sábado, 28 de junho de 2014

VÁCUO



Muita gente, inclusive mais próximos, considera que foi numa quarta-feira, 29 de agosto. Para a polícia, no entanto, com seu corpo de peritos afirma que não, foi numa terça-feira, 30 de julho. Não façam as contas, talvez não bata.

É que tudo não passa de um surreal acontecimento na vida de uma hipotética personagem sem estória. Começa assim no vácuo da expectativa da narrativa e vai evoluindo até um desfecho meio sem sentido para que o leitor construa sua própria ficção.

Mas, espere, também não é bem assim. Para quem quiser pode procurar os laudos periciais que estão arquivados na delegacia do 5º Distrito da Polícia Civil de uma improvável cidade.

Ou, então, procure testemunhas dos fatos, que não são poucas, criadas ao gosto para quem queira mesmo saber se são verídicos os fatos.

Vamos supor, em um primeiro momento, que se deu assim.

Duas pessoas, não importa nem o sexo, nem a profissão, nem mesmo a cor dos cabelos ou a estatura, encontraram-se em um bar da zona sul da cidade.

Ali estabeleceram um primeiro contato. Depois que tomaram umas, outras e algumas mais, saíram de mãos dadas do estabelecimento. Uma delas parou em um canto escuro para tirar água do joelho.

A outra sentou-se no meio-fio, colocou um dedo na garganta para aliviar-se do que já lhe era muito. A que tirara água do joelho foi ao encontro da que regojitara e a levantou puxando-a pelos braços.

- Vamos embora, disse.

- Para onde? Indagou a outra soltando uma estridente gargalhada.

Alguns metros adiante foi a que tirara água do joelho que apoiou-se em uma árvore e aliviou-se do que lhe era também por demais.

- Agora, como eu, você vai se sentir melhor.

Mais tarde, dizem os laudos e testemunhas, foram vistas sentadas em um banco de praça, uma com as pernas sobre as da outra e abraçadas.

- Você tem algum dinheiro? Teria perguntado uma à outra.

- Nem um puto! Respondera às gargalhadas.

- Vamos assaltar a padaria?

- Com que berro?

Na verdade foram a uma loja de conveniência de um posto de gasolina. Uma das personagens simulou que tivesse uma arma colocando o dedo médio debaixo da blusa.

- Aí perdeu! Passe o troco, meu!

A que tirara água do joelho em um canto escuro horas atrás, ficou na porta vigiando o movimento.

Ocorre que o caixa da loja, safo de tantos outros assaltos, percebeu o amadorismo sacou de uma arma dentro da gaveta e atirou quatro vezes na cabeça da que sentada no meio fio, horas atrás, tinha aliviado-se do que já lhe era por demais.

Desesperada a que tirara água do joelho saiu correndo ladeira abaixo e conseguiu safar-se com o coração aos saltos.

Um sargento da Rota relata nos autos que parou sua viatura para deter uma pessoa suspeita que descia uma ladeira aos gritos:

- Fudeu!!! Fudeu!!!


Detida ela teria dito onde morava, próximo dali. Quando os policiais entraram na casa encontraram as crianças: uma na poltrona e as outras duas em uma cama. Estranguladas.

sexta-feira, 27 de junho de 2014

ESPAÇO



“Use sua imaginação, mas cuide para que sua alma não se torne prisioneira dessa. Use sua imaginação para continuar idealizando o mundo em que você prefere existir, mas cuide para não se frustrar por ainda não estar aí.”

Em três anos de blog nunca fiquei tantos dias sem postar. Por quê? Não há nenhuma razão objetiva que justifique meu afastamento tão expressivo.

Talvez o marasmo que tomou conta por força da Copa do Mundo, com suas decepções, azares, surpresas e mordidas. Talvez a ausência de algum episódio no macro ou no micro do meu mundo que pudesse inspirar à post.

Mas e se usasse, como querem os astros, a imaginação, zelando para não ficar mais escravo dela do que já sou?

Eu diria.

Noninha está a pouco mais de um mês para completar dois anos de idade. Não produz frases completas ainda, mas faz registros surpreendentes de seu cotidiano e cobra de nós coerência e consistência em nossas promessas. Com ela a mentira tem pernas curtas.

Se combinar com ela é melhor cumprir, caso contrário ela expõe a constrangimento. Está sempre ligada no coletivo. Se inventarmos qualquer programa ela logo indaga: Tinzão vai? Mamãe vai? Dindinha vai? Vovó vai? E quando respondemos que alguém não vai ela exclama comovida: Tadinha.

Valentin, por sua vez, solta os seus primeiros grunhidos, dá suas primeiras risadas e suporta com certo pavor as investidas emocionadas da irmãnzinha.

