sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

CHEQUEMATE



Teve uma moça aí que foi aproveitada por um pai que teria surrupiado uns tantos destes tantos que circulam aí no submundo da economia real, essa que já é muito maior do que as limpas, transacionadas pelos meros contribuintes. Junta tudo procevê se não dá.

O valor era de R$500.000,00 para serem pagos por um banco aí.

Um empregado do banco emitiu um cheque administrativo de R$500.000.000,00 e o cheque foi entregue a tal moça que foi aproveitada por um pai que teria surrupiado uns tantos destes tantos que circulam aí no submundo da economia real, essa que já é muito maior do que as limpas, transacionadas pelos meros contribuintes. Junta tudo procevê se não dá.

O que são mais 500 mi se a cifra que circula é de bi. Entre mi e bi, ficam com os Bi.

Deu o maior enrosco e a coisa foi parar nas barbas (ou serão barras?) da justiça e a moça devolveu o cheque à casa de crédito (olalá!) sob a condição de receber o outro no valor exato da propina que lhe cabia já que foi aproveitada por um pai que teria surrupiado uns tantos destes tantos que circulam aí no submundo da economia real, essa que já é muito maior do que as limpas, transacionadas pelos meros contribuintes. Junta tudo procevê se não dá.

Já disseram que a crise nossa é de Ética, num sei, prefiro ir direto ao ponto.

A nossa falta é de pai.

Ontem jantei com um empresário que aos berros me disse que não suporta mais seus parceiros falarem de seus objetivos: grana, cada vez mais grana.

- Um deles aí, que eu conheço bem, janta em um restaurante do Leblon, e fala para quem quiser ouvir que ele ainda será o homem mais rico do mundo. O cara tem um filho louco, assassino confesso em acidente de trânsito. Se eu fosse filho desse peste eu ou teria matado esse pai ou sumiria mudando até o meu sobrenome.

Voltando ao cheque: todo pai falta e quando falta deixa lacunas profundas, algumas insustentáveis e de desfecho dramático sobre seus filhos.

Nosso grande mal está muito mais próximo de cada um de nós do que gostaríamos. A questão da Lei, fosse eu psicanalista não teria dificuldade em compreender, reside na ausência paterna.

Todos ao divã, então?

O caráter não se forja em análise.


Até breve.


Matéria em: CHEQUE

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

SINUCA



Certa vez o Diretor Executivo de uma empresa convocou o Conselho, do qual eu fazia parte, para apresentar os resultados alcançados em um determinado trimestre.

Passadas mais de duas horas de reunião com o Diretor, que convidou os seus diretores e gerentes, abriu-se a discussão plenária. Os resultados apresentados eram muito ruins, preocupantes até. Os debates circularam em torno de onde estavam os resultados negativos, isto é, em que segmentos de negócios a empresa não havia conseguido realizar os seus planos contratados quando da negociação com o Conselho.

E ficou nisso.

A reunião praticamente terminara e o Presidente do Conselho, percebendo que eu não me manifestara até então, me consultou:

- E ai, Agulhô, alguma consideração?

- Eu penso que analisamos um cadáver, vítima de várias perfurações à bala. Passamos todo o nosso tempo verificando qual foi a bala que o matou, se foi a que atingiu o pâncreas, ou aquela que atingiu o pulmão, ou outra qualquer. O que me parece é que o cidadão está morto. Não seria mais pertinente debatermos como vamos nos preparar para não levar bala?

Duas reuniões após o episódio, voltamos a discutir sobre aquela reunião. Decisão do Presidente do Conselho: o Diretor Executivo não deveria mais convidar sua equipe para apresentação dos resultados. Poderia vir a desmotiva-la.

...


Em outra organização, essa fictícia embora qualquer semelhança seja mera coincidência, a alta administração tomou contato com denúncias, vindas de fora, de desvios no Caixa. As denúncias tomaram vulto e consistência e os dirigentes nem os membros do Conselho de Administração ou de Acionistas tomaram alguma providência.

