domingo, 29 de novembro de 2015

DINA




Quando eu era menino lá em Santa Teresa eu alimentava três paixões. Bola, um monte de outras brincadeiras e Dina.

Dina era uma menina maravilhosa que morava em uma rua paralela à que eu morava. Um belo dia, eu jogava uma pelada próxima a casa dela, e - num relance - eu a vi sair de mãos dadas com a empregada.

Morri. Todas as minhas pernas balançaram e eu não caí porque firmava o pé de apoio para bater com a canhota em direção ao gol. O fato de eu perder o gol não fez a menor diferença em minha vida, mas a primeira vez que pus os olhos em Dina modificou para mim pelo menos os meus primeiros anos da adolescência.

Essa menina governou as batidas do meu coração por um bom tempo. Sabem quantas vezes eu me aproximei dela, falei com ela, que ela me viu? Nenhuma.

Tive outras paixões assim e ainda as tenho. Quer ver?

Eu estou apaixonado pelo Supremo Tribunal Federal, pelo Ministério Público, pela Polícia Federal e por parte do Congresso Nacional. E por quê?

Estamos próximos, muito próximos de viver um dos momentos mais expressivos de nossa República com chances mais do que objetivas de dar um belíssimo sinal de maturidade institucional e política ao mundo o que restaurará nossa credibilidade inclusive sob a perspectiva financeira, criando condições efetivas para a retomada de nosso desenvolvimento.

Senão vejamos:

PRIMEIRO PONTO

A força-tarefa da Lava Jato busca reunir elementos para apontar a Casa Civil como mentora do esquema que loteava politicamente cargos estratégicos, fixava porcentuais de pagamento de propina e que estruturou uma máquina de lavagem de dinheiro para ocultar o financiamento ilegal de partidos e campanhas eleitorais com o objetivo de garantir a governabilidade e a permanência no poder.

A prisão do pecuarista Bumlai, na última terça-feira, foi a mais recente peça nessa montagem do quebra-cabeça, fechando o círculo ao redor do ex-presidente da república.

Com três ex-ministros da Casa Civil pegos no radar da Lava Jato – José Dirceu, Antonio Palocci e Gleisi Hoffmann –, os investigadores da força-tarefa consideravam ter até aqui a base para revelar o papel efetivo de integrantes do Planalto como figuras ativas e com decisão no esquema de corrupção descoberto na estatal petrolífera – onde o rombo pode ultrapassar os R$ 42 bilhões. (fonte: O Estado de São Paulo, com pequenos ajustes).

SEGUNDO PONTO

O Supremo constrói delicada e firmemente o arcabouço jurídico para viabilizar todos os eventuais mandados de prisão sustentados em provas objetivas que determinem como crime inafiançável. Não intervém na pendenga política do afastamento do Presidente da Câmara.

TERCEIRO PONTO

Há rumores entre alguns parlamentares de que eles deveriam renunciar, coletivamente, ao mandato levando à sociedade a novas eleições. Minha paixão faz perder as pernas ao imaginar parte deles tomando esta decisão, deixando com a brocha na mão apenas os citados na Operação Lava Jato.


Poderia sim escrever com erudição para abordar uma questão tão vasta e complexa quanto esta. Uso uma metáfora, minha veia literária, pois trato de uma paixão. Portanto, uma quimera.

Todas as minhas pernas balançam, mas eu estou com o pé de apoio firme para bater com a canhota em direção ao gol.

Estou ansioso para escrever meu post BOLASETE.


Até breve.

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

HERANÇA



- Vovô, cê me leva no teatrinho da Cinderela?

- Claro, Lelê!

- Promete?

- Prometo.

- Mas num é igual que cê prometeu pro papai de dá prá ele a pingarda de rola...

- O que foi, Lelê?

- Você prometeu pro papai, quando ele era pequenininho, de dar prá ele uma pingarda de rola e num deu.

- É espingarda de rolha... Ele te falou isso?

- Não, eu é que sei.

