terça-feira, 7 de julho de 2015

CODINOME



Estou só.

No silêncio da biblioteca, eu penso.

A vida barulha ali fora, a procura de destinos. Retorno da labuta, para descansos. Caminhos para o noturno, de aulas, ainda.

Penso no que nos tornamos a todos. Pela culpa, ou pela dívida, adoradores do vil metal que nos assola de manhã à noite, da primavera ao inverno, do nascimento ao túmulo, o tempo todo.

Culto sem trégua e sem piedade.

Fomos perdendo as fragrâncias, as cores, os ritmos, as dores, fomos idolatrando o oco do vazio, do avesso às relações duradouras, das conversas de fim de tarde nos portões das moradias.

Escodemo-nos.

Tudo gira em torno de operar a subvivência, como se nós transmutamo-nos todos em meios de produção. E só.

Bilhões, zilhões, quilhões, tulhões, percentos, porcentos, trocentos, taxas, índices, cifras, números, validades, temporalidades, escassez, retração, suspensão, pensão, exclusão, tarifários, medidas demoníacas.

E toda a culpa naquele, agora naquela, que nos governa.

Fosse possível, o diagnóstico mais provável seria de aguda esquizofrenia social coletiva. Delirium tremens.

Não há sequer manicômios, hospitais psiquiátricos para nos diferenciar de outros que, no passado cinzento, nomeávamos como dementes, débeis mentais. O hospício abriu suas portas para as ruas e entramos todos por todas elas.

Vias insanas. Urbes neurotizantes, corredores aos berros. Drama.

Nem Deus apocalipsa.

Nem Sua Ausência ou seu opositor.

O Homem já não é capaz de um Iluminismo que rompa o cinza, medievalidades transmodernas. Nenhuma arte é capaz de humanizar, tudo sólido se desmancha telúricamente em um ar poluído.

Fosse possível, quem sabe um Cazuza, morto há exato um quarto de século. Mesmo que em fragmentos.

“Canibais de nós mesmos
Antes que a terra nos coma
Cem gramas, sem dramas
Por que que a gente é assim?”

“Ninguém vai nos perdoar
Nosso crime não compensa.”

“Nas noites de frio é melhor nem nascer
Nas de calor, se escolhe: é matar ou morrer.”

“E ser artista no nosso convivio
Pelo inferno e céu de todo dia
Pra poesia que a gente nem vive
Transformar o tédio em melodia.”

“Você logo acha que a vida voltou ao normal
Aquela vida sem sentido, volta sem perigo
É a mesma vida sempre igual.”

“De repente, a gente vê que perdeu
Ou está perdendo alguma coisa
Morna e ingênua que vai ficando no caminho
Que é escuro e frio, mas também bonito porque é iluminado
Pela beleza do que aconteceu há minutos atrás.”

“Eu vou pagar a conta do analista
Pra nunca mais ter que saber quem eu sou.”



Até breve.

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