Por força de lei, a empresa obra de minha limitada imaginação, teria que divulgar o balanço e o fez sem a depuração dos valores da sangria.

- Por que o senhor (ou senhora, como queiram) divulgou o balanço sem considerar os maus feitos? – Perguntou a Presidente do Conselho de Acionistas ao presidente ou presidenta (como queiram), da companhia.

- Se eu o fizesse assumiria que eles ocorreram...

- Mas ocorreram?

- Me parece que sim, mas eu não sei como estima-los...

- E por que não?

- Por que foi tudo “por fora”...

- Ah, intãotá.

Tipo do diálogo improvável, mesmo em ficção, porque se torna pouco crível. No mundo real ou mesmo no suprareal a história para ser palatável ou mesmo interessante poderia ter como epílogo:

- Se o senhor (ou a senhora, como queiram) permitiu que ocorresse a sangria e durante tantos anos, como apontam as denúncias, não tomou nenhuma providência teremos que substituí-la uma vez que o senhor (a) não foi capaz de debelá-la.

Ou:

- Se o senhor (ou a senhora, como queiram) não sabia que ocorria a sangria e durante tantos anos, como apontam as denúncias, não pôde tomar nenhuma providência teremos que substituí-la uma vez que o senhor (a) não foi capaz de prover a companhia de controles capazes de mitigar ou mesmo impedir que ocorressem tais fatos.

Ou:

- E agora, como nós vamos sair dessa?

Qualquer versão que se quiser dar aos fatos, nenhuma delas será mesmo crível.

Bem, seja pela primeira estória ou pela segunda é que eu, por covardia, desinteresse, desesperança sei lá, a cada dia mais abdico de certos papeis e me apresento como pajem de meus netos.

É mais nobre e menos estressante.




Até breve.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015



“Hitler e Goering, fundador da Gestapo, comandante da força aérea, viciado em morfina e ladrão de obras de arte, estão no topo de uma torre de rádio em Berlim onde avistam toda a cidade. Hitler diz que ele gostaria de fazer alguma coisa para colocar um riso nos tristes rostos dos berlinenses. Goering reflete por um instante e sugere: Por que você não pula?” (Trecho da coluna Riso do Riso de Roberto Damatta publicada nos jornais de hoje).

...

Em criança minha alternativa foi ser palhaço. Inúmeras razões desde as justificadas pela penúria familiar até aquelas decorrentes dos incontáveis desentendimentos entre os membros. Afora os dissabores de variadas montas e repercussões.

Enfim, pedreira.

Eu inventava personagens, imitava comediantes, ridicularizava políticos, traquinagens que faziam minha mãe chorar de rir, além de perder o controle fisiológico. Não foram raras as vezes em que ela saiu pela casa a procura do banheiro com a urina escorrendo entre as pernas.

Mas eu não era feliz. Desde sempre soube porque produzia minhas performances e o cerne do conteúdo de minhas escolhas. Era preciso e, talvez, só eu mesmo no universo familiar, fosse capaz de drenar os espíritos.

Quando me descobri “escritor” escrevi horrores, somente horrores, incontáveis lamentos contidos e censuráveis, quase demoníacos. E os guardei por décadas nas entranhas da razão e da sensibilidade.

A vida adulta me colocou muito cedo na lida. Era preciso “ganhar” o pão de cada dia, constituir família, tratar-me. Os caminhos percorridos foram e ainda são muitos mais tranquilos do que eu pudesse merecer e me permitiram tudo.

Ontem, pelo que escrevi nos últimos posts, alguém me mandou WhatsApp.

- “Humor...”

Pois é.




Até breve.

Leia a coluna:  RISO

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

COROLÁRIO



Muita gente diz que não é verdade. Como é muita e não todas, eu, para contrariar, acredito. Agora aqueles que acreditam se me perguntam eu respondo que não.

Simples assim. Com isso aumento a minha capacidade de análise. Só de ouvir os argumentos de um e outro grupo, mesmo dos menos aparelhados, aproveito. No final, quase sempre fico em dúvida.

Melhor.

A dúvida é a mãe de todas as ciências. A dúvida é a mãe, também, do ciúme.