- Eu não encontrei...

- Mas você prometeu.

- Foi.

- E agora tá me prometendo que vai me levar no teatrinho da Cinderela...

- Eu vou te levar, Lelê.

- Cê não vai dizer que não encontrou, né?

- O quê?

- O teatrinho.

- Você sabe qual?

- Mamãe falou que é no do shopping...

- Qual shopping?

- Do Pátio.

- Sei.

- Sabe mesmo, vovô?

- Sei, Lelê... Num tô te falando, eu hein?

- Melhor você pegar o endereço direito com a mamãe...

- Num precisa.

- Depois você não encontra...

- Pode ficar tranquila, vovô sabe onde é, vai perguntar para a mamãe que dia e que hora que é e...

- É quarta-feira, quatro e meia da tarde.

- Tem certeza?

- Claro, vovô!

- Tá bom, Lelê...

- E tem que chegar pelo menos duas horas mais cedo para pegar ingresso... é promoção...

- Duas horas antes?

- É bom que aí você me leva nos brinquedos que tem lá no shopping, né vovô?

- É, é bom mesmo...

- Você promete?



Até breve.

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

DEPURAÇÃO



Ontem amanheci dividido. Dava importância à prisão do senador ou continuava a sequência de diálogos antecipatórios com minha netinha que nascerá nos primeiros meses do próximo ano?

Optei por um híbrido. Penso que tem sido assim o meu tempo presente. Um olho no que se passa e outro no que me passa. Um olhar para o entorno e outro para bem próximo.

Perto de atingir 900 posts este blog vai se constituindo no meu modesto legado. Impossível alguém escrever 900 textos sem se revelar por inteiro e esta tem sido minha intenção. E para quem?

A foto que ilustra o blog quer sinalizar uma resposta.

Ontem vivi um bom dia. Ainda destrambelhado por força da confusão hormonal pela retirada da tireoide, mas lúcido o suficiente para experienciar com imensa alegria o desfecho dos fatos.

Acompanhei durante toda a tarde e início da noite a transmissão da sessão do Senado e ouvi a gravação (de mais de uma hora de duração) feita pelo filho do ex-diretor da Petrobras.

Bastava a prisão, pela primeira vez na história republicana, de um senador em exercício de seu mandato para que tivéssemos um dia alvissareiro.

O desenrolar do episódio foi extraordinariamente mais intenso e relevante do que a prisão em si. Vivemos ontem um dia, que eu quero guardar, de júbilo. O Senado Federal deu afinal uma demonstração de maturidade institucional que há muito o povo brasileiro aguardava.

No post MILLENIUM escrevi: “Terror é tudo sobre o qual não se exerce controle”. O processo anárquico pelo qual o país vinha passando era, para mim, aterrorizante. O acinte, o escárnio, a mentira, a falácia, o engodo, e todas as atitudes mais vis e vergonhosas possíveis patrocinadas por políticos ocupantes de postos relevantes dava ao país um quadro de absoluta anarquia.

Até ontem, espero.

Os discursos que antecederam à votação se o voto para a manutenção da prisão do senador seria aberto ou secreto foram basilares e esclarecedores. Explicitaram e dividiram de forma transparente quem são aqueles parlamentares que merecem nosso crédito e aqueles que de há muito deveriam ser banidos da vida pública e boa parte destes presos em regime fechado.

Nove dos dez senadores que pediram a palavra antes que se desse a decisão da mesa se o voto deveria ser secreto ou aberto opinaram abertamente pela importância de que a decisão, em benefício da transparência, fosse aberto.

Ainda assim, o Presidente do Senado optou por decidir que o voto seria secreto. Face à manifestação em contrário de inúmeros senadores e, suponho, do clamor das ruas que chegava aos seus ouvidos Renan Calheiros resolveu transferir para o plenário a decisão.

Por manifestação oral dos líderes das bancadas a decisão sairia por voto aberto.

