A história chega ao fim pelo menos
uma vez e, ocasionalmente com maior frequência na história de cada civilização.
Quando surge o Estado universal de uma civilização, seu povo fica cego pela
miragem da imortalidade, e convicto de que a sua é a forma definitiva da
sociedade humana. Assim foi com o Império Romano, o Califado dos Abassidas, o
Império Mogol e o Império Otomano. Os cidadãos de um desses Estados universais,
desafiando fatos aparentemente óbvios, tendem a considera-lo não apenas como um
abrigo noturno no descampado, mas como a Terra Prometida, a meta dos empreendimentos
humanos.
Entretanto, as sociedades que
supõem que a sua história chegou ao fim geralmente são as sociedades cuja
história está prestes a entrar em declínio.
As civilizações entram em declínio
quando cessa a aplicação dos excedentes a novas maneiras de fazer as coisas. Em
termos modernos, dizemos que a taxa de investimento diminui. Isto acontece porque
os grupos sociais que controlam os excedentes têm um interesse próprio em
utilizá-los para fins não-produtivos, mas que satisfazem ao ego, os quais
destinam os excedentes para o consumo mas não proporcionam métodos de produção
mais eficazes. As pessoas vivem de seu capital e a civilização passa do estágio
de Estado universal para o estágio de decadência.
As manifestações frequentemente
apontadas de declínio abrangem:
1. Aumento de
formas de comportamento antissocial, como crime, uso de drogas e violência em
geral;
2. Decadência da
família, inclusive índices mais elevados de divórcio, ilegitimidade, gravidez
de adolescentes e família de pai ou mãe sozinhos;
3. Declínio de
capital social, isto é, participação em associações voluntárias e confiança
entre as pessoas ligadas a essa participação;
4. Debilitamento
generalizado da “ética do trabalho” e aumento do culto à satisfação pessoal;
5. Diminuição no
empenho pelo aprendizado e pela atividade intelectual, manifestado por níveis
mais baixos de realização acadêmica.
O completo fracasso do marxismo e o
espetacular esfacelamento da União Soviética foram apenas os precursores do
colapso do liberalismo ocidental, a principal corrente da modernidade. Longe de
ser a alternativa do marxismo e a ideologia dominante no final da História, o
liberalismo será a próxima pedra de dominó a cair. Numa era em que, por toda
parte, os povos se definem em termos culturais, que lugar haverá para uma
sociedade desprovida de um núcleo cultural e definida apenas por um credo
político. Os princípios políticos são uma base volúvel para que sobre ela se
construa uma comunidade duradoura.
De modo normativo, a crença
universalista ocidental sustenta que as pessoas em todo o mundo deveriam
abraçar os valores, as instituições e a cultura ocidentais porque elas encarnam
a mais elevada, mais esclarecida, mais liberal, mais racional, mais moderna e
mais civilizada forma de pensamento humano.
No mundo de conflitos étnicos e
choques civilizacionais, a crença ocidental na universalidade da cultura
ocidental padece de três problemas: ela é falsa, é imoral e ela é perigosa.
A pressuposição comum ocidental de
que a diversidade cultural é uma curiosidade histórica que está sendo
rapidamente orientada para o Ocidente e anglófona, que está moldando nossos
valores básicos simplesmente não corresponde à verdade.
A crença de que os povos
não-ocidentais deveriam adotar os valores, as instituições e a cultura
ocidentais é imoral devido ao que seria necessário fazer para que isso pudesse
acontecer. As sociedades não-ocidentais só poderiam ser uma vez mais moldadas
pela cultura ocidental como resultado da expansão, do desdobramento e do
impacto do poderio ocidental. O imperialismo é a consequência lógica necessária
ao universalismo. Além disso, na condição de uma civilização madura, o Ocidente
não mais dispõe do dinamismo econômico ou demográfico exigido para impor sua
vontade a outras sociedades, e qualquer esforço nesse sentido também é
contrário aos valores ocidentais de autodeterminação e democracia. À medida que
as civilizações asiática e muçulmana começam cada vez mais afirmar a relevância
universal de suas respectivas culturas, os ocidentais irão dar cada vez mais
valor à vinculação entre universalismo e imperialismo.
O universalismo ocidental é
perigoso para o mundo porque ele poderia levar a uma grande guerra intercivilizacional
entre Estados-núcleos, e é perigoso para o Ocidente porque poderia levar à
derrota do Ocidente. Com o colapso da União Soviética, os ocidentais veem sua
civilização numa posição de predomínio sem precedente, enquanto, o mesmo tempo,
as sociedades asiática, muçulmana e outras, mais fracas, estão começando a
ganhar força.
Os elementos básicos da civilização
estão se esvanecendo. Fala-se de uma crise global de governabilidade. A ascensão
das corporações transnacionais que produzem bens econômicos está cada vez mais
sendo igualada pela ascensão de máfias criminosas transnacionais, carteis de drogas
e gangues terroristas que estão atacando violentamente a civilização.
Numa base mundial, a civilização
parece, em muitos aspectos, estar cedendo diante da barbárie, gerando a imagem
de um fenômeno sem precedente, uma Idade das Trevas mundial, que se abate sobre
a Humanidade.
Até breve.
Extraído de: O choque de
civilizações e a recomposição da ordem mundial, Huntington, Samuel P., Editora
Objetiva, Rio de Janeiro, 1996.
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