Amanhece. A câmera capta os dois
ainda deitados na cama sem mostrar os seus rostos. O braço dele envolve o corpo
dela, abraçando-a. As mãos dela acariciam com suavidade os braços do marido.
Ela tem oitenta anos e ele oitenta
e quatro. Vivem em Tel Aviv e têm um filho, nora e um neto recém-nascido que
vivem em Nova Iorque.
Naquele dia recebem a visita de uma
Assistente Social do governo que investiga as condições
físico-econômico-sociais do casal com o objetivo de analisar a renovação do
benefício da Previdência.
As cenas que tratam da entrevista
são contundentes e nos fazem refletir quando, inexoravelmente e todos,
estivermos em situação semelhante.
- “Eu tenho duas laranjas. Uma eu fatio em gomos e a outra eu descasco.
Quantas laranjas eu tenho”? Pergunta a pesquisadora.
- “Uma laranja descascada e uma laranja fatiada em gomos”.
- “Para quê isso?” Pergunta o homem.
- “É necessário para que eu possa concluir o processo”.
- “E se eu e minha esposa não quisermos responder”?
- “Não receberão o benefício”.
As perguntas se sucedem e, contra a
vontade de ambos, o casal responde a todas com acerto. Quando a Assistente
Social chegou a casa deles o marido é quem foi atende-la. A profissional disse
do que se tratar a visita e ele:
- “Ande logo que temos muita coisa para fazer hoje”...
Termina a entrevista e a Assistente
Social vai embora dizendo que fará todo o empenho para que o benefício seja
concedido. A esposa diz que irá à farmácia comprar seus remédios e o marido
permanece em casa para consertar um aparelho de TV.
O filme segue arrastado como o
andar do casal denotando simbolicamente o ocaso. Ele teria sido no passado um
ativista sindical e que, ainda hoje, entendia ser necessário fazer algo para “consertar o mundo”.
Passa o dia ligando para estações
de rádio pedindo para que divulguem o movimento de solidariedade que ele
coordenaria. Trata-se de um escambo de necessidades e potencialidades sociais
que iniciaria dois dias adiante com um grande encontro de interessados em uma
praça da cidade.
“A cada um segundo suas necessidades, de cada um segundo suas
possibilidades”. A máxima de Marx era a sua orientadora. Ele não
recebe acolhida e vai para as ruas fixar, nas vitrine de lojas, um cartazete de
convocação das massas.
Ela está na farmácia, pede os seus
remédios ao vendedor. No Caixa ela é informada do total da compra. Ela pede que
o caixa retire remédios a cada subtotal já que o que ela tem de dinheiro não
lhe permite comprar todos de que necessita. Acaba por levar apenas o remédio
para dormir, deixando a insulina, o da pressão e do diabetes no balcão.
Ao deixar a farmácia, o Caixa a
interpela na rua: “A senhora esqueceu
este aqui.”, passando-lhe uma caixinha de insulina.
Dali ela vai para um cinema
assistir Indiana Jones. Depois de terminada a sessão fica sozinha na sala de
projeções até ser convidada a sair pelo gerente da casa.
Ele está em uma loja de sebo para
tentar vender alguns de seus livros que carrega em um carrinho e o homem da
loja diz o preço que está disposto a pagar.
- “Como só isso? São os livros mais importantes que todos deveriam ler”...
- “Ninguém mais lê isso”!
Sai dali e vai a uma loja de
aluguel de roupas e negocia o empréstimo, por um dia, de um terno e um vestido.
Já em casa, ele conclui o reparo no
aparelho de TV e ao fazer o teste, ocorre um estouro e a queda da energia no
apartamento. Com o susto o homem é lançado ao chão, desacordado.
A esposa está em uma feira de hortifrúti
e é interpelada por um bêbado que pergunta insistentemente se a senhora teria
visto sua mulher. A cena dela abraçando o rapaz na solidão da feira é profunda
e emocionante.
Quando ela volta para casa encontra
o marido vagando pela casa com uma vela acesa na mão.
- “O que aconteceu”?
- “Estourou um fusível. Não consegui consertar o aparelho”...
- “Você e seus consertos! Ninguém quer mais saber! Nem seu filho suporta
mais suas loucuras. Nós não estamos em 1937. Ninguém quer saber mais dos outros...
eu já disse milhões de vezes”...
EPÍLOGO, filme que assistimos ontem
no canal MaxPrime. Assistam. O final é emblemático.
Até breve.