Confesso que nesse momento experimentei um lenitivo à minha desesperança. Nem tudo estava perdido neste país. Os parlamentares ficaram expostos ao povo brasileiro. Não há ninguém, de boa vontade, que não queira ver esclarecidos os fatos de forma aberta e transparente, com isenção, lisura e dentro dos preceitos constitucionais.

O senador seguirá preso. Todos os votos contrários (treze) foram de parlamentares citados na Operação Lava Jato.

A manutenção da prisão e os interrogatórios subsequentes dos outros detidos, além do político, especialmente os do banqueiro, serão peças chaves para enriquecer o processo de depuração moral pelo que passamos.

O dia de ontem também foi marcado pela nota trágica divulgada pelo Partido dos Trabalhadores. Trágica e emblemática.

Dia limpo.

Lelê volta no próximo post.



Até breve. 

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

CIÚME


Eu poderia abordar questões como a prisão, realizada hoje, pela Polícia Federal determinada pelo STF de um senador, de um banqueiro estelar, e de dois outros elementos que vinham prejudicando as investigações da Operação Lava Jato. É a primeira vez na história deste país que um senador em exercício de seu mandato é preso.

Eu poderia discorrer sobre as declarações de um presidente de banco que, com todas as letras, disse que Lula “estava a par de empréstimo de R$ 12 milhões tomado por pecuarista em 2004 cujo beneficiário seria o partido; empresário confirmou em delação que valor nunca foi quitado e que contrato da Petrobrás compensou dívida.

Prefiro uma experiência singela e de outra esperança.

- Vovô...

- Que foi, Lelê?

- Liz falou que você levou ela na lua, é verdade?

- É.

- Sozinha?

- Foi.

- Eu também quero.

- Tá.

- Que dia que você me leva?

- Vamos combinar...

- Hoje.

- Hoje não dá, temos que arrumar um monte de coisas para poder ir.

- Amanhã, então.

- Amanhã também não dá... Quem você quer que vá contigo?

- Todo mundo ora... A Dê e a Lu...

- Sei...

- Vovó Beth e vovô Antônio, você e vovó Vera, Liz, Pedrinho, Catita, Tin, tio Cláudio e tio Tadeu , tia Lola e tia Valesca... Artur e tia Sílvia...

- Quem mais?

- Tio Rafa e tio Bê...

- Você não está se esquecendo de ninguém não?

- Todo mundo da casa da vovó Nini?

- Por exemplo...

- Se eles quiserem ir, tem lugar num tem?

- Claro!

- Pois é...

- Lelê, você não se esqueceu de ninguém não?

- Acho que não.

- Acho que sim.

- Quem?

- Você sabe.

- Meu irmão?

- Claro que sim, né Lelê!

- Cê acha que cabe no balão, vovô?

- Sim.

- Vamos ver na hora de sair se ele não tiver muito chato, aí você pode levar ele sim.



Até breve.

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

PREFERÊNCIAS



- Vovô...

- O que é Lelê?

- De quem você gosta mais... De mim ou da Liz?

- Da Liz.

- Poxa, vovô, perto de mim você podia dizer que era de mim, né ô?

- Eu só falo que é de você quando estou com a Liz.

- Ela pergunta de quem você gosta mais?

- Também.

- E dos meninos, de quem você gosta mais?

- Dos dois...

- E de nós quatro?

- O que tem?

- Você gosta mais da Liz e de mim do que dos meninos?

- Lelê, eu gosto de vocês quatro igualzinho, do mesmo tantão...

- Num é verdade...

- E por que não?

- Porque a gente não gosta de todo mundo igual...

- Quem te falou isso, Lelê?

- Eu mesma... Tem hora que eu gosto mais da mamãe que do que do papai e tem hora que eu gosto mais do papai do que da mamãe...

- Como assim?

- Quando eles fazem alguma coisa que eu não queria...

- Acho que todo mundo não gosta das pessoas que não fazem o que elas querem...

- Num devia de ser assim, né vovô?

- E como deveria ser?