Diante de tudo que é, que se duvide e de com força. Nenhuma cerca barra.

Parece que toda enunciação científica parte de uma HIPÓTESE, prima da dúvida, portanto. No fundo, dúvida. Quando chega no c.q.d (como queremos demonstrar, para quem tem dúvida) ainda deixa possibilidades no ar, senão não haveria evolução científica.

No fundo o ciúme tem cabimento. Esse olhar de ontem dela para aquele sujeito no bar pode ter sido carregado de não-compreenderes, ou não? Diabos, o que ela está querendo com esse cara?

Portanto, a vida é em si, dúvida.

Nem mesmo a morte, como única certeza, mata a dúvida. Depois que formos, fica o para onde?

E então, não há certezas? Claro que sim. Podemos afirmar trivialidades, banalidades, obviedades sem dúvida. Agora, no todo o resto, não.

Alguém duvida aí que vai faltar água potável? Que ambos sabiam do que se passava na Petrobrás? Que tudo vai mudar para ficar do mesmo jeito? Que Fidel está vivo e que não confia nos EUA?

Alguém aí tem dúvida?

Não sei, não dormi direito essa noite. E o pior, eu não posso perguntar para ela se ela conhecia aquele rapaz. Mesmo que eu pergunte e ela garanta de pés juntos, ajoelhada sobre o milho, com lágrimas nos olhos, terço na mão e véu na cabeça...

Sempre tem uma sacanagem aí.

Num tenha dúvida.



Até breve.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

SODA



A excitação precede à ereção, assim como a existência precede à essência.

Foi a conclusão a que cheguei enquanto fazia uma sauna no final de semana. Não sem antes passar por Sartre e pelos enunciados do princípio ativo da pílula azul.

O vapor e a essência de eucalipto quase sempre me permitem avanços filosóficos de alta monta e, de quando em vez, deixo o recinto e corro em busca de uma caneta para registrar o achado, a descoberta pelo exercício do músculo cerebral.

A que serve a máxima?

Para uma gama de inúmeras finalidades. Eu poderia listar algumas delas e não o faço para não levar o leitor a sugestões que seguramente o atrapalhariam na procura, já que ereção e essência têm a ver com particularidades e singularidades.

Posso falar do meu caso, mas também não o farei por que já fui repreendido inúmeras vezes, inclusive em casa, por escrever aqui obscenidades cabeludas (tá vendo?) que me fizeram fugir inúmeros leitores mais pudicos.

A moral reinante, às vezes, me dá náuseas. A minha então, nem os falo, tem horas de eu não me suportar por dentro.

Ora, como falar, sem se desnudar, deixar tudo à mostra como a Origem do Mundo, o quadro no Louvre, ou será no D’orsay?

O nu é a evocação da ereção e da essência. Ou não?

Aí derivei para o masculino e o feminino. Não o macho e a fêmea, como pensariam os menos avisados ou ilustres néscios psicanalíticos. O feminino enquanto o buraco, o vazio, a falta, o desconhecido a ser procurado inúmeras vezes repetido.

Complicou? Explico.

Sem essa de procurar sentido na existência, ou fundamentos para suportar moral. O contemporâneo exorta o esculacho, e quanto mais passa o tempo, compreende-se menos a besta humanoide.

Vem aí a passos largos o choque das civilizações, cortando cabeças. O que resta são tentações que culminam em atentados. Na linguagem é o mesmo radical, portanto, essência.

Fora isso, balas perdidas. Efeitos dos 99%, protagonistas da desigualdade social. Nos últimos dez dias no Rio de Janeiro, doze vítimas.

Banal.



Até breve.

sábado, 24 de janeiro de 2015

INESTIMÁVEL



Vlad, na verdade Vladimir, meu filho – como encho a boca para dizer “meu filho” – foi, como todos sabem, responsável pelo advento do dasletra.

Não só pelo incentivo intelectual como também pelo fato de ter sido ele quem implantou a coisa na rede.

