quinta-feira, 23 de outubro de 2014

ATENÇÃO



Nofundonofundo – adoro essa expressão, especialmente escrita assim, junta – todos mentem. Estudiosos concluíram que não conseguiríamos nos manter vivos, não fosse a mentira.

A mentira não é a negação de uma suposta verdade, não. A mentira não depende de uma verdade para existir. Ela tem vida própria, desvinculada, autônoma e soberana. A verdade é única, concreta, insofismável, absoluta, portanto, chata, incômoda, desnecessária.

A mentira está viva sempre, enquanto a verdade é a morte, porque acabada, conclusa, definitiva. A mentira é infinita, enquanto a verdade é pouca. A mentira é eterna, porque se transforma em outra e mais outra e outra ainda, não aquela inicial, mas outra e outra ainda e diferente e outra.

Enquanto a verdade fica ali, a mentira se movimenta, se altera, muda de corpo, de espírito, de conformidades, de vestes, de cores e de odores. A mentira segue, a verdade, estática, paralisa.

“Eu não acredito em Deus”, não é propriamente uma mentira porque haja um Deus. É uma divina mentira porque eu digo que não acredito. Porque quando digo que não acredito é uma tremenda e extraordinária mentira.

“Eu te amo”, não é propriamente uma mentira porque eu não te odeie, ou porque você seja indiferente para mim. É uma mentira exatamente porque você diz e o amor, não é algo sobre o que se fale.

“Essa é que a verdade”, não é propriamente uma mentira porque existam outras verdades. É uma mentira porque é a única verdade que consigo dizer, portanto, que se calem.

Se acreditarem em tudo que disse até aqui, digo que não disse.

A mentira, portanto, tem glamour e soberania. É viva, porque mutante, sóbria e ébria conforme as suas conveniências, aguda, limpa, bem dita e bendita, mau dita e maldita, contundente e absurda.

A verdade é um saco. Vazio.

A mentira é tudo que podemos sobre o passado, o presente e o futuro. Posso construir um passado, posso me ver no presente, posso construir um futuro. Que quiser e quantas vezes quiser. Na mentira, santa possibilidade.

A verdade não.

Portanto, que se preserve a vida, portanto, a mentira essa dádiva. Que se abolha definitivamente toda e qualquer verdade, mesmo as dos fatos incontestes, presenciais e coletivos. Que não haja nada que não seja outra coisa e que possa ser contada de diferentes e todas as maneiras, que todos não acreditem, porque mentem, que seja eterna posto que é fluída.

Que a mentira governe, que a verdade falte, porque é dor e está morta. Que todos possamos mentirmos e mentir descarada e cotidianamente, a cada dia com uma mentira nova encorpada, manchetosa, cheia de contornos e fragrâncias, porém tênue, para que amanhã possa vir outra e depois de amanhã outra ainda.

Que a verdade desapareça, definitivamente. Para que possamos viver nossa infinita loucura, para podermos continuar dizendo em alto e bom som, eu acredito em Deus e eu te amo.

No domingo, eu não vou votar em Dilécio. Eu sou disléxico.

Essa é que é a verdade.




Até breve.

4 comentários:

  1. A troca (ou ate a alternância) de governo eh salutar e um bom "lembrete" de que vivemos numa Republica.
    Abcs,
    Carla

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  2. Que a verdade falte. Saia de cima do muro e escolha exercitando seu direito democrático. Abraço.
    Tereza

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