quarta-feira, 3 de junho de 2015

INSOLITUDE





Fomos assistir segunda-feira à noite, no cinema, ao filme PERMANÊNCIA do diretor Leonardo Lacca, vencedor do prêmio de melhor filme no festival de Recife CINE PE. A sessão contou apenas com dois expectadores: eu e Ela.

Cinzento drama que tem como co-personagem a cidade de São Paulo. A sonoplastia mantém permanente o som da megalópole.

O roteiro nos deixa livres para preencher o vazio que a obra nos aponta. Os diálogos são pueris, coloquiais, de um cotidiano sem brilho e nem graça. No entanto, os corpos dos protagonistas são extraordinariamente tomados por uma angústia de uma procura comovente.

A cena do casal no cinema, dando-se as mãos, é sofreguidão pura.

A fluidez e a impermanência também nas relações humanas é retratada por uma fotografia e enquadramentos dos atores que testam a competência extrema da interpretação dos mesmos.

Irandhir Santos é hoje um dos nossos melhores intérpretes. Rita Carelli e Laila Pas se não são, são no filme a citação de Caetano na canção SAMPA: “da deselegância discreta de tuas meninas”.

Lailas Pas faz nu frontal, em uma cena deslumbrante. O filme não seria o mesmo faltasse esta cena. O corpo como império do desejo do outro, como se ali residisse a insolitude. Santa procura. Nada mais divino do que Eros.

O fato de estarmos somente eu e Ela assistindo a sessão contribuiu para ampliar meu incômodo produtivo. Durante o filme fiquei pensando: tempos danados os nossos, em que os cadeados que selaram sonhos de permanência foram retirados da Pont des Arts em Paris.

Tudo é breve, instantâneo, fugaz, acinzentado, superficial, menos a fina flor do desejo. Ele mora ali muito perto de duas solidões que se aguardam: intenso, descomunal, inexplicável, aquímico. 

Não estou mais capaz de compreender o novo que rola nos corações dos de trinta ou mesmo nos de quarenta. Penso com minha alma do milênio passado. Portanto, torto, enviesado, restrito e piegas.

Meu sangue é da cor de um tango, até nas vísceras. Meu canto é um arrastado flamenco. Buenos Aires e, antes, Catalunha, deformaram ad eternum meu sentir.

Quando vejo um filme desses fico ainda com a esperança de que nem tudo está perdido.


Até breve.

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