“Na realidade o suborno
sempre existiu, o acordo também, as negociatas, idem. O que está pior, então?
Depois de muito espremer o cérebro, convenci-me de que o pior é a resignação.
Os rebeldes passaram a semi-rebeldes, os semi rebeldes a resignados. Não se
pode fazer nada, dizem as pessoas. Antigamente só usava de suborno aquele que
queria conseguir algo ilícito. Até aí tudo bem. Agora aquele quer quer
conseguir lícito também precisa subornar. E isso quer dizer confusão geral.
A resignação, porém, não é
toda a verdade. No princípio, foi a resignação; depois, o abandono do
escrúpulo; mais tarde, a co-participação. Foi um ex-resignado quem pronunciou a
célebre frase: ´Se os de cima levam o seu, eu também quero o meu´. Naturalmente
o ex-resignado tem uma desculpa para a sua desonestidade: é a única forma para
que os demais não levem vantagem. Diz que se viu obrigado a entrar no jogo,
porque do contrário seu dinheiro valeria cada vez menos e a cada passo mais se
fechariam os caminhos retos a seguir. Continua mantendo um ódio vingativo e
latente contra aqueles pioneiros que o obrigaram a seguir esta rota. Talvez
seja também o mais bandido, porque sabe perfeitamente que ninguém morre de
honestidade.”
Este é um trecho do livro A trégua, publicado pela
primeira vez em 1960 e que deu ao seu autor, o uruguaio Mário Benedetti, renome
no cenário internacional das letras. Estava lendo-o quando decidi ir à padaria
para comprar o lanche da tarde já que Pretinha estava em casa fazendo-nos uma visita.
Quando voltava da padaria, um bêbado me deteve no meio da
rua. Não protestou contra o governo, nem disse que eu e ele éramos irmãos, nem
tocou em nenhum dos inumeráveis temas da embriaguez universal. Era um bêbado
estranho, com uma luz especial nos olhos. Me tomou pelo braço e disse, quase se
apoiando em mim: “Sabe o que acontece com você? É que não vai a lugar nenhum”.
À noite assisti ao debate dos presidenciáveis. Por volta da
uma da madrugada, terminado o debate, fui dormir. Não sem antes de me lembrar
da cena em que me encontrei com o bêbado na rua.
É que outro sujeito que passava naquele instante me olhou com
uma alegre dose de compreensão e até me consagrou uma piscadela de
solidariedade. Passadas sete horas do ocorrido eu me sentia intranquilo, como
se realmente não fosse à parte alguma e somente naquela hora me houvesse
inteirado disso.
Deve ter sido horrível viver no Uruguai nos idos de 1960.
Ou a trégua não passa de uma obra de ficção?
Até breve.
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