NÚMEROS

Ottomar, um exitoso empresário gaúcho, não é muito de dar presentes. Belo dia, no entanto, resolveu levar para um de seus dez netos algo que pareceu oportuno. Uma muda de limoeiro.

- Vô, mas era tudo o que eu precisava. Eu queria muito mesmo fazer limonada para vender aqui no condomínio.

Aos nove anos de idade, Lucca já está com o seu negócio praticamente maduro. Entrega, aos domingos, seus copos de limonada para a gurizada amiga.

Amigos novos são o que de melhor construímos em viagens.

Mas e Pequim?

Meu desejo era desnudá-la toda. Conhecê-la em seus meandros, nuances, tão bela, misteriosa, profana, exótica, perigosa se mostra. À maneira de seus inúmeros e imensos jardins (de até trezentos mil metros quadrados) mandados construir por imperadores, com caminhos tortuosos, estranhos, escondendo paisagens.

Pequim, que vi, impactou-me de quase perder o fôlego. Pelo caos e pela ordem, pelo contraste largo e profundo, pela grandeza e pela grandiosidade, pela diversidade, pelo antigo, pelo novo.

Capital, com vinte e dois milhões de habitantes e quase três milhões de bicicletas, de um país com extensão territorial maior, área cultivada menor e população sete vezes maior que a do Brasil.

Até a década de oitenta não a permitiam ver. Hoje é visitada por mais de quatro milhões de estrangeiros e quarenta milhões de chineses que vivem no campo (60% da população da China) ou de outras cidades que vêm conhecê-la e/ou desbravarem-na.

Em 1989 ela foi palco de uma das cenas mais chocantes da história recente da Humanidade, a daquele estudante que se colocou diante de canhões em uma das avenidas às margens da Praça da Paz Celestial.

A praça ocupa 440.000 m² e é vizinha da Cidade Proibida com seus 720.000 m² de área e que abriga o Palácio Imperial.

Para os chineses os números ímpares eram reservados aos homens. Assim 9 exclusivamente ao imperador, 7 para os membros da nobreza, 5 para os ministros, 3 para os funcionários e zero para o povo. Os pares: oito, fortuna; seis, felicidade; quatro, morte e dois sem significado.

Dai a razão pela qual o Palácio Imperial construído ao longo de 14 anos no Sec. XV por milhões de escravos tem 9.999 quartos.

O dormitório do imperador mede, no máximo, 12 m². Para os chineses nós, os humanos, temos uma energia interior que deve ser preservada, especialmente à noite, quando dormimos. Assim, o aposento deve ser de tamanho restrito para que não haja perda de energia.

Uma única mulher imperou no palácio. CIXI, pronuncia-se SHUSHI, imperou entre 1861 e 1908, portanto por 47 anos. Ela era viúva de um imperador que, apesar de ter mais de 200 concubinas, teve somente com ela um filho do século masculino.

Dominou o filho jovem até o falecimento precoce dele, quando então empossou um sobrinho para continuar mantendo o poder. O tal sobrinho veio também a falecer e CIXI escolheu outra criança de três anos de idade que veio a ser o último imperador. Dois dias depois da nomeação ela faleceu subitamente.

Em 1911 ocorreu uma das zilhões de revoluções que acabou culminando na expulsão do imperador para a Manjúria. Bertolucci filmou.

Em 1949 ocorreu outra revolução liderada por Mao Tse Tung que, assumindo o poder,  fundou a República Popular da China. O golpe aconteceu no dia 01 de outubro e, até hoje, é euforicamente comemorado pelos chineses como o Dia Nacional da China.

A cidade está enfeitada com suas lanternas vermelhas, flores espalhadas por todas as praças, jardins, prédios públicos e privados. Receberá para as festividades um milhão de turistas.

Quando Mao assumiu a China tinha 400 milhões de habitantes dos quais 90% eram de analfabetos. Em 1976, quando morreu no dia 09 de setembro (09 do 09), Mao deixou a nação com 900 milhões de habitantes dos quais menos de 20% eram de analfabetos.

Hoje, anualmente, nos dias 05 e 06 de junho, 5 milhões de chineses concorrem à uma vaga nas universidades, a maioria e as melhores pertencem ao Estado. 40% deles ingressam.

O que aconteceu em 1980? Nova revolução que muitos não sabem como classifica-la, se socialista ou capitalista. Para o líder do partido na época – quem se interessará pelo nome? – não tem a menor importância que regime. Para ele se o gato é preto ou branco, não interessa. O que importa é que ele coma o rato.

Desnudar Pequim é a mais pura tolice, fazer registros históricos mais ainda. As emoções sentidas aqui são inenarráveis como a que vivi quando subia as escadarias para ter acesso às muralhas.

Iniciadas a construir pelos idos do ano de 700 a. C. até o século XV atingiram 7.000 km de extensão, com seus oito metros de altura e cinco de largura. Hoje 90% estão destruídas.

Ao longo de toda a estada passeando pelas suas imensidões e ouvindo as infindáveis histórias e lendas dos guias, visitado palácios, templos, casas de chá, andando nos triciclos pelas ruelas do bairro histórico de Pequim (220 anos) uma reflexão me acometia.

A desnatureza humana e seus mais extraordinários descalabros.

Os chineses estão projetando a linha servida por Trem Bala que ligará o país à Europa. O mundo cada dia se torna menor e alguns de seus imperadores deveriam dormir em aposentos de 12 m².

Por outras razões, claro.

A mim não importa qual a grandiosidade de suas extensões, mas se jovens como Lucca assim como meus netos encontrarão espaço para fazer sua oito e, antes de quatro encontrar a seis e, sobretudo, que a vida deles não resulte em dois.

Até breve.

OBS.: Considerem, por favor, as condições adversas (maratona, fuso e pouco tempo livre) para redigir além da impossibilidade de editar o blog. Na China o acesso às redes sociais é proibido.