segunda-feira, 29 de junho de 2015

SALVAÇÃO



Passei o final de semana em hotel no Guarujá-SP (de sexta-feira a domingo) em encontro no qual tive o privilégio de conviver com mais de trezentos executivos de empresas que operam dentro e fora do Brasil.

O tema recorrente em todos os painéis foi a Crise.

Em todas as oportunidades que tive seja como orador, mediador ou mesmo nos intervalos dos painéis nas inúmeras conversas, procurei relativizar a nossa crise em relação a tantas outras presentes.

Claro que a nossa é sempre mais crítica, já que nos afeta diretamente. Outras, mesmo que mais agudas e graves, não nos afetando – pelo menos no imediato – são sequer ventiladas e, provavelmente, nem conhecidas.

Ouvi da plateia, por diversas vezes, sinais de espanto e surpresa na medida em que eu ia desfilando contornos e números de outras “crises” que assolam o planeta. Mas, ainda assim, ao longo de todo o tempo do evento, a grande maioria dos presentes voltava às nossas mazelas, especialmente no sábado após a notícia da delação premiada do presidente da UTC.

Já no encerramento, com o exclusivo interesse em contribuir, acho que apelei.

Quando fui fazer a síntese extraída a partir dos debates havidos em todos os painéis, somada às considerações dos brilhantes e notórios saberes que contextualizaram o momento econômico e político do país, tomei do microfone e cantei, para surpresa dos presentes:

“Encosta a tua cabecinha no meu ombro e pensa
No futuro de teus filhos e de teus irmãos.
Quem vota em Jânio Quadros é porque tem consciência
Em um governo honrado e de realizações.

Jânio Quadros, governo direitinho,
Cinco anos de realizações,
Jânio Quadros para presidente,
Primeiro inquilino do Palácio Alvorada.”

Depois, cantei:

“Ele vem aí, não demora não,
Ele vem aí com a vassoura na mão.”

E arremetei:

“Varre, varre vassourinha...
Varre toda a bandalheira,
Que o povo está cansado de sofrer dessa maneira,
Jânio Quadros a esperança de um país abandonado.”

Há cinquenta e cinco anos atrás, eu tinha oito anos de idade, eu andei pelas ruas durante dias e dias, a bordo de uma Kombi com um alto-falante às alturas, e eu ia repetindo aos gritos através das janelas estreitas do veículo, estes e outros jingles de campanha por determinação de minha mãe, crédula de que estava naquele homem, candidato ao maior posto do país, a esperança de novos tempos que melhorariam as condições de vida do pobre povo brasileiro.

Hoje, estes jingles, pela sua atualidade, fariam o maior sucesso.

Mas ninguém virá.

Resumo do encontro: “Se não formos nós, quem será? Se não for agora, quando será?”.




Até breve.

quinta-feira, 25 de junho de 2015

TRASTES



Recado aos meus netinhos: não envelheçam!

Se for olhar na perspectiva em que o Estado Brasileiro nos olha. Velho é velho. Deve ir para os “aposentos”, lugar alojado atrás das moradias. Mulheres valem oitenta e cinco pontos, homens noventa e cinco pontos.

Como?

Noninha, querida, você deverá, em começando a contribuir com o Instituto Nacional de Previdência Social aos vinte e cinco anos de idade (que é tarde), aposentar-se aos cinquenta e cinco anos de idade tendo recolhido, portanto, mensalmente aos cofres do Instituto durante trinta anos.  

Supondo, como seu avô, que contribuiu durante trinta e cinco anos (noventa por cento do tempo no limite máximo de contribuição, 20 salários-mínimos), você fará jus, em valores de hoje, ao benefício de algo perto de 6 (SEIS) salários-mínimos.

Ontem, a Câmara dos Deputados, aprovou projeto de lei que estabelece a atualização monetária de todos os valores pagos aos aposentados pelo índice medido da inflação do ano imediatamente anterior ao reajuste mais a variação do PIB dos últimos dois anos.

Os burocratas de plantão vieram questionar os “irresponsáveis” alegando que os mesmos não consideraram que tal medida implicará em R$9,0 bi a mais de gastos para o “governo”.