Vêem, não é tão difícil a mim o uso da imaginação já que meu cotidiano junto aos meus netinhos são quase oníricos. Ficaram adormecidas minhas inquietações provocadas pelo olhar ao redor, esquecidas como se houvessem cessado.

Mas não, a estabilidade mórbida ainda se faz presente. Os fatos do cotidiano ainda se repetem sistemática e deliberadamente.

Vou dando um tempo a eles, como se pudesse imaginar um tempo distinto, para o qual inventaria outro texto. Sem me frustrar, contudo.



Até breve.

quinta-feira, 19 de junho de 2014

BOLA



Meu coração ficou triste, ontem.

Fui acometido entre os oito e os doze anos de idade (de maneira mais intensa, eu acho) por algo que me consumia sem saciar, que me tirou de todos os outros olhares e só queria que eu vivesse para ela.

Todos os meus pés descalços que andaram por ruas, também fugiram para gramados batidos de terra em terrenos baldios, campinhos de araques, ruas e ladeiras de pedra Pé de Moleque. Deixaram marcas indeléveis de dores e dores pelos tampos dos dedos ensanguentados cobertos de terra. Como herança ficaram unhas encravadas (dos dedões) porque não tiveram nunca oportunidade de crescer.

No dia seguinte eu estava lá à caça dela para correr-lhe atrás. Em que pesem as circunstâncias da época especialmente de minha zelosa mãe que me tentava impedir de todas as formas que eu fosse dragado pela paixão.

Já relatei isto aqui em outros posts, lembro apenas que entre os instrumentos de repressão havia o de me colocar vestidos de minhas irmãs para que eu não evadisse. Perdi aí a grande oportunidade de ser mais doce.

Desvencilhei-me de tudo e caí de quatro apaixonado intensa e desesperadamente. Passava horas nas ruas, procurando minhas turmas para jogar todas as peladas que pudessem haver no bairro.

Jogava bem, sei porque observava ao redor outros meninos comentarem ou mesmo adultos e sei deles porque o pé esquerdo na bola, um olho no gol e outro na iminente aproximação de minha querida mãe. Ela nunca conseguiu me pegar.

Ao final das tardes, início de noite, exausto ia embora por força de senha que minhas irmãs me levavam: “Mamãe vai te matar!”.

Foi essa paixão que vi ressuscitar em mim trazida por esta geração de meninos, não sem razão, patrícios de meus avós. Esses meninos que nos últimos anos ganharam pelos seus clubes ou pela Seleção Espanhola tudo e em todo lugar: local, regional, continental e mundial.

Esses meninos de coração valente.

Mel Gibson ganhou com este filme um Oscar, desbancando o magistral e, até então, desconhecido ator Massimo Troisi, do filme O Carteiro e o Poeta. Para quem não sabe: o Carteiro nunca existiu na história real do poeta chileno Pablo Neruda. Foi peça de ficção brilhantemente urdida pelo autor do livro Antônio Skármeta que inspirou o diretor Michael Radford à realização do filme.

Troisi faleceu um dia após o término das filmagens sem ter visto o filme editado, certo talvez de ter realizado seu grande sonho em vida: fazer algo que ficasse.

Isso é Paixão.

Foram irmãos nossos continentais, os chilenos, os algozes. Com uma alegria marota, meia louca, meia peladeira, governada por um careca baixinho argentino esses meninos enlouqueceram os quatros cantos do campo e demoliram uma Época.

Hoje derrotados amanhã voltarão a vencer, provavelmente, mas não acredito que os mesmos tornem a fazer o que já nos proporcionaram. Um ou outro, talvez. É pedir muito aos Deuses que já cumpriram seu papel.

Sim, porque estes garotos não são apenas eles, são todos aqueles que sabem o que é o futebol, o que é visceralmente o futebol, como uma poesia de Neruda. Esse é o lugar dos verdadeiros deuses, o da representação dos que padecem e sangram da mesma loucura.

Loucura inexplicável, inesquecícel, irrepreensível, magistral, perfeita traduzida pelo gol do menino australiano no segundo gol contra a Holanda. Meu coração disparou mais na hora. De madrugada acordei eufórico: eu fiz um gol exatamente igual no Clube Bom Pastor de Juiz de Fora. Quando saí de campo vieram, em tom de zombaria, querer beijar minhas chuteiras.

Benditos vocês todos meninos senhores da paixão que nos governa no mais fundo de nós; vocês que, como o poeta, vieram para nos embriagar de Alegria e Fascínio.

Trouxe da casa de Santiago de Pablo Neruda, transformada em Museu, um cartaz que mantenho fixado na parede da sacada que dá acesso ao meu quarto da casa de Santa Luzia.

