quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

MADAKAY?



Toda vez que cometo aniversário lembro-me do último filme do iluminado diretor japonês Akira Kurosawa, que quando fez o clássico MADADAYO tinha oitenta e um anos de idade.

O filme é baseado na história real do professor Uchida Hyakken, que se aposentou depois de trinta anos lecionando literatura alemã para se tornar escritor. Com grande carisma e humor peculiar, conquistou o respeito e a amizade de seus alunos na forma de comemoração: todos os anos, no dia de seu aniversário, era comemorado o "Madakai", quando os alunos perguntam "Mada kai?" (Pronto?), e ele depois de uma imensa taça de cerveja respondia "Mada dayo!" (Ainda não!) significando que seus alunos teriam que "aguentá-lo" por mais um ano.

De tabela, zapeando via web, deparei-me com uma preciosidade encontrada na biblioteca da Sociedade Sigmund Freud. Uma entrevista, provavelmente a última, do mestre concedida ao jornalista americano George Sylvester Viereck, em 1926.

Pincei dela alguns fragmentos para ilustrar-me na semana dos meus sessenta e três anos:

Talvez os deuses sejam gentis conosco, tornando a vida mais desagradável à medida que envelhecemos. Por fim, a morte nos parece menos intolerável do que os fardos que carregamos.

Tive o bastante para comer. Apreciei muitas coisas – a companhia de minha mulher, meus filhos, o pôr do sol. Observei as plantas crescerem na primavera. De vez em quando tive uma mão amiga para apertar. Vez ou outra encontrei um ser humano que quase me compreendeu. Que mais posso querer?

Estou muito mais interessado neste botão de uma futura rosa do que no que possa me acontecer depois que estiver morto.

Não, não sou pessimista. Não permito que nenhuma reflexão filosófica estrague a minha fruição das coisas simples da vida.

Pelo que me toca estou perfeitamente satisfeito em saber que o eterno aborrecimento de viver finalmente passará. Nossa vida é necessariamente uma série de compromissos, uma luta interminável entre o ego e seu ambiente. O desejo de prolongar a vida excessivamente me parece absurdo.

Estou escrevendo uma defesa da análise leiga, da psicanálise praticada por leigos. Os doutores querem tornar a análise ilegal para os não médicos. A História, essa velha plagiadora, repete-se após cada descoberta. Os doutores combatem cada nova verdade no começo. Depois procuram monopoliza-la.

Compreender tudo não é perdoar tudo. A análise nos ensina não apenas o que podemos suportar, mas também o que podemos evitar. Ela nos diz o que deve ser eliminado. A tolerância com o mal não é de maneira alguma um corolário do conhecimento.

Aquiles seria intolerável, não fosse por seu calcanhar!




Mada dayo.

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