Anos atrás a grade de programação
das TVs abertas contemplava a exibição semanal de filmes temáticos:
segundas-feiras Segunda Sem Lei (filmes de faroeste); às quinta-feiras filmes
de terror ou suspense (inclusive Hitchcock) e, às sextas-feiras – acho – era
exibida a série Os Invasores, alienígenas que vinham azucrinar a vida dos
terráqueos.
Sexta-feira, bem cedo, me deparo
com a seguinte mensagem no WhatsApp do meu celular:
- Indo.
- G2.
Desci para a garagem (G2) do prédio
onde moro e, quando o carro de Pretinha desceu a rampa tive a nítida sensação
de ser um daqueles Óvnis baixando à Terra. Atrás, os raios solares iluminavam a
cena.
Fui de um lado para o outro do
carro para retirar das cadeirinhas os meus mais caros invasores: Liz e Tim para uma jornada de sexta inteira sem lei,
repleta de horrores, algum suspense e delírios.
- Ei vovô!!! Ei vovô!!! Vamos
passar o dia inteirinho com você!!! Yuuuppiii...
- Eu quero colo, vovô!!!
- Pai, ás dez Tim vai dormir, você
sabe, né? Dez e meia vai ter um teatrinho no BB e acho que às quatro no
Shopping Pátio.
- Quero colo, vovô!!! Colo!!!
- Espere, Liz... Você não quer ir
andando?
- Colo!!! Colo!!! Colo, vovô!!!
- Se der eu vou pegar o ingresso,
mamãe vai estar às dez horas e você leva a Liz no teatrinho do BB. Depois à
tarde a Val desce e fica com o Tim para você ir no Pátio. Às duas horas você
tem que entrar na fila para pegar o ingresso antecipado...
- Vovô... Vovô, eu quero colo!!!
- Não deixa de dar banho antes dele
dormir, nela não precisa não, deixa para dar antes de levar à tarde no
teatrinho. Vai ser da Bela e a Fera, Liz adora... Ih, pai, Tim tá todo cagado.
Troque ele logo se não assa... Não esquece de pegar os ingressos antecipado às
duas... Tá dando maior filão... Gente à beça... Férias, cê já viu né?
Subi com Liz e Tim no colo, além de
carregar a bolsa com as roupas para a estadia dos invasores. Liz carregava,
como um troféu, um CD contendo fotos e vídeos do 1º semestre na escolinha.
Quando entramos no apartamento,
assumiram o lugar.
- Quero brincar de massinha...
Desenhar... Quero ver o filme da escolinha... Vão vovô, põe o filminho no
computador... Quero suco, vovô...
- Espere, Liz.
- Agora, vovô.
- Bó... Bó... Vovô, Bó...
- Já vou Tim... Já vou jogar bola
contigo...
- Filminho, vovô...
- Bó... Bó...
- Suco, vovô... Suco...
- Vem Tim, vem aqui para nós
tirarmos o cocô...
- Suco... Suco... Desenhar... Cadê
os batons da vovó... Posso passar?
Eram dez e pouco e eu já tinha assistido
algumas vezes com Liz e Tim no colo a todos os vídeos além de ver todas as
fotos da escolinha.
Joguei várias partidas com prorrogação
e disputas de pênaltis com Tim em todos os cômodos do apartamento.
Pausa para massinhas...
- Tim não meche, a massinha é
minha!!! Faz uma cobra, vovô... Um monstro... Anda vovô...
- Bó, vovô... Bó...
De repente:
- Uai, pai??? Tim não foi dormir
ainda? Você não deu banho nele? Ah, pai, não é possível!!! Cê acredita que eu
não consegui os ingressos. Lotado...
Lavei as mãos do Tim, arrumei a
caminha e deitei com meu netinho para fazê-lo dormir. Enquanto isto Pretinha toureava
Liz.
Depois que Tim dormiu, eu saía do
quarto e:
- Pai, se eu fosse você fazia as
suas coisas enquanto eu estou aqui...
- Você vai almoçar conosco,
Pretinha?
- Acho que não vai dar.
Liguei meu laptop, acessei e
respondi alguns e-mails, li algumas notícias, fiz alguns pagamentos via
internetbanking, quando:
- Bó, vovô... Bó...
- Não vovô vai brincar só comigo...
Filminho, vovô... Massinha...
- Põe o sapato, Liz... O chão tá
frio...
- Não, vovô... O sapato tá
apertado.
- Põe o chinelo da vovó, então.
- Eu quero por o seu... Eu vou por
o seu, então... Vou passar batom da vovó...
- Bó, vovô... Bó...
- Vovô, rápido, eu quero fazer
xixi... Vem... Vem, vovô...
Eram onze e meia, Pretinha havia
descido para almoçar junto com Liz em um restaurante que fica em frente ao
prédio de nosso apartamento. Pouco depois, WhatsApp no meu celular:
- Desce, pai. Vem buscar a Liz. A
mamãe não chegou aqui ainda e eu preciso ir para o trabalho.
- Desci com Tim no colo.
Pretinha tinha acabado de engolir a
comida e tentava dar colheradas para a Liz e...
- Eu quero picolé, vovô... De
chocolate.
Fiquei com os dois no restaurante
tentando dar comida para a Liz quando, pouco depois, a vovó chegou:
- Mas você não deu comida para ele
ainda, mozinho???!!! Que absurdo!!!
- Acho melhor dar lá no
apartamento... Eu levo em uma marmitinha...
- Ah, que absurdo!!!
Voltamos para o apartamento e vovó
foi fazer Liz dormir e eu dar comida para o Tim.