Somando a eles uma comentarista da TV Globo veio “esclarecer” aos telespectadores defendendo a tese de que tal medida é um absurdo e que atenta contra o esforço do ajuste fiscal.

Triste país o nosso, minha netinha.

Quando foi instituída a Previdência Social a lei contemplava a participação do empregado com 8% de seu salário, 8% do empregador e 8% dos cofres da União. Ocorre que a União contribuiu um único mês sob a alegação que não havia recursos para fazê-lo. Desde lá o buraco se imensa.

Incompetência, gestão fraudulenta, saques de pedaladas, desvios criminosos e truculência governamental configuraram nesse campo combustão explosiva. Nós os contribuintes, especialmente os mais favorecidos, validando a lógica Robin Hood (já que contribuímos sobre a base de 20 salários-mínimos e recebemos o teto de 6 salários-mínimos) nós é que nos danemos.

No meu caso particular é ainda pior, sou vítima do fator previdenciário.

Além de ser lamacenta e cruel, a crítica que se faz à medida aprovada ontem, é burra. Velho é consumidor e, portanto, motor ativo da economia. Velho compra lápis, borracha, panelinha, boneca, carrinho, bola para seus netinhos. Compra roupa, remédios, vai ao cinema, academias de ginástica, campos de futebol. Velho viaja, compra carro, geladeira, TV, livros e até comida. Alguns velhos, ainda, continuam trabalhando, pagando impostos, dando sua contribuição ao enriquecimento da sociedade.

A renda distribuída faz girar os mecanismos econômicos, garantido justiça e bem-estar social.

Nós estamos cansados de saber o que arrebenta com qualquer ajuste. Deve ser lavado a jato.

Nem me referi a vocês, Valentin e Antônio, vocês valerão 95 pontos.




Até breve.

terça-feira, 23 de junho de 2015

LEITURAS



Ocorreu-me de editar aqui no dasletra algo como “Fragmentos da Realidade”, tentando com isto um apanhado de observações sobre o que se passa. Como se eu já não estivesse fazendo isto desde o primeiro post.

Só que a partir de outros.

Do tipo, Vladimir Safatle em sua crônica de hoje na Folha de São Paulo escreveu:

“Em algumas horas, a Europa irá morrer. Infelizmente, não morrerá o corpo de tecnocratas da Comunidade Europeia com sua ortodoxia econômica feita sob medida para salvar bancos falidos à procura de dinheiro estatal para sobreviver. Não morrerá o corpo político que só consegue estar de acordo para colocar em marcha políticas cada vez mais vergonhosas contra imigrantes. Não morrerá a Europa dos medos seculares. Morrerá a Europa que um dia quis encarnar uma ideia nova de felicidade.

Se o governo grego do Syriza fez algum erro foi o de acreditar na racionalidade dos gestores do capitalismo atual. Mais sensato do que ver seu povo destroçado por uma política econômica suicida é pedir moratória e sair de uma vez da zona do euro. De toda forma, a Europa morreu, pois nada vive sem ideia.”

Noutra crônica, publicada hoje também na Folha, Luli Radfaher escreveu:

“O mundo híbrido de sentimentos e tecnologias é capaz de promover algumas crueldades jamais imaginadas. Um exemplo recente está na Sony, que ao descontinuar o suporte e manutenção de sua linha de robôs caninos AIBO, condena à morte certa os cerca de 150 000 beagles que vendeu entre 1999 e 2005. Diferente dos animaizinhos que supostamente teriam sofrido maus tratos no Instituto Royal de São Roque, o fim da vida desses cãezinhos digitais será tão indolor quanto a "morte" de qualquer outro dispositivo eletrônico.

Na virada do século, quando a gigante japonesa entrou em crise, o projeto foi encerrado. A assistência técnica durou mais uma década. Mas o aparelho é muito mais complicado do que um jipe ou fusca, por isso as peças começaram a rarear e as oficinas fecharam. Sobrou para mecânicos informais que canibalizam partes funcionais de alguns para consertar outros.