- As pessoas só deviam fazer as coisas que as outras querem...

- Lelê, pegue aquela caixa ali, por favor...

- Pegue você vovô...

- Num falei?

- O quê?

- As pessoas não querem fazer tudo que a gente quer que elas façam prá gente...

- Vovô, a caixa tai perto de você, vovô... Cê é preguiçoso?

- Eu só queria que você pegasse prá mim...

- Ah, vovô, deixa prá lá...

- Tá bom.

- Vovô...

- Oi.

- Mas tem alguém que você gosta mais do que todo mundo...

- Tenho, Lelê? E quem é?

- Vovó.

- Que bom que foi você que falou isso...

- Por quê?

- Se fosse eu todo mundo duvidaria...

- Ela faz muita coisa que você não quer?

- Virge!!!

- E por que você gosta mais dela do que de todo mundo?

- Como eu poderia ter a minha maior alegria da vida, que são vocês, se não fosse ela?

- E num podia de ser com outra?

- Nunca.



Até breve.

sábado, 21 de novembro de 2015

SEGREDOS



- Vovô...

- O que é, Lelê?

- Lelê???!!!

- É, Lelê...

- Eu chamo Helena, cê esqueceeeuuu?

- Eu queria te chamar de Lelê, pode?

- Por quê?

- Sua tia, Valesca, quando ela era pequenininha, chamava seu pai de Lelé...

- Meu pai chama Vladimir...

- Pois é, mas sua tia chamava ele de Lelé...

- E o que que eu tenho com isso?

- É que eu achei bunitinho te chamar de Lelê, por causa de Helena...

- Num gosto...

- Intão tá.

- Você não vai me chamar de Lelê mais?

- Você não gosta, ora...

- Cê ficou triste?

- Pouquinho...

- Vamo inventar outro nome prá mim?

- Vamo???!!!

- Guibiriba...

- Legal!

- Mais eu num gosto!

- Bororéia...

- Que isso, vovô???!!!

- Trumbisquela?

- Pára, vovô, se não eu vou te chamar de Lholhô...

- Purmim, pode...

- Eu acho feio...

- Eu num acho...

- Vovô, quer saber de uma coisa?

- Quero.

- Eu vou deixar você me chamar de Lelê só quando não tiver ninguém perto, tá bom?

- Cê não vai ficar triste comigo?

- Não, quando tiver só nós dois sozinhos você pode me chamar de Lelê.

- Tá bom, Lelê.

- Vovô?

- O que é, Lelê?

- Posso chamar você de Lholhô?

- Pode, mas só quando nós dois estivermos sozinhos.




Até breve.

SILÊNCIO



Há anos estou parado em uma frase de Gilberto Gil, dita por ele ainda quando ministro, suponho. “A tecnologia suplantou a compreensão”.

De quando em vez ela me ocorre, como hoje, pela manhã.

Caminhamos velozmente em direção de mais e mais conhecimentos, urdidos e compartilhados, em uma base tecnológica alucinante. Sob o signo do acesso, da portabilidade e da instantaneidade somos convidados, e em número cada vez maior de pessoas, a conhecer.

Para o acesso basta estar conectado à infernet, esse instrumento demoníaco do pós-apocalipse. A portabilidade é cada vez mais ao alcance da palma da mão. Tudo pode estar em um equipamento mais fino que uma caixa de mais ou menos 40 palitos de fósforo para que se fiat lux. A instantaneidade é mais rápida que a queima total da pólvora na cabeça do palito de fósforo.

Fez-se a Luz.

Ocorre que não.

Temos sim muito conhecimento, mas não acumulamos saberes.

Saber não é conhecer, é ser a partir do que se sabe. Com a profusão vertiginosa e aberta de todo e qualquer conhecimento, e sobre tudo que se quiser conhecer agora, passa-se a saber cada vez menos. E o pior, sobre tudo.