- Última... Última... Tinzão,
última... Olha o bocão...
As treze e trinta saímos, eu com
Tim no colo e a vovó levando Liz no carrinho, em disparada para pegar
antecipado os ingressos no Shopping onde às dezesseis rolaria a peça.
Na fila já tinha umas cinquenta
pessoas aguardando e o teatro é para 114 lugares assentados. Tranquilo,
portanto. Só que, eu estava sozinho na fila com Tim que brincava com outras
crianças. Não havia ainda iniciado a entrega dos ingressos. A vovó tinha ficado
com Liz em uma das lojas.
Recebi um email urgente de um
cliente e que eu deveria responde-lo incontinente. Escrevi a primeira frase e
deparei com o sumiço do Tim. Putz, e agora? Pedi para guardarem o meu lugar na
fila e desorientado fui à caça do meu pimpolho de um ano e quatro meses de
idade. Segundos imensos depois o vi atrás de uma pilastra esbanjando um sorriso
maroto.
A vovó voltou a tempo de junto
comigo pegarmos quatro ingressos – Leandro e Mateo iriam comigo e Liz assistir à
peça.
Voltamos para o apartamento e às
quinze horas fiz a mamadeira deles: mamão, maça, banana e leite em pó. Troquei
as fraldas de Tim e o coloquei novamente para dormir. Às quinze e trinta peguei
Liz, que havia acabado de tomar banho junto com a vovó.
Fui, praticamente correndo, com Liz
no colo para o teatro que fica a uns quinhentos metros do nosso apartamento. No
caminho, toca o meu celular:
- Agulhô? Já estamos aqui...
- Tô chegando...
Era Leandro.
Afinal já dentro do teatro ocupando
os lugares dos quatro ingressos colhidos antecipadamente, quando:
- Tá demorando, vovô...
- Já vai começar, Liz.
- Tá demorando, vovô...
Alguns minutos antes do início da
peça, a produção informou que havia muitas pessoas fora do teatro e se todos os
presentes à sala poderiam fazer a gentileza de colocarem as crianças no colo.
Duzentas e poucas pessoas lotaram o teatro, assentando-se inclusive nas
escadarias e ficando de pé em outros espaços.
Liz no meu colo.
- Vovô, tá escorregando... Me
segura direito, vovô... Tá demorando...
Para distraí-la passei a brincar
com outras crianças próximas a nós, até que:
- Fica quieto, vovô!!! Parece
menino...
Ao longo da peça:
- Vovô, a fera é boazinha, não é?
- Foi feitiço, Liz.
- Mas ela vai ficar boazinha, num
vai?
- No final...
- Eu quero agora.
- Espera, Liz. Assiste.
- Eu quero que ela fica boazinha
agora.
- Ela já vai ficar.
- Porque ela ficou fera?
- Feitiço.
- Da bruxa?
- É, da bruxa.
- Mas ela vai ficar boazinha?
- Vai.
- Agora?
Eram já dezessete horas e poucos
minutos e retornamos para o apartamento, Liz, eu, Leandro e Mateo. Val havia
ficado com Tim porque a vovó tinha que voltar para o consultório.
Eu, Leandro, Liz, Mateo e Tim
descemos para a área de lazer.
- Eu quero ver a piscina...
- Não pode, tá frio, Liz.
- Eu também quero.
- Não Teteo, agora não pode.
- Bó, vovô... Bó...
- Vamos todos jogar bola, Tim.
- Eu quero brincar é de corrida,
vamo Teteo?
Seis e pouco da tarde Leandro disse
que tinha que ir embora para casa dar jantar para o Mateo e eu subi para o
apartamento com Liz e Tim.
- Vamo brincar de massinha, vovô?
Eu quero ver o filminho. Faz pipoca, vovô... Eu quero suco.
- Bó, vovô... Bó...
Perto das sete horas preparei o
jantar para os meninos. Felizmente comeram bem, inclusive sobremesa Danoninho e alguns morangos.
- Última, Tim. Come, Liz. Abre o
bocão, Tim. Come tudo, Liz.
Passava das sete e meia quando
Cláudio chegou para buscar os invasores. Pretinha ainda continuava trabalhando.
Desci à garagem com Tim no colo e dividindo sacolas com Cláudio.
- Brigado, Agulhô.
- Ora, Claudinho, não foi nada.
Onze e meia da noite, já em nossa
casa de Santa Luzia, estávamos eu e a vovó terminando nosso lanche:
- Acho que vou tomar um Dorflex. Tá
me doendo todo, até do lado esquerdo da orelha direita.
Dormi e acho que sonhei. No sonho
me penitenciava por não ter dado banho no Tim às dez horas da manhã em ponto, o
que foi menos grave do que tê-lo perdido por alguns imensos segundos no
shopping.
Semana que vem tem mais. Liz entrou
de férias. Nas brechas de minha agenda, vai sobrar de novo prá mim.
- Bó, vovô... Bó, vovô...
- Não, vovô, vem brincar comigo...
Massinha, vovô... Eu quero ver o filminho de novo.
- Liz vai por o sapato, vai. O chão
tá frio... Olha que eu vou chamar o guarda , hein!!!
Até breve.
NOTA: Para quem ainda não sabe: Liz (Noninha, três anos em agosto)
e Valentin (Tim, um ano e quatro meses) são meus netinhos, filhos de minha
filha Valesca (Pretinha) e de Cláudio. Leandro é casado com Camila nossa
sobrinha/afilhada e pais de Mateo (Teteo, dois anos e sete meses). Val é Valdirene a pessoa
que ajuda Pretinha nas tarefas de casa e cuida também dos meninos.