Quando eu era criança, lá em Santa
Teresa, ouvia dos adultos que todo mundo tinha que ter vergonha na cara. Não
foi a mais crítica das minhas preocupações de época, mas lembro-me que ficava
ansioso quando, em inúmeras vezes, cometia meus atos traquinas e imediatamente
corria para o espelho ver se havia alguma alteração em minha cara.
Comecei a acreditar que ou eu era
imune ou era mais uma das muitas que os adultos pregavam e que não passavam de
invenções como da existência de mula-sem-cabeça.
Sessenta e três anos depois minhas
convicções infantis não foram alteradas. Continuo acreditando que nada vai para
a cara que denuncie vergonha. Ou por outra, ninguém tem vergonha na cara. E o
pior, nem eu.
Dicionários pregam a ideia de que
vergonha é sentimento penoso por se ter cometido alguma falta ou pelo temor da
desonra.
Notícia publicada hoje no Estadão dá conta de que a Polícia Federal deflagrou nesta
quinta-feira a Operação Zelotes para desarticular um esquema de corrupção que
pode ter anulado R$ 19 bilhões em multas aplicadas pela Receita Federal.
Empresas pagariam propina para que integrantes do Conselho Administrativo de
Recursos Fiscais (Carf) - órgão do Ministério da Fazenda que julga recursos de
contribuintes com débitos bilionários - cancelassem ou reduzissem o valor das
punições. O Carf julga processos na esfera administrativa, em que contribuintes
questionam a cobrança de tributos. É um colegiado formado por funcionários do
Ministério da Fazenda e por representantes da sociedade.
Conforme as investigações, 70
empresas dos setores industrial, automobilístico, siderúrgico e agrícola, além
de grandes bancos, subornaram conselheiros. Os investigadores já conseguiram
identificar corrupção envolvendo nove processos no valor de R$ 6 bilhões. Com a
análise das demais 61 causas, o valor subiria para R$ 19 bilhões.
“Esta é uma das maiores operações
da PF pelo tamanho. São recursos que deveriam entrar nos cofres da União e não
entraram. Então, é desvio de recursos públicos”, resumiu o diretor de combate
ao crime organizado da PF, Oslaim Santana.
Conforme as investigações,
empresários eram procurados por ex-conselheiros do Carf e consultores que
ofereciam o esquema de corrupção. A propina variava entre 1% e 10% do débito.
Era paga á conselheiros do órgão para aprovar, no plenário, pareceres
favoráveis às empresas, pedir vista ou mesmo fazer exames de admissibilidade
dos processos. Em apenas um dos casos, uma multa de R$ 150 milhões desapareceu.
Os nomes das empresas não foram divulgados, porque a Justiça decretou sigilo
nas investigações.
Esses 150 me remeteram a outros
150, os mortos do suicídio de uma e assassinato de 149 pessoas a bordo da Germanwings.
Aqueles que estão na cabine não têm
vergonha na cara, nós aqui fora, ensandecidos e em passeatas tentamos abrir a
muralha que torna a realidade cada vez mais explícita: vamos todos morrer nessa
queda fatal.
A Honra é invenção maquiavélica dos
adultos o que existe de fato são mulas-sem-cabeça.
Deprimidas.
Até breve.
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