Foi como assim.
Eu estava arrumando uns cadeados em
casa. Eles foram, ao longo de um bom tempo, além de diversas chaves, depositados aleatoriamente em uma caixa até que um dia resolvi dizer quem era de quem.
Havia na caixa uns mais de doze,
dez, para não exagerar. Trinta chaves, talvez, o que me fez constatar que
cadeados se extraviaram ou foram perdidos em tantas mudanças de endereços.
O fato relevante aqui é que eu
procurava as chaves compatíveis com cada cadeado e as amarrava em um cordão,
fechando o cadeado de tal sorte que, pela extensão do cordão, eu pudesse abri-lo
quando necessitasse usá-lo.
Ocorre que para dado cadeado achei
uma única chave e, inadvertidamente (como se se pudesse ser) coloquei a chave
pelo orifício na garra da tranca e fechei o cadeado.
E já se passaram inexoráveis e
exatos quarenta e seis anos e dois meses, ou 16.850 dias, que eu e Ela nos
condenamos a construir a ponte da arte da vida a dois.
Não creiam que fomos todo esse
tempo apenas um do outro, mesmo que, juro (de minha parte), sempre pertenci
somente a Ela. E me recuso a imaginar que, para ela, eu também não tenha sido o
único ao longo de todos estes dias.
Cruel mentira, estivemos
apaixonados infindáveis vezes por inúmeros outros com os quais
sonhávamos um dia, uma hora, um motel, uma viagem, uma escapada para que, talvez,
pudéssemos experimentar a aventura da liberdade.
Quantas vezes transamos pensando
neles e tiramos de nós mesmos o gozo da ilusão, da fantasia, diferenciadamente.
Quantas vezes fomos vários sendo só
nós mesmos.
Até hoje Ela diz, sem rodeios, que
adora que eu olhe para “menininhas” porque na hora do vamovê quem ganha é ela.
Juro, tem muita menininha que,
comparada, perde e feio.
Nas tramas do prosaico do
cotidiano, inclusive agora que o consultório dela tem intensa demanda, a grana
auferida ajuda a amarrar ainda mais os fios dessa teia.
Sem número de distúrbios pelas mais
tolas e graves questões, deixaram-nos marcas indeléveis nos corações e mentes.
Fizemos com que eles nos servissem para aprofundar nossa compreensão, humildade
e respeito recíprocos.
Ninguém se amarra impunemente.
Adoraria ver interditarem a Pont des
Arts por anos que se fizessem necessários, mantendo assim as paixões encadeadas
em suas grades até que, um dia, um último casal depois de colocar seu cadeado
corresse freneticamente para se livrar da queda de toneladas de sonhos.
O Sena receberia e as mergulharia
em berço profundo.
Passaríamos pelo rio, visitaríamos
a região e fitaríamos placas afixadas, cada uma em uma margem do rio:
AQUI ESTÃO DEPOSITADOS OS SONHOS
DAQUELES QUE SE PROPUSERAM A IR FUNDO.
Paris é mesmo a cidade para tanto.
Até breve.
NOTA: Este post fica para lembrar a
semana em que foram retiradas 50 toneladas de cadeados que vinham sendo fixados
por casais desde 2008 na Pont des Arts, uma ponte que liga o centro da cidade
de Paris à ilha onde se encontra a Cadetral de Notre Dame.
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