O que afinal faz com que um cresça
e se desenvolva e outro que estagne e patine? Do que se constitui um povo que
diante de uma absoluta escassez, derrota física, moral e econômica se refaz de
cinzas de outro que vive na abundância de recursos e não consegue encontrar-se
e constituir-se?
Num deu prá vê-lo. Um aglomerado de
nuvens caprichosamente tratava de encobri-lo parcialmente ali para acima da metade
do seu majestoso corpo rochoso e vulcânico.
O Monte Fuji, símbolo do país com
3776 metros de altura, é um dos 80 vulcões existentes no Japão e se encontra inativo
desde 1707. Há épocas em que se promovem corridas até o topo. Um homem de 108
anos de idade e uma mulher de 85 já realizou a façanha.
A seus pés são formados lagos com o
degelo das águas que filtram por suas cavidades vulcânicas formando um cenário
mais do que deslumbrante. Os antepassados contavam às suas crianças lendas de
que em um desses lagos vivia uma dragão malvado. Uma vez um monge budista fez
orações ao longo de três dias inteiros e, no quarto dia, o dragão surgiu e
disse ao monge que nunca mais faria mal a ninguém e, a partir dali, protegeria
os habitantes de todos os povoados existentes às margens do lago.
Em 1964 o imperador Hirohito
inaugurou a via férrea sobre a qual voa, literalmente voa, o trem bala. De novo:
1964, há cinquenta anos, começou a aparecer a revolução. Viajamos nele de Tóquio
à Quioto, ou Kioto, como queiram. Faz quatrocentos quilômetros por hora a
coisa.
A estação em Quioto dá a dimensão
da resultante que foi o esforço dessa raça comoventemente humilde, pujante,
acelerada que pela manhã, ainda em Tóquio, assistimos dirigindo-se em massa trajando
calças pretas e camisas brancas de mangas longas irem para o trabalho. Milhões
delas deixando estações de metrôs e, em silêncio, circunspectas e determinadas em
direção aos seus escritórios, fábricas, repartições, lojas de comércio.
À noite fomos jantar na estação
ferroviária e pude conhecer melhor o lugar. Uma arquitetura construída em
estrutura de aço distribuída como são as vestes do povo, múltipla, aparentemente
desforme, desconexa, exótica. Doze andares acima do solo e outros tantos
subterrâneos que dão acesso aos terminais de embarque e desembarque. Do centro
do edifício para o lado oposto que margeia a linha férrea não há cobertura e
uma cascata de doze escadas rolantes gigantes cada uma com a extensão de uns
cinquenta metros fazem o acesso aos andares onde se movem centenas de milhares,
milhões de pessoas todos os dias.
Além de seus cento e vinte
restaurantes todos iguais e absolutamente diferentes com as refeições expostas
nas vitrines feitas em, suponho resina, que retratam fielmente os pratos que
são servidos existem centenas de lojas que vendem de um tudo.
Em uma segunda-feira, como hoje à
noite, todos - literalmente todos - os restaurantes estavam lotados. No Japão
trabalha-se o dia inteiro como budista e à noite goza-se como xintoísta.
Por volta das vinte e três horas durante
a caminhada de volta para o hotel que fica próximo à estação, me fiz a pergunta
com a qual inicio este post.
Cada povo escolhe seu dragão e faz
para si a história que merece.
Até breve.
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