Misturei sentimentos tolos com
bugalhos e deixei fritas minhas paixões mais doces.
Foi um assim sem tamanho.
Agora, que tudo passou, volto com
mais aguerrida.
À noite, principalmente, eu me
calo. Já não falo dormindo como antigamente, quando sofria daquelas saudades
aflitivas, por um tanto.
Quando ela foi embora levando um
outro mais menos do que eu, cheguei a pensar em dar dois tiros um em cada lado
da cabeça. Depois desisti, a vida deve seguir seu curso até a hora do chega.
Uns trinta e poucos minutos depois
que ela fechou a porta atrás de si, levantei a cabeça, enxuguei duas correntes
finas de lágrimas e escarrei um muco asqueroso fungado das ventas. E com isso
foi junta minha desilusão.
Tolice pura e absolutamente fora
dos tempos correntes.
Outro dia assistia na TV um show de
três atrizes cantoras interpretando Chico. No início pensei em chorar, mas
desisti, bruto saudosismo sem nexo. Ninguém tem sofrimento de afetos.
A fila anda.
De outra feita aproveitei e troquei
o sofá da sala, era o lugar que mais me fazia lembrar daquele corpo. Troquei
nestes sites de oportunidades por um bebedouro. Como não teria utilidade achei
melhor doar para o asilo que fica aqui perto de casa.
Duas velhinhas adoraram e passam o
dia apertando o botão de acionamento da água. Os donos do estabelecimento
vieram reclamar comigo, temerosos que a conta de água poderá subir e muito.
Eu dei de ombros e disse que o
sofá, ou melhor, o bebedouro, valia muito mais do que eles poderiam gastar com
água para as velhinhas. Ademais um dia elas vão enjoar de tanta água como ela,
que foi com o outro muito menos do que eu, dizia estar enjoada de mim.
Com razão, eu suponho.
Tem horas que eu, confesso, gostaria
tirar férias. Deixar eu em casa e ir para outro canto sem mim. Bem que tentei,
mas passado o efeito da vodca, eu me descobri no mesmo lugar. Foi feio.
Também não é assim, a anterior não
me deixou reclamando que estava enjoada de mim. Não absolutamente, o motivo foi
bem outro, ela dizia que ninguém merece levar a vida junto de um fardo tão
pesado.
Nunca variei de setenta, setenta e
dois quilos. E quando trepo, subo com o maior carinho, às vezes. Quando falei
isto para ela, me mandou para aquele lugar e disse que eu sou uma anta.
A antepenúltima não foi embora. O
ex-marido que veio buscar num dia em que ela estava cozinhando para mim. Perdi
toda a comida. Não consegui dar cabo ao que ela estava preparando.
O ex-marido saiu falando que se ela
voltasse mataria ela. Poderia arrumar qualquer outro, menos voltar lá prá casa.
A maioria me deixou, é verdade. Eu
nunca tive de mim coragem de ficar sem ninguém.
E também nunca fisguei nenhuma.
Todas é que se chegaram e foram ficando até me deixarem.
Eu geralmente sento em mesas de
bares do centro, sozinho. Peço uma cerveja e dois copos. Encho um dos copos
para mim e deixo o outro vazio. É batata: daqui a pouquinho uma senta.
A maioria foi assim, é verdade.
Só teve uma, essa última que me
deixou por um outro muito mais menos do que eu, que foi diferente. Eu estava
saindo do cinema, chovia. Eu estava de guarda-chuva e ela sem. Quando eu passei
pela portaria ela me perguntou para onde eu estava indo.
- "Para onde você quiser, eu te levo..." Cantei.
Por isto, quando ela me deixou,
verti duas correntes de lágrimas e quase meti duas balas, uma de cada lado da
cabeça.
Foi a única que eu acobertei.
Final de semana se não chover vou
para um bar no centro.
Senão desanda.
NOTA DO AUTOR: Eu já havia escrito
este conto hora antes de ir ao cinema para assistir ao filme PERMANÊNCIA. Acaso
ou não somente eu e Ela estivemos na sessão de ontem das 20:50. A solidão é
viral.
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