Tem coisas do Japão que parecem Ficção Científica. Para a religião Xintoísta, muito popular no país, tudo está interligado. Suas divindades, os "Kami", podem ser definidos como espíritos ou essências presentes em cada objeto. Partes de um todo indivisível, eles estão integrados à essência humana em uma grande rede complexa. É misticismo, mas está cada vez mais próximo do futuro.

Mesmo que seja uma versão de futuro em que não se imagine viver.”

Em outro veículo, o Estado de São Paulo, em matéria assinada pela jornalista Fernanda Simas, entrevista ao filho do narcotraficante colombiano que recentemente publicou um livro em que relata a vida com seu pai.

“Pablo Escobar, um dos maiores traficantes de drogas do mundo, é descrito pelo filho como o homem que não tinha medo de dizer que havia escolhido ser bandido e deu a vida pela família. Mais de 20 anos depois da morte do chefe do Cartel de Medelín, Juan Pablo Escobar, ou Juan Sebastián Marroquín Santos, nome que adotou após fugir da Colômbia em 1994, lança no Brasil o livro Pablo Escobar, Meu Pai; As Histórias Que Não Deveríamos Saber. Em entrevista ao Estado, afirma que precisava contar a “verdadeira história” de seu pai. 

Herói ou vilão? Como seu pai é visto em Medelín hoje?

Depende para quem se pergunta. Se perguntar para as cinco mil famílias que se beneficiaram com seus programas de habitação, às crianças que tinham problemas e foram tratados gratuitamente ou às comunidades abandonadas completamente pelo Estado que meu pai ajudou, com certeza têm uma opinião solidária com ele. Se perguntar para um pedestre que cruzava uma rua de Bogotá e foi vítima da explosão de um carro-bomba ordenada por meu pai, ela tem o direito legítimo de ter uma opinião negativa. Pela opinião publicada, que é diferente da pública, parece que há mais identificação com a visão negativa, mas a opinião foi publicada por meios que meu pai enfrentou no passado e bombardeou com seu narcoterrorismo, então são opiniões publicadas a partir do ódio e não da ética e da verdade.”


Toda hora eu encontro razões para ir me esconder na cidade que recebeu o nome da padroeira dos olhos, Santa Luzia.


Até porque o horóscopo contempla para hoje: Ainda que você se movimente meio a cegas, com a alma orientada apenas por pressentimentos e visões, mesmo assim continue em frente. Nascer no signo de Peixes tem dessas coisas, nada segue a lógica do mundo”.




Até breve.

domingo, 21 de junho de 2015

CANHOTO



No momento contamos com sessenta milhões de refugiados por força de conflitos armados, fome e miséria. Esta semana foi noticiada a compra pela Rússia de quarenta potentes mísseis nucleares. Recessão com inflação aqui e dois ou três probleminhas domésticos.

Azedume.

Para o filósofo francês Gilles Deleuze (1925-1995) um homem é de esquerda quando se ocupa de questões do geral para o particular.

Importa-se com o que se passa no planeta, no mundo, depois em seu país, em sua cidade e, somente depois, e ainda, com aquilo que lhe afeta “mais diretamente”.

Estar à esquerda é, essencialmente, ter um olhar sobre o Humano, como espécie.

Fosse eu olhar para a minha vida mais comezinha não teria motivo algum para me azedar, antes pelo contrário. No porvir meus netos são mais do que lenitivos puros na veia.

O que vale, pois, a intelectualidade, manifesta por um discurso com reduzido alcance, projeção e ressonância veiculado na web? Eu deveria mesmo era estar fazendo uma ação de boa vontade.  Demandas por isto não me faltam, inclusive muito perto de mim.

Posso alinhavar um sem número de razões para prosseguir na tarefa de olhar e opinar e não mover um centavo de meus ganhos no atendimento das demandas mais alarmantes e concretas.

Serei julgado por mim por isto. Estou certo que é uma questão de tempo. Estive mais ocupado com a Humanidade do que com os homens, alguns irmãos e irmãs, por exemplo.

A objetividade do contemporâneo me assusta aos gritos, às vezes. A ausência da subjetividade, a distância da reflexão, a superficialidade do debate, a patrulha sobre a não concordância, o massacrante aculturamento do imediatismo, do aqui e agora, sem perspectiva e futuro.