Desde uma operação matemática simples, a um raciocínio espacial onde se encontra; de uma data de aniversário de um amigo ou parente, a um sintoma sobre o qual se somatiza. Desde a letra inteira de uma música, até a ausência de metáforas incluídas nela para que se fizesse pensar, mais do que cantá-la.

Vivemos um tempo de trevas sob intensa luz.

Tudo se explícita e se compartilha. Orgia orgástica feicebocana entre milhares e milhares de vinculados em orgasmos múltiplos de egos e paraegos inflados, carentes, medíocres, brilhantes, pujantes, rasteiros, idiotas, iluminados, limpos, escusos, ternos, violentos, poetas, escritores, trovadores, canalhas, terroristas, golpistas, pensadores.

Tudo gira, mas não roda.

O Mundo para o Humano não evolui, antes pelo contrário, involui.

Vladimir Safatle, o filósofo paulista foi execrado por ter escrito artigo em que diz que a música acabou. Foi considerado elitista porque escreveu que a música consumida hoje é música de massa, da periferia, portanto não avaliada como de qualidade.

E fico, então, na Música, elemento fundamental para a formação do Humano, na medida em que é ela que embala o silêncio, para que o mais que humano em nós se sobrevenha.

Juro que não consigo viver sem música e, como eu, vejo-a desaparecer a cada vez que a procuro no rádio. Embora não seja conhecedor extenso de outro idioma, senão o pátrio, gosto de melodias suportando dizeres e, ainda que sem saber do que se convida, viajo.

Minha música, no entanto, é o meu país, minhas entranhas, minhas raízes, meus odores, meus sabores, meus lugares, meus amores, minhas mazelas, minhas angústias, alegrias, todas.

Minha música morre todo dia, mesmo que gravada em zilhões de quinquilharias eletrônicas. Não vejo correr pelas veias abertas o sangue latino de nossas andanças e paradas, nosso volver a los diecisiete, grácias à la vida, travessia, sem lenço nem documento, depois, todo o sentimento, saídas e bandeiras, todo o amor que houver nessa vida, roda viva, encontros e despedidas, oceano, sampa, ideologia, faltando um pedaço, cais, começar de novo, o medo de amar é o medo de ser feliz, ainda bem, vaca profana, burguesia, bem que se quis, cálice, fora de ordem, aos nossos filhos, bem querer, o cio da terra, tempo de estio, somos todos iguais nesta noite, para Lennon e McCartney, sangrando, dom de iludir, blues da piedade, cartomante, canção da América, codinome beija-flor, a banda, meu bem querer, grito de alerta, o tempo não para, desesperar jamais, o quereres...................................

Detalhes.



Até breve. 

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

LULA



Previsão do meu horóscopo para o dia de hoje:

“Há coisas que só você entende e que não seria adequado você tentar explica-las a outrem, porque pareceriam sem pé nem cabeça. Por isso, digira interiormente essas informações e continue observando o andar do mundo.” (Quiroga, em O Estadão)

Entre o martírio da desesperança e um resto de ilusão, opto pelo segundo. O protagonista do filme Instinto, um serial killer estrelado por Sir Anthony Hopkins, em uma cena capital filmada na cela onde está preso, dá uma gravata em seu psicólogo e pergunta para o terapeuta:

- O que jamais podemos perder na vida?

Depois de duas ou três tentativas de resposta do pobre do terapeuta, o personagem de Hopkins declara:

- A ilusão. Nunca devemos perder a ilusão na vida.

Pois é.

Assisti ontem, com muita atenção, à entrevista do ex-presidente Lula ao Roberto D’Ávila na Globonews. Recomendo a todos.

