanciada,
sem olor das naturezas revoltas, coberta de proteções.
Foi o que pensei, olhando pela
janela. Uma saudade fininha que, perfurando o coração, quase brotava líquida dos
olhos.
Assim, chuvica.
Por que, no limiar, sofremos?
Angústia de não ter sido possível todos os sonhos, as utopias todas levadas
horas a fio.
Não era nada disso que sobraria a
viver, pois certo. Seguramente que não.
A incisão cirúrgica na base do
pescoço ajuda a sentir a dor real das perdas. O corpo, tanto quanto o espírito
e as esperanças, capitulam.
Extraiu-se de mim meus originais
engendramentos e sobra viver o resto de meus dias, químico, desnatural.
Com isso, confesso, metabolizam-se
os porém e, se não é pelo olhar de minhas pequenas criaturas, eu já poderia de
ir.
Juro, vai perdendo a graça. Não há
nada, de resto, que me prenda à vida. Todo dia, se ver, é para mais ainda.
Fiquei observando o que a lama
leva. Não é nada de pouco. Devasta vales históricos, cantigas ao luar, relvas
marcadas de orvalhos, tantas andanças.
Tudo que se projetou e se procurou
edificar rompe com a barragem e, em um piscar de olhos, se desfaz.
A gente não passa de uma gota sobre
a relva, amorfa. Mais do que isto é pensar que a vida faz algum sentido. E não
faz, não faz mesmo.
- “Jesus, não deixe a água me levar”, teria dito o menino de sete
anos no colo da avó.
- “Jesus não salvou o meu menino”, disse, misturada às lágrimas, a
mãe perdida.
Até breve.
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