Às vezes me dá um ímpeto de recolher-me à minha insignificância e ir morar em Santa Luzia. Não ler nada, nem assistir a filmes-cabeça, nem me dedicar a pesquisas na web, nem assistir a jornais televisivos, não conversar com ninguém senão sobre frugalidades.

Brincar com meus netos de massinha, guaches, bolas de futebol, carrinhos de rolimãs, pula-pula.

Curar-me da realidade objetiva e dar de costas absolutamente a tudo, reservando-me o direito de lobotomizar-me.

De sexta a domingo, contudo, estarei como curador de um evento que reunirá trezentos dos mais influentes executivos do país. Tema do encontro: Governança Sustentável.

Quem sabe?



Até breve.

terça-feira, 16 de junho de 2015

MALESDITOS



Pego da última palavra escrita no post anterior: obscurantismo.

ORIGEM: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Obscurantismo do latim obscurans, "escurecimento", é a prática de deliberadamente impedir os fatos ou os detalhes de algum assunto se tornem conhecidos. Há duas denotações históricas e intelectuais comuns de Obscurantismo: (1) deliberadamente restringir o conhecimento-oposição à propagação de conhecimento, uma política de retenção de conhecimento do público, e, (2) obscuridade deliberada - um estilo de ser obscuro (como em literatura e arte) caracterizado pela indefinição deliberada.

ORIGEM: Infopédia

Obscurantismo significa estado de quem se encontra na escuridão, de quem vive na ignorância. É, a nível social, político e cultural, o sistema que nega a instrução e o conhecimento às pessoas com a consequente ausência de progresso intelectual ou material.

Os Estados totalitários e as grandes religiões na luta pelo poder recorreram, muitas vezes, a práticas obscurantistas, sacrificando os povos e o progresso civilizacional. São muitos os exemplos que a História nos oferece e que levaram a perseguições e outros crimes para preservar o estado de ignorância e facilitar o poder das instituições. O fanatismo religioso ao longo dos tempos, a Inquisição, as guerras étnicas, diversas ditaduras e muitas outras práticas totalitárias são exemplo do obscurantismo.


Tolice, não? Eu terminar meu post anterior propondo o jargão anarquista: ABAIXO O OBSCURANTISMO!

Pois é, mais uma das minhas mau e mal ditas tolices.

Em tempos de escancaramento de todas as obviedades já mais do que conhecidas e, antes, escamoteadas por interesses mais do que sabidos, alertar para a escuridão ou as sombras é risível.

Pelo menos não terá sido em vão minha provocação. Com risos ampliarei o nível da idiotia que grassa.

Como, me perguntariam, se deliberação judicial declara que toda nudez biográfica não será castigada; se se poderá, sem consulta prévia ao biografado, espinafrar-lhe as entranhas?

Como, se lavam a jato todas as manhas e tramas das mais do que empreiteiras palacianas e todos os célebres da república estão com suas vísceras expostas a ponto de se engalfiarem em um Congresso mais do que espúrio? Dividido? Quem ri istrionicamente, louco, agora sou eu.

Como? Se tudo nunca foi, como agora, trazido à luz?

Pois bem, obrigo-me a erudição popular: “O pior cego é aquele que não quer ver.”

A verdade nos cega a ponto de nos paralisar. Pode ser um sinal de início de novo milênio. Quem sabe prenúncio de algo ou alguém como Van Gogh para abrir um novo campo verdejante. Se bem que, no quadro, o caminho do meio acaba.

Será que a sociedade será suicidada, plena e irresoluta?


Até breve.


segunda-feira, 15 de junho de 2015

SOMBRA





“Não, Van Gogh não era louco, mas seus quadros eram misturas incendiárias, bombas atômicas, cujo ângulo de visão comparado com o de todas as outras pinturas que faziam furor na época, teria sido capaz de transtornar gravemente o conformismo larval da burguesia.

Os corvos pintados dois dias antes de sua morte não lhe abriram, mais que suas outras telas, a porta de uma certa glória póstuma, mas abrem à pintura pintada, ou melhor, à natureza não-pintada, a porta oculta de um futuro possível, de uma permanente realidade possível, através da porta aberta por Van Gogh para um enigmático e pavoroso além.