Há muito não me diz nada a respeito. Se bem que outro dia ele me perguntou, entre falas, se eu continuaria com minhas “janelas abertas”.

Apesar de tudo isto tive um certo dissabor com esse rapaz. É que na semana passada liguei eufórico prá ele e disse:

- Lé (apelido imputado por Pretinha), o blog deu mais de quatro mil acessos hoje, meu filho...

- Num pode, pai...

- Como num pode?

- Deve ser algum problema...

- Um ou mais de meus posts tornaram-se virais? Qual o problema? A glória? Não se preocupe, eu saberei viver com ela.

- Não pai, aqui, me dá um tempo que eu vou examinar o que pode ter acontecido. Qual é mesmo a senha do blog?

Ali começava meu dissabor. Ele já havia esquecido até a senha do administrador do blog. O pior, no entanto, estava para ser relatado quando fui visita-los (ele, Fá e Antônio) no início da semana.

- Pai, olhei lá o negócio do blog...

- Sucesso retumbante!!!

- Tem uns sites que entram nos blogs e geram milhares de acessos para captarem blogueiros interessados em aumentar a visibilidade dos posts e assim incrementarem...

- Como assim?!!!

- Eles têm um programinha, entram no seu blog e criam um pico nas estatísticas... Você detecta isto na “Origem de Tráfeco" no administrador e identifica os sites de entrada...

- Como assim?!!!

- Resumindo: os caras querem que você entre no site deles para te venderem um mecanismo que, em tese, aumentaria muito o número de acessos aos seus posts e...

Tenho pensado se não pode ter sido por vingança. Vlad nunca esquecerá o fato de eu ter lhe prometido uma espingarda de rolha. Ele foi mesmo capaz de, com uma sutileza mordaz, dar um tiro na bolha gigantesca do meu ego imbecil.

Hoje Vlad comemora aniversário.



Até breve.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

proCURA



Em excelente artigo publicado hoje na Folha de São Paulo Contardo Caligaris escreveu:

“Fala-se de liberdade de expressão como se fosse a mesma coisa que a liberdade de consciência. Prefiro fazer uma diferença.

A liberdade de expressão é um direito político pelo qual é possível lutar, mesmo que o preço seja alto. Já a liberdade de consciência é mais difícil de ser conquistada. Ou seja, os censores podem cortar sua cabeça, mas essa questão só surge se você faz um uso autônomo da mesma.

Os fundamentalismos podem inibir a liberdade de expressão, mas sua grande esperança é controlar a liberdade das consciências – fazer com que todos pensem igual.”

Acho que já trouxe aqui formulação filosófica que contempla a tese de que buscamos a três tipos de Bens: o da utilidade, o do prazer e o da pessoalidade. A comida, a bebida, uma cadeira, uma mesa, tudo de que me sirvo constitui-se em um Bem de Utilidade.

Em outro estágio da procura, é quando procuro extrair prazer, em alguns casos, do próprio Bem de Utilidade. Algum tempo atrás foi veiculada nas TVs peça publicitária de determinado refrigerante no qual uma adolescente gira o copo lentamente contendo o produto e a câmera foca as expressões extasiantes de seu rosto.

O Bem da Pessoalidade é a procura do Eu. Quem sou eu, se quiserem, pelo que sou determinado.

Em uma de suas últimas entrevistas o professor Paulo Freire brindou com um exemplo que me parece dá conta do Bem da Pessoalidade. Faço vínculo com o texto de hoje de Contardo Caligares.

“Eu estava preso no Recife em uma masmorra de um metro de largura e de profundidade por um metro e vinte de altura, vítima da ditadura militar. Recebia o alimento por uma fresta limiar ao chão por onde também entrava a luz. Apesar de toda a circunstância eu me descobri sujeito, Paulo Freire, ainda que silenciado.”




Até breve.

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

MELança



É assim.

Há uns quarenta dias inauguraram uma franquia de sorveteria próxima a uns cem metros do prédio onde moro. O gerente me disse que tem disponíveis perto de trezentos sabores de sorvete e sessenta de picolés. Todos de frutas. Há no cardápio, inclusive, sorvete assado.

