Amanheci acometido por uma questão
intrigante:
O que nos resta a fazer com o que
temos? ou
O que temos a fazer com o que nos
resta?
Lembrei-me dos idos de 1974, quando
eu perambulava pelos corredores da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da
UFMG, jovem de vinte e dois anos a cata da consciência revolucionária que nos
libertaria da tirania que subjugava os povos.
Toda informação, especialmente as
clandestinas, era vinda e acolhida aos sobressaltos.
Tínhamos medo, era um tempo de
trevas.
Circulávamos com o jornalzinho do
DA, ou com poemas ou escritos (impressos em mimeógrafos), escondidos sob a
camisa, para distribuir aos colegas. Alguns, muitas vezes, nos hostilizavam e
temíamos que ali estivesse um “dedo-duro” ou um infiltrado.
No turbilhão de tantas lembranças e
medos revividos, ocorreu-me hoje a de um poema do espanhol Fernando Arrabal e do
filme Malatesta – proibido - que assistimos (quase mudo) a portas fechadas em
uma madrugada qualquer no DA, rodado em um projetor chinfrim surrupiado às
escondidas do Cine Clube da Faculdade.
Esses, entre tantos e tão poucos se
comparados à hoje, tiraram o meu sono de inúmeras noites. Eu nunca tive coragem
de ler todo o poema de Arrabal, embora eu o tenha até hoje, guardado no box de
despejo da garage do meu apartamento.
E por quê?
Meu medo essencial, na época, era
de que, uma vez tomado consciência, o que eu teria que fazer? Sim, porque a
consciência implicava em ação revolucionária. A consciência era a seiva
verdejante da liberdade.
- “LIBERDADE!!! LIBERDADE!!! ABRA
AS ASAS SOBRE NÓS!!!
Passados quarenta e um anos o medo
dissipou-se. Tudo está sob a luz do sol, a 37,4º C de temperatura ambiente, e é
veiculado em inúmeros expedientes e de todas as formas de acesso, portabilidade
e instantaneidade.
Tenho milhares de “amigos” que
curtem, comentam e compartilham todas e quaisquer informações revestidas de
diferentes abordagens e convicções.
Há de cartas-abertas à Presidenta
para que ela não se isole no Palácio e acredite que não está sozinha na luta
pelos interesses do povo, a documentos completos de petições para que ela tenha
o mandato suspenso.
Todos os textos, todas as
denúncias, todos os poemas, análises, filmes e filmetes, charges, pilhérias,
tudo exposto para quem se interessar possa. Em contraponto, veio a minha
memória agora, como eu temia passar pelos corredores da faculdade, muitas vezes
ermos, escuros, por onde eu vagava com a fonte da consciência impressa em
poucas dezenas de panfletos.
Hoje, nunca fomos tão democráticos
e aí reside a nossa tirania.
A consciência transborda pela via dos
fatos, não importa sob a égide de que convicções. Todos nós estamos com nossas
verdades fraturadas e expostas e com elas nos abordamos na rede virtual e nas
mesas de bares.
Consciência, temos todos. E ação? Poderíamos
tomar de assalto os palácios e prender, em nome do povo, todos os corruptos e
instituir novo Estado de Direito e Cidadania, mesmo que nos restassem suor,
lágrimas e até sangue.
Muitos sucumbiriam em batalha
histórica orientados por suas convicções advindas da consciência. Porém, nossa “índole”
é refratária à violência revolucionária. Foi um membro da corte que nos “libertou”
do nosso primeiro colonizador.
Não, não faremos o que precisa ser
feito.
Exceto se eu for ao box da garage
do meu apartamento, resgatar o poema de Fernando Arrabal e compartilhá-lo na
minha página do Face.
O filme MALATESTA deve estar
catalogado no You Tube e poderá ser assistido em alto e bom som.
Puxa, como foi difícil passar por
este corredor.
Daqui alguns anos, quando um de
meus netos me perguntar:
- “Vô, com tudo aquilo, ninguém fez nada, Vô?”.
É isto que nos torna vis.
Até breve.
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