No final do ano passado a família
estava conversando, quando o pai prenunciou: “Um de nós aqui perderá o emprego no próximo ano”.
Hoje a família conta com três
desempregados, dois de companhias transnacionais onde trabalhavam há mais de
quinze anos.
Encontrei-me esta semana com
Pretinha conversando com uma jovem senhora, muito próxima de nós. A jovem
estava às lágrimas e eu procurei saber por quê. O marido não trabalhará mais as
sextas-feiras e terá uma redução de 13,5% do salário para que seja possível a
manutenção de seu emprego.
- Reduziu muito o número de seus clientes, disse ao dono do
restaurante que fica em frente ao prédio onde moro.
- Muitas empresas fecharam aqui ao redor...
A crise contemporânea ultrapassa as
capacidades dos estados nacionais em debelá-la. Para além das variáveis
parametrizadas por especialistas e teóricos, a questão não se restringe à
ciência econômica e muito menos à ciência política.
A vulnerabilidade dos aparelhos da
democracia – modelo desejado pela maioria dos cidadãos daqui de do mundo a fora
– se expande de maneira explosiva.
A História não havia registrado
ainda o mosaico de complexidades apresentadas no tempo presente. Não se trata
de um ciclo já experimentado. Há ineditismo no quadro.
A migração da riqueza das nações
para conglomerados privados retira de forma contundente e preocupante a
possibilidade de governos gerirem a expansão de suas necessidades. O coletivo
perde terreno na esfera do Poder para os interesses privados.
É profunda a diferença das
oportunidades dos cidadãos. Três trilhões de dólares ao ano, que corresponde ao
PIB da Alemanha (4ª economia do mundo) são consumidos em produtos de luxo por uma minoria que comanda o novo império.
A produção rentista de capital
sobre capital aliada aos inúmeros desvios muitas das vezes patrocinados,
fomentados e/ou acobertados por grandes instituições financeiras globais
encontram dimensões vultosas e inimagináveis.
A recente intervenção da Policia
Federal Americana explicita que o crime tem dimensão planetária e que sim,
passou a ser uns dos maiores riscos para a sustentabilidade do planeta.
Não me parece que a questão está
focada em meia-dúzia de 10 ou 15 bagres, entre eles o Marin que, coitado, tem
uma casinha de vinte milhões de reais. O alvo é outro.
A sonegação sistemática e endêmica,
a corrupção institucional e viral, o vampirismo da política fundada em
interesses de indivíduos, a descrença da sociedade na possibilidade de que algo
efetivamente aconteça, além do desconhecimento das verdadeiras realidades
emolduram, a meu ver, um quadro alarmante.
Na minha juventude pueril eu
acreditava que o inimigo da vida digna era o governo que se instalara pela
força. Em dezembro de 1968 eu tinha dezesseis anos e fiquei literalmente puto
com a promulgação do Ato Institucional nº 5. Em 1970 meu irmão foi expulso do
Exército por ter pensamentos diferentes dos estabelecidos pelo regime.
Na minha juventude pueril nós
tínhamos um inimigo tangível e perceptível com o qual podíamos nos debater.
Hoje, não.
Mais grave, mortífero e aterrador
que o próprio Exército Islâmico e que todos os demais grupos terroristas em
atuação mundo a fora, a riqueza que não
reparte é a nossa maior temeridade.
Seu endereço é a infovia, instituições
financeiras blindadas por aparatos legais internacionais, fundo falso de
automóveis, jatos, jatinhos e jatões, iates, navios, alfândegas compradas,
meios logísticos pelos quais gravitam somas inimagináveis de moedas em espécie.
Paraísos fiscais que implicam na
ciranda perversa e determinam a coerência mais do que perversa de que se façam
necessários ajustes fiscais.
A democracia agoniza.
Até breve.