sábado, 30 de agosto de 2014

TREPADAOUTRA



Vou contar uma outra estória para vocês.

Era uma vez um reino e, por conseguinte, uma Rainha.

A Rainha tinha dois filhos, uma menina e um menino. Ocorre que, na verdade, somente o filho era legítimo. Uma outra menina, filha de uma vassala qualquer, foi colocada no berço logo depois da Rainha ter perdido a filha no parto. Ao nascer a criança, o Rei foi informado que se tratava de uma menina e reagiu violentamente aos gritos. “Eu queria um varão!” Constatada a morte prematura da criança que acabara de nascer a aia da Rainha tratou imediatamente de substituí-la por outra menina. “Majestade, assim o Rei acreditará que a senhora poderá ter outros filhos e que estes vingarão...” O menino nascera em um período de ausência do Rei que estava lutando pela manutenção do poderio do reino.

Enquanto o Rei esvaia-se em sangue à frente das batalhas, e nos intervalos participava de altos bacanais com mulheres trazidas a seu pedido, a Rainha se desdobrava para dar todo o carinho e atenção à filha, o que também lhe dava um alento. Não pela ausência do Rei. Mas pela paixão que nutria pelo cunhado, irmão mais novo do Rei, por quem desde a primeira vez que o viu quando chegou àquele reino trazida pelo pai, Rei de reino conquistado pelo futuro marido. O pior é que a Rainha era desesperadamente correspondida pelo cunhado.

Inúmeras vezes, especialmente durante as refeições, o cunhado a comia vorazmente com os olhos e ela se queimava toda. O Rei distante há meses. A cada refeição ela se acabando toda até que numa noite qualquer e apenas naquela noite, apareceu em pelo nos aposentos do cunhado.

Meses depois daquela noite, ao vesti-la, a aia pressentiu que algo crescia no ventre da Rainha. Sem dizer nada para sua Alteza tratou de contratar seis vassalos que à noite encapuzados entravam no castelo e iam, acompanhados pela aia, até próximo aos aposentos de Sua Majestade. Tratou de espalhar a notícia reino-a-fora de que inúmeros homens todas as noites iam estar nos aposentos para divertir a mulher dadivosa.

Para que os seis homens contratados não dessem com a língua nos dentes ameaçou-os de que, se isto acontecesse, ela mandaria cortar dois dos membros sexuais de todos eles.

Quando o Rei retornou do ciclo de batalhas não acreditou no que diziam fora do castelo. Quis saber da boca da própria esposa de quem era o filho. Uma Rainha diz. Ela confessou o imenso amor que nutria pelo irmão do Rei e que, em uma noite de demoníaca fragilidade da carne, teria ido ao encontro do amado.

“Quantas noites?” “Uma única noite, meu rei...” “Quantas vezes?” “A noite toda, meu rei...” “Ele é melhor do que eu?” “Por uma única vez, meu rei, não é possível comparar”...

A campanha recente de conquistas do Rei impunha que mandasse pessoas de sua maior confiança para que assumissem os reinos então conquistados. O Rei viu nisso uma oportunidade para resolver dois incômodos. A ocupação daqueles novos reinos e eliminar a possibilidade da Rainha ter outros momentos com o irmão para, afinal, encontrar parâmetros de comparação.

Poucos meses depois, quando retornava da missão o irmão do Rei foi vítima de uma emboscada. “Foi você que mandou mata-lo, covarde!” Teriam ouvido os serviçais os gritos da Rainha enquanto Sua Alteza quebrava todos os cristais de seus aposentos, arremessando-os contra o Rei.

Depois deste período o reino experimentou um longo tempo de paz, o que permitiu ao Rei ocupar-se integralmente com sua sucessão. Sim, porque não haveria de ser seu sucessor a menina, por razões óbvias. O menino estava fora absolutamente da parada. Mesmo que sendo seu sobrinho, o Rei optou pela crença de seus vassalos de que Sua Alteza não passava de uma vadia.

A Rainha entrou em depressão profunda, sem saber aquilatar o que mais a fazia sofrer. Se pela perda do amado ou se pela ausência do Rei na formação de seus filhos, isto é, de seu filho e de sua filha adotada.

Esta situação agravou-se ao extremo quando, anos depois, o Rei tomou a decisão de quem governaria o reino seria alguém escolhido pelo Povo. A Rainha, em desgraça, seria enxovalhada, senão queimada em praça pública como uma devassa. Na noite em que as ruas estavam repletas de alvoroço produzido pelos vassalos que se convertiam em Povo, a Rainha evadiu-se levando consigo o filho do cunhado do ex-rei e a filha de uma cidadã qualquer.

E assim foi o que se deu.

Há na História mineira - ou será estória? – um representante antológico da Política que dizia: “O que importa não são os fatos, mas a versão que se dão aos fatos”.

Qual será a da aia, e do cunhado? E a sua?

Até breve.


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