quarta-feira, 6 de agosto de 2014

FILHOS



Lembram de que meses atrás eu inventei de fazer uma seleção de cem posts, publicar livros com perspectivas de disputar o Nobel de Literatura de 2042 e irmos busca-lo em Oslo, eu vestido como uma libélula?

Pois é, até agora deu em nada aquele projeto.

Estou achando mais fácil tornar-me libélula do que editar livros e quando completar meus noventa anos ser reconhecido internacionalmente pelo gigantismo de minha obra.

No fundo, de certa forma, isso traduz um pouco do que, depois dos sessenta, eu tenho pensado e me ocupado. Tô pouco me lixando para compromissos de qualquer ordem, inclusive este de natureza intelectual.

Chutei o balde, literalmente. Tem também desilusão, mas é sobretudo por uma questão de escolha.

Segunda-feira assisti o Juca de Oliveira no Roda Viva. Ele está beirando oitenta anos e encenando, sozinho no palco, O Rei Lear, de Shakespeare. Em dado trecho do programa Juca diz de forma taxativa que nunca, jamais, em tempo algum um pai deve passar em vida o seu patrimônio para seus filhos, sob pena de, quando idoso, ser lançado por eles em asilo ou, como é chamado hoje, Casa de Repouso.  

A que ponto chegamos na questão de valores.

Não vou disputar Prêmios Nobeis de coisa alguma! Imaginem eu com noventa anos caquético e débil, todo ornado em libélulas vestes adentrando uma casa de repouso de periferia com minha plaquinha de Oslo e meus filhos e netos, claro, saindo dali todos em suas BMWs ou Naksumas de tetos solares e com destinos programados em computadores de bordo conquistados com minha polpuda herança.

Sem chance!

Vou continuar acreditando que o legado já está constituído, e a imortalidade do autor está nas escolhas de suas crias, independentemente quanto de valor autorizado pelo vil metal elas tenham amealhado ou conquistado.

A obra está posta.

E só por força desse privilégio hoje posso me ocupar de questões outras. Meus filhos me proporcionam a tranquilidade de poder pensar para além de meu seio familiar, enquanto ocupação ou preocupação.

Posso pensar e escrever sobre algo que me transcende, sobre mundos outros que me acometem, questões que me indignam ou que me angustiam. Posso pensar e escrever sobre o que se passa para além de nós mesmos, ocupando-me de Sírias, Iraques, Áfricas e/ou políticas e outras mazelas nacionais.

É que Vlad estará viajando no domingo e, por força disto, hoje à noite, meus filhos vão fazer um jantar em minha homenagem na casa de Pretinha para comemorar o Dia dos Pais.

Deles eu já tenho minha plaquinha. Minha herança já está neles.




Até breve.

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