Gravei a entrevista e extraí alguns trechos que me permito reproduzir aqui:

  • A gente não pode esquecer que desoneramos mais de R$400 bilhões para fazer a economia continuar crescendo e chegamos em dezembro de 2013 com 4,8% de desemprego no Brasil, o menor índice da história. Eu me sentia como um norueguês, um dinamarquês, um finlandês.
  • Não precisa ser economista e nem universitário, isso se aprende dentro de casa. Você não pode gastar mais do que arrecada.
  • A sociedade está desesperançada porque há muito tempo há um trabalho dos meios de comunicação para negar a política. A imprensa pode divulgar o que quiser, pode fazer a crítica que quiser, é um direito. Quem tem que fazer censura é o telespectador, o ouvinte e o leitor. É preciso não negar a política, não há saída fora da política. Na Itália surgiu Berlusconi, no Egito a Primavera Árabe acabou em uma junta militar.
  • As pessoas criam suas verdades absolutas, ou seja, na política não vale criar a lei do domínio do fato.
  • Fico imaginando um cidadão, que fala das dificuldades da Dilma, se tivesse um filho com febre ele jogava fora. É muito fácil cuidar de uma criança quando ela tá sorrindo, quando não pede comida, quando não está doente. Quando tá doente o que você faz?
  • Tem aí uma crise política que está difícil de resolver. Os líderes não têm a força que parecem que têm. Antigamente você resolvia isso conversando com o ministro, e o ministro de cada partido entregava os votos, depois você conversava com o líder e o líder entregava os votos. Hoje não tem mais essa representatividade. Os presidentes não mandam mais nos partidos, os ministros não coordenam mais as suas bases e os lideres também não.
  • O único limite que há para as pessoas é de agirem corretamente.
  • Não é possível as pessoas continuarem falando das pessoas da forma mais banal e venal do jeito que estamos. Mesmo assim será benéfico para o Brasil.
  • A Petrobras foi um susto para mim e para o mundo. As pessoas que participaram da quadrilha tinham mais de trinta anos de Petrobras, que entraram para a empresa nos anos setenta, nos anos oitenta. Seria importante que o Ministério Público saiba desta gente, que a imprensa saiba.
  • Eu espero que Deus um dia carimbe na testa das pessoas o que elas serão quando crescer: se vai ser um ladrão se não vai ser, se vai ser honesto ou não. A gente não sabe.
  • Só vai sair reforma política nesse país se fizer uma constituinte para fazer reforma política. Um conjunto de deputados eleitos para fazer a reforma política e com a proibição de se candidatar na próxima eleição. Para fazer uma coisa isenta.
  • Toda vez que um presidente diz que é insubstituível já começa a surgir um ditador.
  • Não há nenhuma razão para a gente não acreditar neste país.
  • As pessoas perguntam se eu vou voltar em 2018. Eu espero que o Brasil evolua tanto que eu não precise voltar. A única condição para eu voltar é se tiver um candidato que tenha um projeto que destrua tudo o que nós construímos de política social neste país.
  • A crise não foi feita pelos pobres, nem pelos pretos e nem pelos índios. A crise foi feita pelo sistema financeiro internacional irresponsável. Os países não controlavam o seu sistema financeiro, não tinha regulação, bancos nos USA podiam financiar 35 vezes o seu ativo.
  • Eu acho muito difícil que vai ter um presidente que venha a tirar o que as pessoas conquistaram. Porque as pessoas conquistaram o mínimo.
  • Economia não tem mágica, tem previsibilidade.
  • Meu filho sabe que tem que provar que fez a coisa certa, porque se ele não provar ele está sujeito à mesma constituição que eu estou, as mesmas leis que eu estou. É chato é, mas é bom.
  • Eu só tenho um valor na minha vida, um único. Não tenho dois. É vergonha na cara aprendido com uma mãe analfabeta. 
  • Eu duvido que tenha neste país, um empresário que esteja no lavajato ou que não esteja no lavajato, que goste de mim ou que não goste, que more no Rio ou more onde quiser, que diga que um dia conversou qualquer coisa comigo que não fosse possível de ser concretizada em qualquer lugar do mundo. 
  • Não está escrito na minha testa: converse comigo sobre banalidade, converse comigo sobre corrupção.
  • Eu fui presidente de sindicato, fui presidente do PT, sou presidente da república nunca um desgraçado neste país falou assim para mim: Lula, eu quero te dar uma pera. Nunca.