Uma delícia.

Hoje começa Davos. Lá estarão as nações e as pessoas físicas mais ricas do planeta. Dizem que um tema que será abordado é a questão da desigualdade e que é inevitável a discussão pela sociedade da taxação da riqueza.

Ontem dois milhões setecentos e setenta e cinco unidades de consumo de energia ficaram mudas. Por força do racionamento de 5,0% de carga determinado pela Operadora Nacional o sistema entrou em colapso deixando às cegas e catatônicos zilhões de usuários. Inclusive hospitais, metrôs e, pasmem, sorveterias.

Começou a abertura do “saco de bondades” do ministro. Aumento do imposto sobre o crédito e taxação sobre compras de produtos importados. Vai subir também o preço da gasolina nas bombas. O Congresso (?) aprovou Lei que estabelece a correção de 6,5% da tabela do Imposto de Renda para pessoas físicas. A Presidenta vetou. Achou muito e baixará decreto passando para 4,5%.

O FMI dá sinais de que o Brasil merece crédito. Reduziu suas projeções iniciais de 1,4% para 0,3% o crescimento do país em 2015 e de 2,2% para 1,5% em 2016. Investidores internacionais, especialmente aqueles que vão à Davos devem estar eufóricos para incrementarem investimentos na nossa terrinha. Alguns, inadvertidamente vão acabar confundindo que o suicídio (?) do promotor foi em Brasília. Desinformados que são...

Rebelião em Recife. Fuzuê no Rio de Janeiro.

Saídas:

Sonhar que os trilhardários vão concordar com a taxação de seus trocados em espécie para colocar nas mãos dos administradores competentes e honestos dos estados nacionais que distribuirão a riqueza reduzindo os impostos das pessoas menos favorecidas e aplicando no desenvolvimento das condições de vida. Com isto poderão exibir-se pelas ruas com seus carrões importados e devidamente taxados.

Enviar WhatsApp para Deus reclamando de São Pedro, seu ministro das águas, que está fazendo chover nos lugares errados.

Regulamentar, a já existente, Pena de Morte no Brasil.

Aumentar os valores de recibos entregues na Declaração Anual do IR pagos a dentistas, médicos, hospitais e principalmente psicólogos, hoje os mais aceitos, face ao estresse.

Noninha, não sei por que, quando é exposta aos sabores da sorveteria prefere sempre o de uva.

No início a vida é doce.




Até breve.  

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

JANELA



- Onde você pegou isso menino?

- No monte, mãe...

- Já num te falei prá num ir lá...

- Eu tava com fome...

- Lá só tem porcaria... Dá doença...

- Os meninos todos vão...

- Num tem nada que presta lá...

- Eu comi um pão com carne grande assim ó...

- Já falei que é procê ir pegar dinheiro lá no sinal e comprar pão no treile ali de baixo...

- Todo mundo fecha os vidro... Ninguém quer dá esmola, não...

- Bate nos vidro, diz que você tá com fome, joga você na frente dos carro...

- Prefiro catar comida nos monte lá de cima...

- Tudo imundo...

- A gente passa na roupa e come...

- E isso aí, o que é?

- Num sei, peguei no monte.

- Chovê...

- Mãe é meu!

- Chovê o que isso menino! Pode ser uma bomba, canudo assim...

- Né não...

- Como você sabe?

- Já abri, tem um papel ai dentro...

- É... Que será isso?

- Leva para alguém que sabe lê, mãe...

- Fica aí menino... Vou lá na rua perguntar alguém no sinal...

- Num joga o canudo fora não, tá bom mãe?


No sinal, ela abriu o papel e expôs no vidro fechado de um carro parado. A motorista abriu o vidro.

- O que a senhora quer com esse diploma?

- Diploma?

- É, de Direito... De quem é esse diploma?


Fui marcado por um comentário de um(uma) leitor(a) em LIXO

A propósito, leiam matéria de hoje em RIQUEZA 




Até breve.

domingo, 18 de janeiro de 2015

FUNDAMENTOS



Tomo a liberdade de assumir licença poética sobre o texto de Thomas Piketty, O Capital no século XXI(*). Devo fazê-lo aqui outras vezes, para destilar minhas observações de momento.