Todo o quadro é soberbo.

Digno acompanhamento para a morte daquele que, em vida, fez girar tantos sóis ébrios sobre montões de cereais rebeldes e que, desesperadamente, com um balaço no ventre, não pode deixar de inundar com sangue e vinho uma paisagem, empapando a terra com uma última emulsão, radiante e tenebrosa ao mesmo tempo, que cheira a vinho azedo e vinagre picante.

É isso o que mais me surpreende em Van Gogh, maior pintor entre todos os pintores, é que, sem sair do que se denomina pintura, sem afastar-se do tubo, do pincel, do enquadramento do tema e da tela, sem recorrer à sátira, ao relato, ao drama, à ação com imagens, à beleza intrínseca do tema e do objeto, chegou a infundir paixão à natureza e aos objetos com tanto vigor que qualquer conto fabuloso não supera em nada, dentro do plano psicológico e dramático, suas telas modestas; suas telas, por outro lado, quase todas de reduzidas dimensões, como se respondessem a um propósito deliberado.

Van Gogh era uma dessas naturezas dotadas de lucidez superior, o que lhes permite, em qualquer circunstância, ver mais além, infinita e perigosamente mais além que o real imediato e aparente dos fatos; quero dizer, mais além da consciência que a consciência habitualmente conserva dos fatos.

Theo talvez fosse muito bom para seu irmão, do ponto de vista material, mas isso não o impedia de considera-lo um delirante, um iluminado, um alucinado, e se obstinava, em vez de acompanha-lo e seu delírio, em acalmá-lo.

Que depois morreu de pena, não muda nada as coisas.”

Retirei estes trechos do livro “VAN GOGH - O SUICIDADO PELA SOCIEDADE”, publicado em 1947, pelo poeta, escritor, ator, dramaturgo, roteirista e diretor de teatro francês ANTONIN ARTAUD.

Por quê?

Ontem fui assistir à peça “O outro Van Gogh”. Texto de Maurício Arruda de Mendonça, direção de Paulo de Moraes e interpretação de Fernando Eiras. O espetáculo localiza-se nos últimos dias de vida de Theo Van Gogh (1857-1891), irmão, confidente e mantenedor do grande pintor holandês Vincent Van Gogh (1853-1890).

Internado numa casa de saúde, abalado pelo repentino suicídio de seu irmão mais velho, pelos pesados encargos de sustento de sua mulher, filho e de seus pais, e já sofrendo os mesmos sintomas radicais da doença mental dos Van Gogh, Theo repassa acontecimentos afetivamente importantes na sua relação com Vincent em sua luta por tornar-se um pintor. Como num réquiem, o texto fala, sobretudo, do amor visceral que uniu e levou à morte esses dois irmãos.

Em “O Outro Van Gogh” o ator em cena é ninguém e todo mundo ao mesmo tempo. Um Mundo bordado de uma memória viva, que preenche o palco de personagens. Theo Van Gogh busca encontrar através da ausência do outro, o irmão Vincent, uma saída para a luz. O que é essa sombra que tenta captar sua própria cor? Quem somos nós que tentamos encontrar no outro algum sinal que nos dê consciência de nós mesmos?

Theo Van Gogh nasceu quatro anos após seu irmão Vincent. Viveram juntos durante toda a infância e adolescência, estreitando com o passar do tempo, uma amizade preciosa que duraria uma vida inteira.
Foi por causa de Theo que , posteriormente, o mundo conheceu a obra de Vincent Van Gogh, que iria influenciar todo século 20. 

Theo não só cuidou das telas, como as financiou e também sustentou o irmão, para que ele pintasse. Ambos ocuparam a mesma gangorra no comércio das galerias de pintura: um era Pintor, o Outro era marchand. Por mais talentoso, reconhecido e respeitado negociante que Theo fosse (tendo ativamente contribuído para o movimento impressionista ocorrido em Paris em 1884) não havia meios de conseguir vender os quadros do irmão. O mundo das artes ainda não era capaz de avaliar o traço inovador de Vincent.

