quinta-feira, 17 de julho de 2014

DESALEGRIA



Ouvi essa, ontem:

No hospício um enfermeiro vai aos aposentos de um dos internos para lhe entregar uma correspondência e vê o insano, solene, abrir o envelope e tirar uma única folha de papel. Em branco.

- Quem te enviou?

- Meu irmão.

- Mas ele não escreveu nada...

- É que não estamos nos falando.


Saramago em entrevista de dezembro de 1998, publicada na Revista Cult, no. 1, Ano 17, Janeiro de 2014:

“Deixa-te levar pelo menino que foste... Porque, na verdade, de nada eu gostaria mais – ou de poucas coisas eu gostaria tanto – do que passear pela rua, não levando pela mão o menino que fui, mas sendo levado pela mão do menino. Se eu pudesse recuperá-lo, tê-lo agora mesmo, quanto eu gostaria. Vocês podem pensar: mas que ideia estranha é essa, você é ele e ele é você. Não, eu sou ele, mas ele não sou eu. Um deles não conhece o outro; e o fato de que um deles não conheça o outro me perturba. E por isto eu digo: deixa-te levar pelo menino que foste. Talvez o menino, supondo que os meninos não são maus – alguns são péssimos, claro -, fosse capaz de, na hora que vamos fazer uma coisa errada, de puxar pela nossa roupa e dizer: não faça isso.”


Hoje, recebi de Lozinho uma folha de papel.

Em branco.




Até breve.

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