Os trechos apresentados abaixo pertencem à Introdução do livro e foram coletados e organizados de tal sorte a me permitir os comentários de pé-de-página. As interpretações ficam por conta do leitor, como sempre.

Se deve sempre desconfiar de qualquer argumento proveniente do determinismo econômico quando o assunto é a distribuição da riqueza e da renda. A história da distribuição da riqueza jamais deixou de ser profundamente política, o que impede sua restrição aos mecanismos puramente econômicos.

A economia jamais abandonou sua paixão infantil pela matemática e pelas especulações puramente teóricas, quase sempre muito ideológicas, deixando de lado a pesquisa histórica e a aproximação com as outras ciências sociais. Com frequência, os economistas estão preocupados, acima de tudo, com pequenos problemas matemáticos que só interessam a eles, o que lhes permite assumir ares de cientificidade e evita terem de responder às perguntas mais complicadas feitas pelo mundo que os cerca.

A história da desigualdade é moldada pela forma como os atores políticos, sociais e econômicos enxergam o que é justo e o que não é, assim como pela influência relativa de cada um desses atores e pelas escolhas coletivas que disso decorrem. Ou seja, ela é a combinação do jogo de forças, de todos os atores envolvidos.

A dinâmica da distribuição da riqueza revela uma engrenagem poderosa que ora tende para a convergência ora para a divergência, e não há qualquer processo natural ou espontâneo para impedir que prevaleçam forças desestabilizadoras, aquelas que promovem a desigualdade.

As principais forças que propelem a convergência são os processos de difusão do conhecimento e investimento na qualificação e na formação da mão-de-obra. A lei da oferta e da demanda, assim como a mobilidade do capital e do trabalho (uma variante dela), pode operar a favor da convergência, mas de maneira mais intensa, e muitas vezes de forma ambígua e contraditória.

O processo de difusão de conhecimento e competências é o principal instrumento para aumentar a produtividade e ao mesmo tempo diminuir a desigualdade, tanto dentro de um país quanto entre diferentes países, como ilustra a recuperação atual das nações ricas e de boa parte das pobres e emergentes, a começar pela China.

Ao adotar os métodos de produção e alcançar os níveis de qualificação de mão-de-obra dos países mais ricos, as economias emergentes conseguiram saltos na produtividade, aumentando a renda nacional. Esse processo de convergência tecnológica pode ser favorecido pela abertura comercial, mas trata-se, em essência, de um processo de difusão e partilha do conhecimento – o bem público por excelência -, e não de um mecanismo de mercado.

O progresso da racionalidade tecnológica deveria conduzir automaticamente ao triunfo do capital humano sobre o capital financeiro e imobiliário, dos executivos mais habilidosos sobre os grandes acionistas, da competência sobre o nepotismo. Se assim fosse, a desigualdade se tornaria, por natureza, mais meritocrática e menos estática (embora não necessariamente mais baixa) ao longo da história: a racionalidade econômica, nesse caso, levaria à racionalidade democrática.

As forças de divergências são aquelas que garantem que os indivíduos com os salários mais elevados se separem do restante da população de modo aparentemente intransponível, ainda que por ora esse problema pareça um tanto pontual e localizado. São também, sobretudo, um conjunto de forças de divergência atreladas ao processo de acumulação e concentração de riqueza em um mundo caracterizado por crescimento baixo e alta remuneração do capital. Esse segundo processo é potencialmente mais desestabilizador do que o primeiro, o do distanciamento dos salários, e sem dúvida representa a principal ameaça para a distribuição igualitária da riqueza no longo prazo.

A história da renda e da riqueza é, portanto, sempre profundamente política, caótica e imprevisível. O modo como ela se desenrolará depende de como as diferentes sociedades encaram a desigualdade e que tipo de instituições e políticas públicas essas sociedades decidem adotar para remodela-la e transformá-la.


