No rádio o poeta canta que é pista vazia esperando aviões e eu,
comigo, balanço o tempo. O céu borrado de traços avermelhados anuncia que o
astro rei vem a qualquer momento inundar o dia.
Esgota-se mais uma quantidade
compartimentada da existência, estamos por alguns instantes para encerrar mais
um ano. É morno o passar das horas, apenas fermentado pela presença em casa de
crianças.
Afora as perdas inexoráveis, ganhos
expressivos. Olhando não enxergo tão bem como há um ano, claro que em pequenas
medidas. Mesmo com novos óculos, eu vejo que a visão se esvai, um pouquinho a
cada ano. No ouvido esquerdo o zumbido permanece azucrinando a escuta.
De ganho essencial, dois netos.
De fundamental algumas ilusões
renovadas trazidas do macro: um Papa que interfere; uma escola de jiu-jítsu em
Jerusalém que ensina crianças árabes, muçulmanas e judias a palavra convivência;
uma justiça no Brasil que assinala uma limpeza, ainda que à jato.
A minha esquerda, me aguarda O Capital no século XXI, de Thomas
Piketty, best seller que recebeu de Bill Gates o comentário: “Espero que seu trabalho estimule mais
pessoas competentes a estudar a desigualdade de riqueza e de renda. Quanto mais
entendermos das causas e curas, melhor.”
Epigrafe na introdução do livro de
Piketty: “As distinções sociais só podem
se fundamentar na utilidade comum” Artigo I, Declaração dos direitos do
Homem e do Cidadão, França, 1789.
Enunciado tão antigo quanto, a
propósito no Brasil, o loteamento de cargos para sustentar a governabilidade.
Trinta e nove ministérios e, entre eles, Aldo Rebelo na Ciência e Tecnologia.
Pobre país desinovado.
Aqui é de todo provável que
continuemos nosso espetáculo de
mediocridade, quando lá atrás nos prometeram um espetáculo de crescimento: é duro de engolir 0,13% este ano.
No micro, penso em incrementar o
labor profissional, também por conta das contas, que não são poucas.
No mícron, penso em continuar essas
catarses, destilar meus venenos arcaicos e sem eco, minhas angústias várias,
meus dissabores todos, meus olhares enviesados e desprovidos de fundamentos
lógicos.
Pro ano deve de ter novas
conquistas essenciais, uma helênica, quem sabe?
É o que dizem.
Até breve.
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