domingo, 19 de julho de 2015

NINJA



Anos atrás a grade de programação das TVs abertas contemplava a exibição semanal de filmes temáticos: segundas-feiras Segunda Sem Lei (filmes de faroeste); às quinta-feiras filmes de terror ou suspense (inclusive Hitchcock) e, às sextas-feiras – acho – era exibida a série Os Invasores, alienígenas que vinham azucrinar a vida dos terráqueos.

Sexta-feira, bem cedo, me deparo com a seguinte mensagem no WhatsApp do meu celular:

- Indo.

- G2.

Desci para a garagem (G2) do prédio onde moro e, quando o carro de Pretinha desceu a rampa tive a nítida sensação de ser um daqueles Óvnis baixando à Terra. Atrás, os raios solares iluminavam a cena.

Fui de um lado para o outro do carro para retirar das cadeirinhas os meus mais caros invasores: Liz e Tim para uma jornada de sexta inteira sem lei, repleta de horrores, algum suspense e delírios.

- Ei vovô!!! Ei vovô!!! Vamos passar o dia inteirinho com você!!! Yuuuppiii...

- Eu quero colo, vovô!!!

- Pai, ás dez Tim vai dormir, você sabe, né? Dez e meia vai ter um teatrinho no BB e acho que às quatro no Shopping Pátio.

- Quero colo, vovô!!! Colo!!!

- Espere, Liz... Você não quer ir andando?

- Colo!!! Colo!!! Colo, vovô!!!

- Se der eu vou pegar o ingresso, mamãe vai estar às dez horas e você leva a Liz no teatrinho do BB. Depois à tarde a Val desce e fica com o Tim para você ir no Pátio. Às duas horas você tem que entrar na fila para pegar o ingresso antecipado...

- Vovô... Vovô, eu quero colo!!!

- Não deixa de dar banho antes dele dormir, nela não precisa não, deixa para dar antes de levar à tarde no teatrinho. Vai ser da Bela e a Fera, Liz adora... Ih, pai, Tim tá todo cagado. Troque ele logo se não assa... Não esquece de pegar os ingressos antecipado às duas... Tá dando maior filão... Gente à beça... Férias, cê já viu né?

Subi com Liz e Tim no colo, além de carregar a bolsa com as roupas para a estadia dos invasores. Liz carregava, como um troféu, um CD contendo fotos e vídeos do 1º semestre na escolinha.

Quando entramos no apartamento, assumiram o lugar.

- Quero brincar de massinha... Desenhar... Quero ver o filme da escolinha... Vão vovô, põe o filminho no computador... Quero suco, vovô...

- Espere, Liz.

- Agora, vovô.

- Bó... Bó... Vovô, Bó...

- Já vou Tim... Já vou jogar bola contigo...

- Filminho, vovô...

- Bó... Bó...

- Suco, vovô... Suco...

- Vem Tim, vem aqui para nós tirarmos o cocô...

- Suco... Suco... Desenhar... Cadê os batons da vovó... Posso passar?

Eram dez e pouco e eu já tinha assistido algumas vezes com Liz e Tim no colo a todos os vídeos além de ver todas as fotos da escolinha.

Joguei várias partidas com prorrogação e disputas de pênaltis com Tim em todos os cômodos do apartamento.

Pausa para massinhas...

- Tim não meche, a massinha é minha!!! Faz uma cobra, vovô... Um monstro... Anda vovô...

- Bó, vovô... Bó...

De repente:

- Uai, pai??? Tim não foi dormir ainda? Você não deu banho nele? Ah, pai, não é possível!!! Cê acredita que eu não consegui os ingressos. Lotado...

Lavei as mãos do Tim, arrumei a caminha e deitei com meu netinho para fazê-lo dormir. Enquanto isto Pretinha toureava Liz.

Depois que Tim dormiu, eu saía do quarto e:

- Pai, se eu fosse você fazia as suas coisas enquanto eu estou aqui...

- Você vai almoçar conosco, Pretinha?

- Acho que não vai dar.

Liguei meu laptop, acessei e respondi alguns e-mails, li algumas notícias, fiz alguns pagamentos via internetbanking, quando:

- Bó, vovô... Bó...

- Não vovô vai brincar só comigo... Filminho, vovô... Massinha...

- Põe o sapato, Liz... O chão tá frio...

- Não, vovô... O sapato tá apertado.

- Põe o chinelo da vovó, então.

- Eu quero por o seu... Eu vou por o seu, então... Vou passar batom da vovó...

- Bó, vovô... Bó...

- Vovô, rápido, eu quero fazer xixi... Vem... Vem, vovô...

Eram onze e meia, Pretinha havia descido para almoçar junto com Liz em um restaurante que fica em frente ao prédio de nosso apartamento. Pouco depois, WhatsApp no meu celular:

- Desce, pai. Vem buscar a Liz. A mamãe não chegou aqui ainda e eu preciso ir para o trabalho.

- Desci com Tim no colo.

Pretinha tinha acabado de engolir a comida e tentava dar colheradas para a Liz e...

- Eu quero picolé, vovô... De chocolate.

Fiquei com os dois no restaurante tentando dar comida para a Liz quando, pouco depois, a vovó chegou:

- Mas você não deu comida para ele ainda, mozinho???!!! Que absurdo!!!

- Acho melhor dar lá no apartamento... Eu levo em uma marmitinha...

- Ah, que absurdo!!!

Voltamos para o apartamento e vovó foi fazer Liz dormir e eu dar comida para o Tim.