COMENTÁRIOS DE PÉ DE PÁGINA:

1.      Então, tendo presente Piketty, a Pátria Educadora, nas mãos do quarto ministro da Educação do atual governo produziu no último ENEM: dos quase seis milhões de jovens que compareceram aos exames do ENEM 0,0032% atingiram a nota máxima na redação e 8,19% receberam a nota zero. Em relação aos exames de 2013 a média caiu 9,17%.

2.      O atual ministro da fazenda (ou será de economia) declarou que a questão do desequilíbrio das contas de energia não serão mais resolvidos com o repasse da União para “salvar” as operadoras, porque o Estado teria que elevar impostos para viabilizar os recursos. A solução, mais democrática, será a de aumentar o preço da energia paga pelo consumidor.

Se considerarmos a questão endêmica da corrupção que solapa recursos e explicita caráteres e a competência técnica e a razão objetiva pela qual são escolhidos os mandatários da república em todos os setores, vamos nos distanciando a passos largos das oportunidades de desenvolvimento de um mapa mais razoável da riqueza e da renda.

Se entendi bem Piketty, as forças de convergência (entre elas a Educação) não garantem nada. A essencialidade está nos atores sociais.


Até breve.

(*) O Capital no século XXI/Thomas Piketty; tradução Mônica Baumgarten de Bolle. 1ª ed. – Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

ARCA



Penso que o episódio de Paris, todo ele, é mesmo emblemático.

Para além daquilo que contempla o atentado e, na sequência, a captura dos assassinos, as manifestações recorde contra as ações dos terroristas e até mesmo o debate se são apoiadas por todos os muçulmanos há, em minha opinião, algo ainda mais relevante.

Os mecanismos civilizatórios estão em agonia, a civilização se brutalizou de tal sorte que perdemos o controle dos atos. Não posso imaginar se em outros tempos, mesmo os mais remotos, fomos tão selvagens.

Há um gosto pelo sangue no ar.

Por todos os motivos, dos mais vis e hediondos aos menos justificáveis e compreensíveis, dos conflitos bélicos às revoluções sociais e étnicas, aos de trânsito nas grandes cidades do Terceiro Mundo (Brasil, em especial), por um celular ou tênis, por uma paquera à mulher alheia, por qualquer motivo, por qualquer razão, das mais torpes às mais insignificantes, estamos matando dizimando semelhantes e cada morte a cada dia torna-se mais banal.

Nenhuma perda significa.

A raça se mostra no contemporâneo incapaz de temer algo que a ultrapassa e possa puni-la na exata dimensão de seus feitos. Fosse eu afeto à religião, qualquer que fosse, desde a de Cristo, Maomé, Buda ou outros ícones, diria que a falta deles ou a fanática presença deles nos torna primitivos como nossos antepassados não o foram.

Quando temíamos aos raios e a outros fenômenos da natureza, depois explicados pela nossa ciência da razão, talvez não fossemos tão bestiais.

Triste constatação. Nem os horrores da Primeira Grande Guerra ou da Segunda, nem o terrível Holocausto, nem o Vietnam, nem todos os conflitos que você possa listar comigo agora têm a dimensão do que se mostra no tempo presente.

A morte do negro nos EUA que pedia ar, o assassinato dos dois policiais em seguida. O atropelamento intencional do amante da namorada de um jovem que culminou também com a morte de uma senhora inocente que dormia em sua casa. O assassinato do policial à jovem carioca.
Todo dia, a cada hora, selvageria pura.

Para além das questões econômicas se vamos ou não ter crescimento no futuro que implique em melhor distribuição de renda com a expansão do capitalismo o que devemos debater é algo que tem sido mais selvagem que a nossa ganância.

É nossos intestinos, nossa ira, nossa animalidade insana.

O coração sofre diariamente ao tomar contato com o que se passa. Falava aqui outro dia se eu deveria manter minhas janelas abertas. Noninha ontem, de passagem para o teatrinho onde foi com sua avó, entrou vestida de bruxa em meu escritório.

Até quando vamos conseguir fazê-la aprender sobre o temor pela fantasia?

