domingo, 21 de dezembro de 2014

ATRIZ



“Estou indo para Porto Alegre, de lá para Patagônia. Eu estou te deixando, Violeta. Se continuarmos juntos vamos nos destruir mutuamente... Eu não te amo mais... Eu não te amo mais”...

Em oitenta minutos de filme, Karin Aïmoz, inspirado na canção Olhos nos olhos de Chico Buarque e na majestosa e extraordinária interpretação de Alessandra Negrini, nos arrebata.

Abismo Prateado é um filme ímpar.

Boa parte das locações explicitam cenas em que a personagem de Alessandra, Violeta, está nas ruas, lugar do desamparo, do caos, da vertigem. Dos sons poucos ou estridentes, assustadores, nervosos, dantescos e perigosos como é o turbilhão de sentimentos vividos por Violeta depois de ouvir, no celular, gravação do marido com quem estava casada há mais de quinze anos.

Alessandra é uma mulher belíssima em sua dor da perda. Pungente, sanguínea, contundente, em um silêncio solitário e desesperado, ao longo de boa parte do filme, que só mesmo as atrizes especiais são capazes de transmitir enquanto personagens.

Ela está na academia de ginástica cumprindo sua rotina diária, quando ouve a gravação no celular. Sua vida organizada de mulher casada e mãe de um adolescente sofre uma reviravolta e é aí que Alessandra nos brinda com a evolução de sentimentos de uma mulher abandonada.

As horas subsequentes à notícia são filmadas em close permanente das expressões faciais e dos movimentos corpóreos da personagem. Ela gravita por lugares vários, perdida, enlouquecida, é atropelada por uma moto, sofre uma queda que lhe abre um corte na testa.

O filme em si é uma pérola de edição e montagem porque consegue retratar o trabalho magnifico de construção da personagem por Alessandra. A evolução do processo em que Violeta elabora a perda do desespero à, suponho, a aceitação é de riqueza artística sem par.

O cinema me fascina por isto. Há uma cena em que Violeta de frente ao espelho “fecha” o corte na testa com o uso de três pedaços pequenos de esparadrapo é de um valor simbólico acachapante.

O cinema me encanta por isto. Em noventa por cento do tempo do filme não há diálogos, apenas as expressões em close da atriz, e são extraordinariamente suficientes para encerrar uma linguagem que nos sufoca.

No epílogo, a música de Chico, nos joga a pá de cal.



Até breve. 

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