sexta-feira, 27 de março de 2015

CORAR



Quando eu era criança, lá em Santa Teresa, ouvia dos adultos que todo mundo tinha que ter vergonha na cara. Não foi a mais crítica das minhas preocupações de época, mas lembro-me que ficava ansioso quando, em inúmeras vezes, cometia meus atos traquinas e imediatamente corria para o espelho ver se havia alguma alteração em minha cara.

Comecei a acreditar que ou eu era imune ou era mais uma das muitas que os adultos pregavam e que não passavam de invenções como da existência de mula-sem-cabeça.

Sessenta e três anos depois minhas convicções infantis não foram alteradas. Continuo acreditando que nada vai para a cara que denuncie vergonha. Ou por outra, ninguém tem vergonha na cara. E o pior, nem eu.

Dicionários pregam a ideia de que vergonha é sentimento penoso por se ter cometido alguma falta ou pelo temor da desonra.

Notícia publicada hoje no Estadão dá conta de que a Polícia Federal deflagrou nesta quinta-feira a Operação Zelotes para desarticular um esquema de corrupção que pode ter anulado R$ 19 bilhões em multas aplicadas pela Receita Federal. Empresas pagariam propina para que integrantes do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) - órgão do Ministério da Fazenda que julga recursos de contribuintes com débitos bilionários - cancelassem ou reduzissem o valor das punições. O Carf julga processos na esfera administrativa, em que contribuintes questionam a cobrança de tributos. É um colegiado formado por funcionários do Ministério da Fazenda e por representantes da sociedade.

Conforme as investigações, 70 empresas dos setores industrial, automobilístico, siderúrgico e agrícola, além de grandes bancos, subornaram conselheiros. Os investigadores já conseguiram identificar corrupção envolvendo nove processos no valor de R$ 6 bilhões. Com a análise das demais 61 causas, o valor subiria para R$ 19 bilhões.

“Esta é uma das maiores operações da PF pelo tamanho. São recursos que deveriam entrar nos cofres da União e não entraram. Então, é desvio de recursos públicos”, resumiu o diretor de combate ao crime organizado da PF, Oslaim Santana.

Conforme as investigações, empresários eram procurados por ex-conselheiros do Carf e consultores que ofereciam o esquema de corrupção. A propina variava entre 1% e 10% do débito. Era paga á conselheiros do órgão para aprovar, no plenário, pareceres favoráveis às empresas, pedir vista ou mesmo fazer exames de admissibilidade dos processos. Em apenas um dos casos, uma multa de R$ 150 milhões desapareceu. Os nomes das empresas não foram divulgados, porque a Justiça decretou sigilo nas investigações.

Esses 150 me remeteram a outros 150, os mortos do suicídio de uma e assassinato de 149 pessoas a bordo da Germanwings.

Aqueles que estão na cabine não têm vergonha na cara, nós aqui fora, ensandecidos e em passeatas tentamos abrir a muralha que torna a realidade cada vez mais explícita: vamos todos morrer nessa queda fatal.

A Honra é invenção maquiavélica dos adultos o que existe de fato são mulas-sem-cabeça.

Deprimidas.




Até breve.

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