sexta-feira, 29 de agosto de 2014

TREPADA



Vou contar uma estória para vocês.

Era uma vez um reino e, por conseguinte, um Rei.

O Rei tinha dois filhos, uma menina e um menino. Ocorre que, na verdade, somente a filha era legítima. O menino nascera em um período de ausência do Rei que estava lutando pela manutenção do poderio do reino.

Quando retornou aceitou o menino até porque, na época, as despesas – inclusive com aulas de inglês, futebol ou basquete, natação, reforço escolar, eram todas custeadas com recursos do reino, portanto, dos vassalos.

Enquanto o Rei esvaia-se em sangue à frente das batalhas, a Rainha preenchia seu tédio divertindo-se a valer com o que havia sobrado de homens que não foram deslocados para as fileiras do exército.

Depois deste período o reino experimentou um longo tempo de paz, o que permitiu ao Rei ocupar-se integralmente com sua sucessão. Sim, porque não haveria de ser seu sucessor a menina, por razões óbvias. O menino estava fora absolutamente da parada.

Rei é filho de Rei.

Portanto, o Rei saiu à caça daquele que, não tendo o seu sangue, deveria ter algo que pudesse compensar e de forma inquestionável esta prerrogativa. Até porque todos do reino sabiam que o menino não era filho do Rei e muito menos de quem era, já que a Rainha teria recebido à alcova zilhões de vassalos. Más línguas diziam que, também, vassalas.

Durante anos o Rei pesquisou, em todos os rincões do reino, aquele que poderia vir a ser, quando da sua falta, o seu sucessor. Entrevistou milhares de jovens de diferentes linhagens e, por mais que procurasse, não via em nenhum deles um Rei.

Recebeu inúmeros pedidos de mulheres, inclusive algumas integrantes do rol de celebridades, que fariam de um tudo por uma rapidinha conceptiva. O Rei, como todo Rei, negou.

De parentes, nem se fala, um horror. “Mas como? Ele é filho de seu primo, neto de seu tio?” Sem chance. Rei é filho direto de Rei.

A angustia, quase desespero, na medida em que o tempo passava e nada de encontrar seu sucessor, foi desgastando o Rei e as pesquisas de satisfação dos vassalos com sua governança apontavam índices preocupantes.

O Rei consultou assessores, especialmente aqueles que até então não haviam eles próprios se candidatado ao posto. Vários apontaram a solução mais óbvia, que o Rei tentasse outro filho com sua Rainha. Ocorre que, desde que retornara das batalhas e sabedor das estripulias gozosas de sua Rainha nunca mais pôs um olho sequer na mulher e muito menos outro membro indispensável à cópula.

Muito bem, pesquisado o reino, consultados os sábios de plantão, negados todos os pedidos pelas mais complexas e consistentes razões sob o juízo do Rei, afinal Ele concluiu por uma decisão imediatamente acatada por todos.

O Rei seria escolhido, em escrutínio direto, por todos os seus súditos. Para o Rei, doravante, o reino seria governado pelo Povo e para o Povo.

E assim foi o que se deu.

Alguns acreditam que nascia ali o que hoje se nomeia como a velha política ou, lembrando o Rei, questionam seus adversários na corrida pelo reino com o argumento de que governar não é para amadores.

“Ah, que saudade do Rei”, dizem outros.

Pobre do reino.



Até breve.

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