Quão cruel seremos com nossos recém-chegados quando estivermos apresentando a eles a cena da cruel realidade?

Como dizer um basta ao grande inimigo desconhecido que inocula sobre nós o gosto de sangue?

Como conter o crescimento da barbárie e nos dar a chance de nos fazermos Humanos. Mesmo que retornemos à época em que éramos tão ingênuos que temíamos o trovão, o raio, a natureza.

Talvez Alá, Deus, sei Lá mais Quem, deveria começar tudo de novo.

Ou somos obra de Lucíferes?


Até breve.

EM TEMPO: Para ilustrar leiam: CRIANÇA

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

DIADORIM



Você já ouviu falar do Anjo de Hamburgo? Aracy Moebius de Carvalho (1908-2011) era uma brasileira que, ainda jovem recém-divorciada do primeiro marido (com quem teve um filho), saiu do Brasil em 1935 para morar com uma irmã na Alemanha, levando consigo a criança então com cinco anos de idade.

Lá passou a trabalhar como Chefe do Setor de Passaportes do consulado brasileiro onde, quando a perseguição promovida por Hitler apertou, decide ajudar judeus a emigrarem para o Brasil, contrariando o regime nazista e as circulares secretas emitidas pelo governo Getúlio Vargas. Foi, por assim dizer, a “Schindler brasileira”, já que suportou toda a pressão e os riscos inerentes de seus atos para fazer aquilo que considerava correto: salvar vidas, da maneira que lhe fosse possível.

Em seu trabalho, ela ajudou diversos judeus a desembarcar no Brasil, à revelia de sua chefia. Apesar das restrições determinadas por Getúlio Vargas a entrada deles no país, Dona Aracy usou de seus artifícios para conseguir fazer com que pelo menos uma centena de judeus fugisse da Alemanha.

Única brasileira inscrita na Avenida dos Justos entre as Nações, em Jerusalém, Dona Aracy morreu de causas naturais em 2011, na cidade de São Paulo, com 103 anos.

Pois é, eu também não sabia do Anjo de Hamburgo.

No sábado assisti no canal Arte 1 ao filme documentário dirigido por Caco Ciocler  “Esse viver que ninguém me tira” e me encantei.

Ciocler, que é judeu, diretor estreante, foi convidado quando o projeto já estava em andamento. Mais do que simplesmente assinar o filme, ele o assumiu para si e, a partir de então, o transformou. Em meio às pesquisas para o documentário, percebe elos impressionantes consigo mesmo. E, através deles, abre seu coração.

O documentário aos poucos se torna sobre Ciocler. Sem demérito algum, porque a transição não diminui os feitos do Anjo de Hamburgo e ainda ressalta características típicas da sociedade atual, fazendo refletir. Um filme delicado e que surpreende pelo rumo autoral da narrativa, tão bem revelado na desconcertante e singela cena pós-créditos onde Caco Ciocler tem uma conversa franca com seu avô.

Um detalhe nas agendas de Dona Aracy chamou a atenção da roteirista do documentário: “A suástica, símbolo nazista, aparecia em todos os meses da agenda. O que significava aquilo? Segundo pesquisadores, era a menstruação dela. Eu, como mulher, e não como judia, imagino que ligar o símbolo ao sangue era uma forma de falar da loucura que é menstruar”, analisa Alessandra Paiva, que teve acesso a mais de cinco mil documentos, guardados no Instituto de Estudos Brasileiros, em São Paulo.

A atuação de Dona Aracy não ficou restrita à Segunda Guerra Mundial. Durante a ditadura militar brasileira, ela escondeu o músico Geraldo Vandré na casa dela. No Instituto de Estudos Brasileiros, estão duas cartas do compositor de “Pra Dizer que não Falei das Flores”, em que ele agradece o tempo que permaneceu clandestinamente na casa da viúva de João Guimarães Rosa.

Sim, Dona Aracy conheceu o seu “amorzinho” em Hamburgo, onde ele era Consul Adjunto na Embaixada Brasileira.




Até breve.