Em infância era diferente.
Algo se passaria ao longo da
madrugada de 24 para 25. E para tanto semanas antes era necessário construir o
presépio. Minha mãe tirava do armário, embalados e colocados cuidadosamente em
caixas de papelão, os personagens.
O principal deles, o protagonista,
só era colocado à zero hora do dia 25.
Parece que algo acontecia entre os
membros da família. As desavenças, os mal- entendidos, as pendengas eram
deixadas de lado e a casa revestia-se de algo que na época chamava perdão.
Já na manhã de 24 estávamos todos
ansiosos pela chegada da noite quando nos reuníamos para a ceia, a Missa do
Galo, a colocação de Menino Jesus na manjedoura. A ligação das luzes do
presépio de três metros de largura por cinco de comprimento. Com seus
riachinhos, seus animais e na medida em que o tempo passava a aproximação dos
Três Reis Magos até o estábulo onde se dava a cena épica.
Exausto pela espera, com o coração batendo
forte eu aguardava tenso a colocação pela minha mãe da imagem do menino Deus,
não sem antes de ouvir todas as cantorias alusivas à noite e todas as rezas
pertinentes.
O natal não foi para mim época de
presentes, lembro-me de ter ganhado um carrinho-de-guia (foi feito pelo meu pai)
e que eu dividi com Getúlio, meu irmão dois anos mais velho do que eu. Outros presentes se houveram não me
lembro. Nem sequer uma bola de futebol, talvez.
Nos tempos presentes, Jesus perdeu
para Papai Noel. A prece hoje é dirigida ao consumo, à troca eufórica de todo
tipo de tranqueiras e a corrida é aos shoppings para visitar o big star, Sam Nicolaw.
Noninha tem medo de tirar retratos
com o “velhinho de barbas brancas todo
vestidinho de vermelho”. Será por quê?
Se quiserem saber, ilusão por
ilusão, eu fico com aquela vivida na infância. Estava revestida de maior glamour
e encenação, todos virávamos personagens de uma história com enredo e que
culminava na esperança de melhores dias.
E tudo durava até o dia seis de
janeiro, quando minha mãe, solenemente retirava o Menino Deus da manjedoura,
colocava-o delicada e respeitosamente na caixinha e o guardava junto às demais
imagens em um armário embutido da copa.
Sempre achei aquele armário algo de
sagrado.
Hoje, sem ilusões, nem Jesus e nem
Papai Noel fazem a minha cabeça. Os anos legaram-me um endurecimento de
espírito e a perda de significados para a data.
De qualquer forma eu fico com a
possibilidade do perdão, talvez como lenitivo. Perdoem-me, de público, todos com
os quais de alguma maneira faltei ou que não tenha sido segundo a expectativa.
De minha parte, não há ninguém,
felizmente, a perdoar.
Até breve.
Muito bom este post
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