Falando de cunha e lama, apreciei
muito o final da coluna A cabeça dos oligarcas de Elio
Gaspari, publicada hoje na Folha.
“Afora os amigos que fazem advocacia auricular junto a magistrados, resta
a ideia da fabricação da crise institucional. Ela seria tão grande que a Lava
Jato passaria a um segundo plano. É velha e ruim. Veja-se por exemplo o que
aconteceu ao vigarista americano Bernard Maddoff: na manhã de 11 de setembro de
2001, ele sabia que seu esquema de investimentos fraudulentos estava podre.
(Era um negócio de US$ 65 bilhões.) Quando dois aviões explodiram nas torres
gêmeas de Nova York e elas desabaram, matando três mil pessoas, ele pensou: ‘Ali
poderia estar a saída. Eu queria que o mundo acabasse’.
Madoff contou isso na penitenciária onde, aos 77 anos, cumpre uma pena de
150 anos.”
Mais do que a recuperação aos
nossos cofres dos petrobrasdoláresbandalhados o que podemos tirar da grita é a
depuração da gentalha que ocupa as instituições políticas há décadas. Somente
eles próprios seriam capazes de se destruírem.
Se os magistrados tiverem mais do
que coragem, extremíssima competência contra as inúmeras
cascas-de-bananas-processuais que o intricado arcabouço jurídico os coloca, a
nossa chance de ver o circo pegar fogo, conosco – os palhaços – de fora da lona,
é imensa.
Fico aqui comigo mesmo vendo o que
sobraria. Provavelmente uma verdade que todos nós sabemos e de há muito, mas
Homo Otários historicamente fizemos de conta que não fomos nós próprios que
urdimos.
Não está na hora de se revelar não
somente a recusa de uma sociabilidade envenenada, porém fazer o chamamento para
um tipo de solidariedade nova, o apelo por uma comunidade por vir?
Mesmo que ao preço da familiaridade
com o mundo se desprender de estruturas da vida aprisionantes e fazê-las voar
pelos ares, mesmo que de maneira silenciosa? Com sua carga antissocial esse
ímpeto pode até ter um elo demoníaco ou terrorista aos olhos de todos nós, mas
o que está em jogo nisso de “pulsão anarquista” é uma resistência ao domínio
aglutinante da pústula que nos (des)governa.
Quando a vida é reduzida a uma tal
vida besta, nesse esgotado hipnótico mundo consumista dos homo otários, quando
a dissolução das formas institucionais ou identitárias que antes asseguravam
alguma consistência ao laço social, quando a dissolução dessas formas apenas
reitera a gregariedade atomizada cabe indagar o que poderia ainda nos sacudir
de tal estado de letargia.
Minha solidão me arrebata. Preciso
ser solidário ainda que solitário.
Vivemos em um capitalismo em rede
que enaltece ao máximo as conexões e esconjura a solidão, porém esse mesmo
capitalismo produz toneladas de uma nova e outra solidão e uma nova angústia, a
angústia do desligamento. O capitalismo contemporâneo produz não só essa nova
angústia de ser desconectado da rede digital, mas também de ser desconectado
das redes de vida cujo acesso é mediado crescentemente por pedágios comerciais
impagáveis pela grande maioria.
Estou ciente disso. A grande
maioria está excluída da consciência e dos fatos, portanto sem a menor condição
de se rebelar contra eles. O Povo não há. Mas o que fazer senão pregar aos
poucos que nos restam, privilegiados pela escuta e a visão verdadeira do que se
passa?
Nós somos muitos, os solitários.
Que modalidades de êxodo, de
escape, de exílio voluntário ou involuntário, que modalidades de curto-circuito
silencioso ou ruidoso podem vir a denunciar tal contexto de sobrevivencialismo
maciço, por mais místicos, psicóticos ou suicidas que pareçam essas formas de
êxodo?
Quais e quantos gestos solitários,
mas também experiências instituídas que lhes fazem eco podem reivindicar uma
distribuição outra entre o que está vivo e o que está morto, entre viver e
sobreviver, entre aquilo que é desejável e aquilo que é intolerável?
Quantos gestos solitários e também
experiências instituídas podem reinventar a relação entre solidão e vida
coletiva?
De modo tal que o desafio dos
solitários contrariamente a qualquer reclusão autista, ainda que eles se chamem
aliens e mesmo que termine em um hospício o desafio deles é sempre o de encontrar
ou reencontrar o máximo de conexões, estender o mais longe possível o fio de
suas simpatias vivas.
Puta drama, esse, daqueles que
serão condenados especialmente por si próprios, por terem visto tanto e
transformado tão pouco.
Filosofia demais apenas para dizer: Abaixo
a Vigarice! Que a lama seja movediça e drague os infames.
Até breve.
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