Ouvi a notícia no rádio do carro,
quando voltava hoje de Santa Luzia. Meu coração estoou aos gritos. Meu berço
acaba de ser tombado.
O Conselho Deliberativo do
Patrimônio Cultural de Belo Horizonte tombou o bairro de Santa Tereza.
Trezentas casas, igrejas, restaurantes e bares, além de praças, compõem a lista
dos imóveis que compõem a lista de tombamento.
A ideia é preservar as edificações
e, com isso, preservar o bairro nos seus aspectos intangíveis como cultura,
história tradição e influência musical. "Santa Tereza não tem só o
patrimônio arquitetônico e ambiental. Existe um patrimônio de cultura que
transcende isso tudo", disse o presidente do conselho, Leônidas Oliveira.
Segundo Oliveira, a iniciativa
possibilita a preservação não somente dos imóveis tombados, mas de toda a
ambiência e do conjunto arquitetônico, paisagístico, urbanístico e cultural do
bairro.
Bairro de classe média na zona
leste de Belo Horizonte, Santa Tereza guarda características arquitetônicas da
década de 1960 e abriga um dos mais tradicionais redutos boêmios da capital
mineira com casas de serestas e bares, onde pessoas ligadas às artes se
encontram para confraternizar, compor músicas e poesia, dançar e cantar, e
beber, nas noites de Belo Horizonte.
Depois de ouvir a notícia resolvi
passar pelas ruas por onde meus pés descalços vagaram em busca de aventuras e
traquinagens na minha adorável infância. Eu conhecia cada beco, cada lote vago,
precisávamos apenas de quatro pedras para demarcar os gols e jogar nossas
peladas intermináveis.
A Praça Duque de Caxias, o Coreto,
cada pedaço de chão tem um pouco de minhas retinas impressas. Eu estou ali,
impregnado em lágrimas saudosas. Sim, eu fui muito feliz em Santa Teresa.
Só saí de lá aos vinte e três anos.
Foi na matriz de Santa Teresa e Santa Teresinha que fui batizado, casei,
batizei meus filhos, lavei-pés, vendi velas na semana santa. Cri.
Tenho esse lugar no meu sangue e
nas lembranças. As peladas também em frente ao cinema, do qual o porteiro
Pedrinho foi ameaçado de levar uma surra certa vez por um de meus irmãos se ele
não permitisse que eu entrasse para assistir um filme com censura para 18 anos
de idade. Eu tinha quinze.
Minhas andanças com o tabuleiro de
bolinhos de feijão. Minhas aventuras em tábuas de sebo por ruas então calçadas
com pedras pé-de-moleque, Bauxita, Formosa, Galba Veloso. Finca nos passeios de
terra. Pipas empinadas até quando a lua branqueava o céu sem arranha-céus.
Minhas inúmeras noites na Praça
Duque de Caxias, com amigos, tramando mudar o mundo e a vida.
Meu encontro com Ela, quando saía
da missa.
Tornei-me eterno com o tombamento.
Em algum lugar do mundo residirá minha presença. Basta a eu saber que não
violentarão meu berço. Definitiva esperança e alegria.
Até breve.
Santa Tereza tem algo mágico mesmo...
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