sábado, 17 de outubro de 2015

BOX



Amanheci acometido por uma questão intrigante:

O que nos resta a fazer com o que temos? ou

O que temos a fazer com o que nos resta?

Lembrei-me dos idos de 1974, quando eu perambulava pelos corredores da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG, jovem de vinte e dois anos a cata da consciência revolucionária que nos libertaria da tirania que subjugava os povos.

Toda informação, especialmente as clandestinas, era vinda e acolhida aos sobressaltos.

Tínhamos medo, era um tempo de trevas.

Circulávamos com o jornalzinho do DA, ou com poemas ou escritos (impressos em mimeógrafos), escondidos sob a camisa, para distribuir aos colegas. Alguns, muitas vezes, nos hostilizavam e temíamos que ali estivesse um “dedo-duro” ou um infiltrado.

No turbilhão de tantas lembranças e medos revividos, ocorreu-me hoje a de um poema do espanhol Fernando Arrabal e do filme Malatesta – proibido - que assistimos (quase mudo) a portas fechadas em uma madrugada qualquer no DA, rodado em um projetor chinfrim surrupiado às escondidas do Cine Clube da Faculdade.

Esses, entre tantos e tão poucos se comparados à hoje, tiraram o meu sono de inúmeras noites. Eu nunca tive coragem de ler todo o poema de Arrabal, embora eu o tenha até hoje, guardado no box de despejo da garage do meu apartamento.

E por quê?

Meu medo essencial, na época, era de que, uma vez tomado consciência, o que eu teria que fazer? Sim, porque a consciência implicava em ação revolucionária. A consciência era a seiva verdejante da liberdade.

- “LIBERDADE!!! LIBERDADE!!! ABRA AS ASAS SOBRE NÓS!!!

Passados quarenta e um anos o medo dissipou-se. Tudo está sob a luz do sol, a 37,4º C de temperatura ambiente, e é veiculado em inúmeros expedientes e de todas as formas de acesso, portabilidade e instantaneidade.

Tenho milhares de “amigos” que curtem, comentam e compartilham todas e quaisquer informações revestidas de diferentes abordagens e convicções.

Há de cartas-abertas à Presidenta para que ela não se isole no Palácio e acredite que não está sozinha na luta pelos interesses do povo, a documentos completos de petições para que ela tenha o mandato suspenso.

Todos os textos, todas as denúncias, todos os poemas, análises, filmes e filmetes, charges, pilhérias, tudo exposto para quem se interessar possa. Em contraponto, veio a minha memória agora, como eu temia passar pelos corredores da faculdade, muitas vezes ermos, escuros, por onde eu vagava com a fonte da consciência impressa em poucas dezenas de panfletos.

Hoje, nunca fomos tão democráticos e aí reside a nossa tirania.

A consciência transborda pela via dos fatos, não importa sob a égide de que convicções. Todos nós estamos com nossas verdades fraturadas e expostas e com elas nos abordamos na rede virtual e nas mesas de bares.

Consciência, temos todos. E ação? Poderíamos tomar de assalto os palácios e prender, em nome do povo, todos os corruptos e instituir novo Estado de Direito e Cidadania, mesmo que nos restassem suor, lágrimas e até sangue.

Muitos sucumbiriam em batalha histórica orientados por suas convicções advindas da consciência. Porém, nossa “índole” é refratária à violência revolucionária. Foi um membro da corte que nos “libertou” do nosso primeiro colonizador.

Não, não faremos o que precisa ser feito.

Exceto se eu for ao box da garage do meu apartamento, resgatar o poema de Fernando Arrabal e compartilhá-lo na minha página do Face.

O filme MALATESTA deve estar catalogado no You Tube e poderá ser assistido em alto e bom som.

Puxa, como foi difícil passar por este corredor.

Daqui alguns anos, quando um de meus netos me perguntar:

- “Vô, com tudo aquilo, ninguém fez nada, Vô?”.

É isto que nos torna vis.



Até breve. 

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