Saí do teatro experimentando um misto de encantamento pela magistral performance do ator Fernando Eiras que, em dado momento do espetáculo (não sem razão), disse:

- Esse personagem arrasa comigo...

Arrasa de fato a todos nós, indignos que nos acovardamos de tantas maneiras para que seja possível que a genialidade sobrevenha e dissipe os corvos, todos eles, de nossa paisagem.

Ainda em Artaud: “É assim que se mantém – por mais delirante que possa parecer tal afirmação – a vida presente, na sua velha atmosfera de estupro, de anarquia, de desordem, de desvario, de descalabro, de loucura crônica, de inércia burguesa, de anomalia psíquica (porque não é o homem, mas o mundo que se tornou anormal), de desonestidade deliberada e insigne hipocrisia, de sujo desprezo por tudo o que cheira à nobreza, de reivindicação de uma ordem baseada no cumprimento de uma primitiva injustiça; em resumo, do crime organizado.”

Chega de obscurantismo!



Até breve.

quinta-feira, 11 de junho de 2015

BESTIZAR



Escrever não é assim tão simples. Tem suas complexidades, inclusive estruturais. Vírgulas, pontos, dois pontos, pontos e vírgulas, reticências, exclamações e interrogações. Tem ainda concordância, métrica, ritmo, estilo, consistência, e um carrilhão de outros saberes.

Hoje, por exemplo, assisti em vídeo um psicanalista cunhar uma preciosidade, não sei se dele, pouco importa. Alfabestizar.

A tecnologia computadoracional sublinha a palavra e me pede que eu a corrija. Inclusive essa, ou será esta, antes de sublinha.

Mas no escrever não é de palavras que se diz. Nem de estruturas.

Exceto para normatizantes (eu sei que tá errado), pobres professores inclusive de redação. Redigir não se aprende, acho que é, como assim, jogar bola. É só lendo, inclusive livros, que se bulina com as letras. 

Escrever eu preferia que fosse de um erro. Quando se toma de um olhar para algo vai logo se enviesando aquilo para o que se olha, portanto de um erro. Escrever não pode de ter exatidão.

Se não perde e muito daquele que alfa e beta.

Só estou fazendo este post porque não há nada que me inspire outra coisa, nem nada, que já sempre de foi um tema instigante para escrever uma obra inteira de mil volumes. Em papel.

Viu como escrever não pede parâmetro? Juízo quem faz é dos doidos, os medíocres, ou encarcerados em cadeiras que revezam imortais. Arq!!!

Tem gente que tira zero no ENEM. E fica fora sem uni ver cidade. Claro, porque não aprendeu a escrever, desenvolver uma ideia como princípio, meio e fim. Uma lógica, uma estética, uma permissão do que, do como.

É como me sinto hoje de novo.

Um historiador aí, nem sei o nome, aprontou de dizer que as tecnologias trouxeram transformações muitos mais relevantes do que a Política. A História, especialmente os tempos contemporâneos sofreram e sofrem mutações muito mais abruptas do que todas as revoluções sociais já havidas.

Sobra o quê, então? Se não há espaço para as revoluções pela via política vamos cada vez mais nos aprofundarmos em um beco que tem no final um paredão.

Em junho de 2013 o povo foi às ruas tresloucadamente. Talvez instigado por uma propaganda bem bolada de uma montadora de automóveis. A ação popular foi fisgada pelo texto publicitário conclamando para ir para as ruas.

Um dos cartazes pedia a reforma política, como se pudesse estar ali a raiz da nossa amargura. Dois anos depois, bilhões de reais queimados depois, inúmeros escândalos depois, a política urgiu uma reforma, concluída hoje.

Mudanças cosméticas, pilhérias para nós trouxas, idiotas.

E que nos torna, a cada dia que passa, mais bestas.


Até breve. 

terça-feira, 9 de junho de 2015

IMPOTÊNCIA



Quantos anos tem o homem que invadiu a casa de minha filha na madrugada de um dia da semana passada? Trinta, trinta e poucos? Quinze? Quantos anos tem aquele que encarnou o terror nesse episódio?

“Estou com dificuldade para dormir, pai”...