Quero imaginar que Lula esteja dizendo sua verdade e, principalmente, quando fala do valor que o orienta, legado de sua mãe.

Lula teria sido surpreendido por colegas de trajeto, porque “você não tem uma placa na testa de ninguém dizendo se é ou não honesto”.

Lula nunca soube de nada mesmo a respeito do que fizeram os hoje sentenciados pela Justiça, quando do Mensalão e do Petrolão.

Lula sabe e como ninguém a saída a ponto de acreditar que se alguém colocar em risco o projeto de conquista social ou se o país não evoluir tanto ele precise voltar.

Lula disse que não faz críticas e nem dá conselhos à presidenta, mas disse na entrevista que foi presidente de sindicato, foi presidente do PT e que é presidente da república.

Acho bom os adversários procurarem urgentemente alguém que supere Lula na extraordinária capacidade dele de entregar o que o personagem de Hopkins disse que é aquilo que não nos pode faltar.

Paro aqui, porque  sei que não devemos contrariar os ensinamentos dos astros.



Até breve. 

terça-feira, 17 de novembro de 2015

HORRORES



Em BANAL e COMUNIDADE, contos que escrevi há alguns anos, tento apontar a constância do processo de renovação sistemática de uma das nossas mais graves mazelas: o tráfico de drogas.

Descrevo a saga de jovens vulneráveis à nossa perversa realidade em sua construção de entrada e tentativa de saída do mundo do crime.

Há zilhões de textos, inclusive científicos, peças de teatro, livros a dar-com-o-pau, filmes que abordam o tema.

Perdemos anualmente milhares de vidas de jovens com até 25 anos de idade, há décadas, e não nos perguntamos o que faz com que estes jovens optem por esta vida e enfrentamos ações efetivas para a resposta que sabemos de cor.

Com frequência vias públicas em que transitam milhares de pessoas são fechadas pelo terror da luta entre gangs ou destas com policiais.

Não quero aproveitar Paris, para lembrar o Rio de Janeiro. Não quero relativizar Terrorismo Religioso e Saúde Pública.

Quero mais do que isto, dizer que a causa destes males não se encontra nos territórios do Oriente Médio, nem em Rocinhas, Alemão, Paraisópolis, Capão Redondo. Estes bolsões explosivos e urdidores de operários da violência são, em essência, efeitos de uma causa maior.

Nosso problema não é nem o terrorismo e nem o tráfico. Enquanto não tivermos coragem de encarar esta realidade, continuaremos vertendo lágrimas de hipocrisia.

Atacar exércitos de maltrapilhos ensandecidos em áreas remotas e desertos, matando-os misturados a civis inocentes, ou contabilizar inúmeros ataques aos nossos morros, becos, vielas, aglomerados não debelará o câncer. Antes pelo contrário.

Agora, no plano global, Obama, Hollande e Putin tramam a extirpação da célula-mater do terror. Um quer o ostensivo ataque por terra e outro defende a ação via artilharia aérea. Bilhões de dólares serão gastos nos efeitos, quando poderiam estar alocados na minimização ou mitigação das causas.

No plano local vamos continuar implantando unidades pacificadoras permanentes para passar blush sobre a ferida cancerígena.

A quase certeza de que não faremos o que precisa ser feito, por força de intricadas circunstâncias, motivações e anomalias de toda natureza é o que, a mim, mais aterroriza.

Vamos nos acostumar também com o agravamento das consequências. Tomar consciência do que se passa está ficando cada vez mais desinteressante, senão estressante.

Melhor faria se me emputecesse com um vídeo que Cláudio, meu genro, me mandou ontem à noite. Nele, com Tin do seu lado, Noninha cantarola o Hino do Galo.

Posts como este não precisariam ser editados. A não ser para dizer que tanto numa questão, quanto na outra, sou absolutamente impotente para fazer qualquer coisa.



Até breve.