- Última... Última... Tinzão, última... Olha o bocão...

As treze e trinta saímos, eu com Tim no colo e a vovó levando Liz no carrinho, em disparada para pegar antecipado os ingressos no Shopping onde às dezesseis rolaria a peça.

Na fila já tinha umas cinquenta pessoas aguardando e o teatro é para 114 lugares assentados. Tranquilo, portanto. Só que, eu estava sozinho na fila com Tim que brincava com outras crianças. Não havia ainda iniciado a entrega dos ingressos. A vovó tinha ficado com Liz em uma das lojas.

Recebi um email urgente de um cliente e que eu deveria responde-lo incontinente. Escrevi a primeira frase e deparei com o sumiço do Tim. Putz, e agora? Pedi para guardarem o meu lugar na fila e desorientado fui à caça do meu pimpolho de um ano e quatro meses de idade. Segundos imensos depois o vi atrás de uma pilastra esbanjando um sorriso maroto.

A vovó voltou a tempo de junto comigo pegarmos quatro ingressos – Leandro e Mateo iriam comigo e Liz assistir à peça.

Voltamos para o apartamento e às quinze horas fiz a mamadeira deles: mamão, maça, banana e leite em pó. Troquei as fraldas de Tim e o coloquei novamente para dormir. Às quinze e trinta peguei Liz, que havia acabado de tomar banho junto com a vovó.

Fui, praticamente correndo, com Liz no colo para o teatro que fica a uns quinhentos metros do nosso apartamento. No caminho, toca o meu celular:

- Agulhô? Já estamos aqui...

- Tô chegando...

Era Leandro.

Afinal já dentro do teatro ocupando os lugares dos quatro ingressos colhidos antecipadamente, quando:

- Tá demorando, vovô...

- Já vai começar, Liz.

- Tá demorando, vovô...

Alguns minutos antes do início da peça, a produção informou que havia muitas pessoas fora do teatro e se todos os presentes à sala poderiam fazer a gentileza de colocarem as crianças no colo. Duzentas e poucas pessoas lotaram o teatro, assentando-se inclusive nas escadarias e ficando de pé em outros espaços.

Liz no meu colo.

- Vovô, tá escorregando... Me segura direito, vovô... Tá demorando...

Para distraí-la passei a brincar com outras crianças próximas a nós, até que:

- Fica quieto, vovô!!! Parece menino...

Ao longo da peça:

- Vovô, a fera é boazinha, não é?

- Foi feitiço, Liz.

- Mas ela vai ficar boazinha, num vai?

- No final...

- Eu quero agora.

- Espera, Liz. Assiste.

- Eu quero que ela fica boazinha agora.

- Ela já vai ficar.

- Porque ela ficou fera?

- Feitiço.

- Da bruxa?

- É, da bruxa.

- Mas ela vai ficar boazinha?

- Vai.

- Agora?

Eram já dezessete horas e poucos minutos e retornamos para o apartamento, Liz, eu, Leandro e Mateo. Val havia ficado com Tim porque a vovó tinha que voltar para o consultório.

Eu, Leandro, Liz, Mateo e Tim descemos para a área de lazer.

- Eu quero ver a piscina...

- Não pode, tá frio, Liz.

- Eu também quero.

- Não Teteo, agora não pode.

- Bó, vovô... Bó...

- Vamos todos jogar bola, Tim.

- Eu quero brincar é de corrida, vamo Teteo?

Seis e pouco da tarde Leandro disse que tinha que ir embora para casa dar jantar para o Mateo e eu subi para o apartamento com Liz e Tim.

- Vamo brincar de massinha, vovô? Eu quero ver o filminho. Faz pipoca, vovô... Eu quero suco.

- Bó, vovô... Bó...

Perto das sete horas preparei o jantar para os meninos. Felizmente comeram bem, inclusive sobremesa Danoninho e alguns morangos.

- Última, Tim. Come, Liz. Abre o bocão, Tim. Come tudo, Liz.

Passava das sete e meia quando Cláudio chegou para buscar os invasores. Pretinha ainda continuava trabalhando. Desci à garagem com Tim no colo e dividindo sacolas com Cláudio.

- Brigado, Agulhô.

- Ora, Claudinho, não foi nada.

Onze e meia da noite, já em nossa casa de Santa Luzia, estávamos eu e a vovó terminando nosso lanche:

- Acho que vou tomar um Dorflex. Tá me doendo todo, até do lado esquerdo da orelha direita.

Dormi e acho que sonhei. No sonho me penitenciava por não ter dado banho no Tim às dez horas da manhã em ponto, o que foi menos grave do que tê-lo perdido por alguns imensos segundos no shopping.

Semana que vem tem mais. Liz entrou de férias. Nas brechas de minha agenda, vai sobrar de novo prá mim.

- Bó, vovô... Bó, vovô...

- Não, vovô, vem brincar comigo... Massinha, vovô... Eu quero ver o filminho de novo.

- Liz vai por o sapato, vai. O chão tá frio... Olha que eu vou chamar o guarda , hein!!!



Até breve.

NOTA: Para quem ainda não sabe: Liz (Noninha, três anos em agosto) e Valentin (Tim, um ano e quatro meses) são meus netinhos, filhos de minha filha Valesca (Pretinha) e de Cláudio. Leandro é casado com Camila nossa sobrinha/afilhada e pais de Mateo (Teteo, dois anos e sete meses). Val é Valdirene a pessoa que ajuda Pretinha nas tarefas de casa e cuida também dos meninos.

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