Pretinha acordou com um barulho, chegou a pensar que Noninha pudesse ter caído da cama e se deparou no corredor com o homem abrindo a porta do quarto dos meninos.

Felizmente, o invasor evadiu-se, depois dos gritos desesperados de minha filha. Cláudio conseguiu ligar para a polícia que apareceu poucos minutos depois.

“Isso é muito comum”... Teria dito um dos policiais presentes à ocorrência.

Quem é o sujeito que entrou, para roubar, no apartamento de minha filha em madrugada de um dia da semana passada?

Um bandido contumaz, um desempregado, um drogado?

Um jovem de quinze anos?

Hoje em São Paulo, pela manhã, eu estava em um carro da empresa para qual presto serviços e o motorista, espontaneamente, logo que eu entrei no veículo abriu como assunto a violência urbana.

Pouco tempo depois que nós saímos do aeroporto paramos em um semáforo. Minha pasta estava sobre o banco traseiro. De repente um homem abriu e fechou bruscamente a porta de trás de nosso carro.

O motorista ficou pálido e eu catatônico. Segundos depois ouvimos insistentemente o início de buzinas para que seguíssemos viagem já que o semáforo estava aberto. Não foi possível agradecer ao motorista que vinha no carro imediatamente atrás do nosso que, vendo a porta semiaberta, desceu e fechou a porta.

Terror.

Desnecessário abordar aquilo que está incorporado à paisagem social. Enquanto lê este post você deve estar lembrando-se de inúmeros episódios da violência do cotidiano com desfechos infinitamente mais graves do que aquele pelos quais passou meus entes queridos.

Mas quantos anos tinha o sujeito que invadiu o apartamento de minha filha em madrugada de um dia da semana passada?

Quinze? Trinta? Trinta e poucos? Um desempregado, um bandido contumaz, um drogado?

Mais uma vez a sociedade, à distância, assiste passiva a um debate insosso do legislativo. Qual a idade do criminoso deve ser limítrofe para que sobre ele seja imputada pena.

Vamos perder nosso tempo discutindo soluções a partir dos efeitos de uma causa maior e mesmo que seja reduzida a maioridade penal não debelará nosso terror.

O que importa não é a idade do criminoso, mas as razões objetivas que o fizeram entrar para o mundo do crime.

Precisamos deixar de buzinar para que sigamos viagem. Precisamos dar uma parada e ter coragem para tratar a verdadeira raiz do gravíssimo problema.

Ontem aconteceu reunião dos condôminos do prédio onde Pretinha mora. Provavelmente medidas serão tomadas no sentido de nos iludirmos que, pelo menos ali dentro, estarão seguros.



Até breve.

quinta-feira, 4 de junho de 2015

AMARRAS



Foi como assim.

Eu estava arrumando uns cadeados em casa. Eles foram, ao longo de um bom tempo, além de diversas chaves, depositados aleatoriamente em uma caixa até que um dia resolvi dizer quem era de quem.

Havia na caixa uns mais de doze, dez, para não exagerar. Trinta chaves, talvez, o que me fez constatar que cadeados se extraviaram ou foram perdidos em tantas mudanças de endereços.

O fato relevante aqui é que eu procurava as chaves compatíveis com cada cadeado e as amarrava em um cordão, fechando o cadeado de tal sorte que, pela extensão do cordão, eu pudesse abri-lo quando necessitasse usá-lo.

Ocorre que para dado cadeado achei uma única chave e, inadvertidamente (como se se pudesse ser) coloquei a chave pelo orifício na garra da tranca e fechei o cadeado.

E já se passaram inexoráveis e exatos quarenta e seis anos e dois meses, ou 16.850 dias, que eu e Ela nos condenamos a construir a ponte da arte da vida a dois.

Não creiam que fomos todo esse tempo apenas um do outro, mesmo que, juro (de minha parte), sempre pertenci somente a Ela. E me recuso a imaginar que, para ela, eu também não tenha sido o único ao longo de todos estes dias.

Cruel mentira, estivemos apaixonados infindáveis vezes por inúmeros outros com os quais sonhávamos um dia, uma hora, um motel, uma viagem, uma escapada para que, talvez, pudéssemos experimentar a aventura da liberdade.

