terça-feira, 29 de setembro de 2015

TECIDO



“Ninguém põe um pedaço de pano novo em um vestido velho, porque semelhante remendo rompe o vestido, e faz-lhe maior o rasgão.”
Mateus - XI – 16

Em um dos meus livros que escrevi na juventude, impublicáveis inclusive post mortem, abro com: “Tratarei nesta obra dos esforços lentos e contínuos que, pouco a pouco, dobram a cabeça dos povos sob a canga e lhes fazem perder a vontade e até a força de sacudi-la”.

Coloquei INFECTUM como título do livro, inspirado no Latim. Há duas subdivisões dos tempos verbais latinos: o infectum e o perfectum. No primeiro grupo se incluem os verbos cuja ação é vista como não-concluída. No segundo grupo se acham os tempos verbais de ação concluída ou perfeita.

Pois é.

Resgatei a memória por força de ter assistido ontem ao Roda Viva da TV Cultura cujos entrevistados foram o jurista Hélio Pereira Bicudo e a advogada e professora universitária Janaina  Conceição Paschoal.

Juntos ao jurista Miguel Reale Junior impetraram no último dia 01 – exatos 23 anos da data da saída de Collor - pedido de impeachment da Presidente Dilma. (PEDIDO)

Fiquei atento à Janaina, pela sua forma apaixonada de lidar com a questão sem perda de sua extraordinária competência em expor os fundamentos que sustentam o documento encaminhado ao Presidente da Câmara Federal.

Fiquei emocionado com Bicudo, que aos 93 anos de idade, ainda encontra reserva de energias para, mais do que se posicionar com seu brilhantismo intelectual e técnico-jurídico, agir deliberadamente em busca de seu sonho (que o levou ingressar no PT) acreditando estar ali a possibilidade da reconstrução do país.

Bicudo e Janaina, no mínimo merecem nosso respeito, nossa admiração, nossa atenção e nosso incondicional apoio em busca do esclarecimento dos fatos à luz da mais pura e cristalina legalidade e justiça.

Em sua argumentação Janaina esclareceu que o crime cometido pela Presidência da República foi de estelionato eleitoral, não porque tivesse proposto na campanha algo que não cumpriu em seu mandato. Mas por força de atos administrativos ilegais enquadrados na Lei de Responsabilidade Fiscal, as pedaladas. Janaina ainda fez considerações sobre a negligência da Presidenta então como responsável pela gestão da Petrobras.

Ocorre, porém, que em dado momento próximo ao encerramento do programa, parte dos entrevistadores aponta tanto a Bicudo quanto à Janaina a fragilidade de sua ação. Como o Presidente da Câmara, envolvido com a Operação Lava a Jato, poderia acatar o pedido de impeachment? O julgamento não deverá ser técnico, mas político.

Em outras palavras, tudo ocorrerá entre eles.

Janaina conclama para que tudo seja acompanhado pelo povo, mas sabe que somente se houver manifestação efetiva popular haverá chance de êxito para que o julgamento da improbidade administrativa da Presidente da República seja feito dentro do maior rigor técnico e jurídico e não a luz de um Acordão.

O desejo apaixonado de ambos, estes brasileiros invejáveis, de colocar um pano novo em um vestido rasgado pode levar mesmo a uma forte composição da elite governante deste país para impedir que se faça um rasgão na democracia de fachada.

Temo muito que nos reste colocar nossa cabeça sob a canga e continuarmos sem a vontade e até a força de sacudi-la.

Ou estamos em um tempo infectum? O de uma ação ainda não concluída.

Assista ao programa completo em: RODA VIVA



Até breve.

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