Quantas vezes transamos pensando neles e tiramos de nós mesmos o gozo da ilusão, da fantasia, diferenciadamente.

Quantas vezes fomos vários sendo só nós mesmos.

Até hoje Ela diz, sem rodeios, que adora que eu olhe para “menininhas” porque na hora do vamovê quem ganha é ela.

Juro, tem muita menininha que, comparada, perde e feio.

Nas tramas do prosaico do cotidiano, inclusive agora que o consultório dela tem intensa demanda, a grana auferida ajuda a amarrar ainda mais os fios dessa teia.

Sem número de distúrbios pelas mais tolas e graves questões, deixaram-nos marcas indeléveis nos corações e mentes. Fizemos com que eles nos servissem para aprofundar nossa compreensão, humildade e respeito recíprocos.

Ninguém se amarra impunemente. 



Adoraria ver interditarem a Pont des Arts por anos que se fizessem necessários, mantendo assim as paixões encadeadas em suas grades até que, um dia, um último casal depois de colocar seu cadeado corresse freneticamente para se livrar da queda de toneladas de sonhos.

O Sena receberia e as mergulharia em berço profundo.

Passaríamos pelo rio, visitaríamos a região e fitaríamos placas afixadas, cada uma em uma margem do rio:

AQUI ESTÃO DEPOSITADOS OS SONHOS DAQUELES QUE SE PROPUSERAM A IR FUNDO.

Paris é mesmo a cidade para tanto.


Até breve.  


NOTA: Este post fica para lembrar a semana em que foram retiradas 50 toneladas de cadeados que vinham sendo fixados por casais desde 2008 na Pont des Arts, uma ponte que liga o centro da cidade de Paris à ilha onde se encontra a Cadetral de Notre Dame.

quarta-feira, 3 de junho de 2015

INSOLITUDE





Fomos assistir segunda-feira à noite, no cinema, ao filme PERMANÊNCIA do diretor Leonardo Lacca, vencedor do prêmio de melhor filme no festival de Recife CINE PE. A sessão contou apenas com dois expectadores: eu e Ela.

Cinzento drama que tem como co-personagem a cidade de São Paulo. A sonoplastia mantém permanente o som da megalópole.

O roteiro nos deixa livres para preencher o vazio que a obra nos aponta. Os diálogos são pueris, coloquiais, de um cotidiano sem brilho e nem graça. No entanto, os corpos dos protagonistas são extraordinariamente tomados por uma angústia de uma procura comovente.

A cena do casal no cinema, dando-se as mãos, é sofreguidão pura.

A fluidez e a impermanência também nas relações humanas é retratada por uma fotografia e enquadramentos dos atores que testam a competência extrema da interpretação dos mesmos.

Irandhir Santos é hoje um dos nossos melhores intérpretes. Rita Carelli e Laila Pas se não são, são no filme a citação de Caetano na canção SAMPA: “da deselegância discreta de tuas meninas”.

Lailas Pas faz nu frontal, em uma cena deslumbrante. O filme não seria o mesmo faltasse esta cena. O corpo como império do desejo do outro, como se ali residisse a insolitude. Santa procura. Nada mais divino do que Eros.

O fato de estarmos somente eu e Ela assistindo a sessão contribuiu para ampliar meu incômodo produtivo. Durante o filme fiquei pensando: tempos danados os nossos, em que os cadeados que selaram sonhos de permanência foram retirados da Pont des Arts em Paris.

Tudo é breve, instantâneo, fugaz, acinzentado, superficial, menos a fina flor do desejo. Ele mora ali muito perto de duas solidões que se aguardam: intenso, descomunal, inexplicável, aquímico. 

Não estou mais capaz de compreender o novo que rola nos corações dos de trinta ou mesmo nos de quarenta. Penso com minha alma do milênio passado. Portanto, torto, enviesado, restrito e piegas.

Meu sangue é da cor de um tango, até nas vísceras. Meu canto é um arrastado flamenco. Buenos Aires e, antes, Catalunha, deformaram ad eternum meu sentir.

Quando vejo um filme desses fico ainda com a esperança de que nem tudo está perdido.


Até breve.