ODA A LA ALEGRIA
...
No se sorprenda nadie porque quiero
entregar a los hombres,
los dones de la tierra,
porque aprendi luchando
que es mi deber terrestre
propagar la alegria.

Amanhece e o meu coração hoje é capaz de desviar o olhar e se colocar em outra direção. Hoje, Noninha vai inaugurar a pia com água instalada e saída encanada de sua casinha. Quero viver a experiência cada segundo como se fosse eu o autor do gol.



Até breve.

segunda-feira, 16 de junho de 2014

DESARRANSHUÁÁÁÁ



Desarranjo.

Acoplada à intestinal fica explosiva. Fui acometido por uma miserável, desprezível e flamejante bactéria que de tão vil, só é flagrada sob a mira de potentes lentes microscópicas.

Torrentes de líquidos em intervalos mínimos foram drenando paulatina e deliberadamente minhas energias, meu entusiasmo, meus quereres. Dói o corpo todo, a sensação é como se tivesse sido arremessado pela janela de um trem em alta velocidade e ao cair ainda descer rolando ladeira abaixo repleta de arbustos secos.

A única coisa que compensa é sentir-me querido. O que rolou de receitas cósmicas para atenuar ou mesmo erradicar a maldita bactéria está sendo estimulante. Coma biscoito cream craker, pão branco, banana prata, sopinha de batata baroa. Beba muita água, reidratantes, e agora em dose maiores porque tendo o médico receitado antibióticos para defenestrar a vil, é preciso tomar mais reidratantes porque o medicamento detona.

Repouse. Passe a pomada de Noninha, aquela roxa, ninja. Você vai ver, é passar e não lhe pelará mais os fundilhos.

Falando em minha netinha, desde quinta-feira não a via, havia até hoje a suposição de ser virose e, por medida de proteção, isolei-me em uma redoma. Noninha foi acometida desde a semana passada por uma conjuntivite e que todo dia ao se levantar dizia prá mãe: "O meu olho melhorô!!! O meu olho melhorô!!!".

Hoje, afinal quando ela veio com a mãe e Valentin face ao diagnóstico de ser bacteriana e não uma virose, logo que entrou em casa foi logo dizendo: “O olho do vovô melhorô!!! O olho do vovô melhorô!!!”.

Pobre do meu olho de baixo.

Mas eu tenho até motivos para me conformar. O que deverá ter sofrido Inesta, Xavi, Casillas e todos os outros encerrada a partida com cinco golaços humilhantes convertidos pela primorosa equipe adversária. Ou o revés histórico que vitimou em três tentos a um a nossa algoz de 1950.

Mais ainda: Cristiano Ronaldo, novo ícone para o que está sendo chamado de spornsexual, ao tomar a lavada de quatro, três dos quais do artilheiro da competição.

Pois é, ainda bem que podemos nos solidarizar com problemas maiores. Querem ver: leiam novamente o post anterior.

É ou não é?

Com todas estas compensações o meu olho até melhorou.



Até breve.

segunda-feira, 9 de junho de 2014

AIMAIGOD



Meu Deus como eu não soube disso antes, meu Deus?!!! Meu Deus a presidenta instituiu a democracia por força de decreto desde o dia 23 de maio.

O decreto 8243 institui a Política Nacional de Participação Social - PNPS e o Sistema Nacional de Participação Social - SNPS, e dá outras providências, com o objetivo de fortalecer e articular os mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre a administração pública federal e a sociedade civil.

Meu Deus?!!!

Para os fins deste Decreto, considera-se a mesa de diálogo - mecanismo de debate e de negociação com a participação dos setores da sociedade civil e do governo diretamente envolvidos no intuito de prevenir, mediar e solucionar conflitos sociais.

Como diretriz pétrea da PNPS: reconhecimento da participação social como direito do cidadão e expressão de sua autonomia.

Meu Deus?!!! Decretou-se o reconhecimento da participação social como direito do cidadão e expressão de sua autonomia.

São objetivos da PNPS, entre outros: consolidar a participação social como método de governo. Antes, então, não era direito e agora é lei: todos têm que participar.

Meu Deus?!!!!!!!!!!!

Que que estão fazendo, então, estes baderneiros, vândalos, despatriotas, desmancha-prazeres, que estão fazendo greve nos metrôs? Porque que não se adaptam ao método do governo que é o da participação?

Meu Deus!!!!!

Será que eles não lêem os atos do governo, não ouvem discursos, não acompanham a Hora do Brasil no rádio? O Brasil mudou e ninguém se apercebeu disto, mas por que, Meu Deus????!!!!

O governo decretou a solução de todos os nossos problemas, conflitos, mazelas, querências, deu o endereço do nirvana social. Se quiserem aí encabeçar uma comitiva para ir à Brasília, dentro dos procedimentos dos aparelhos do Estado claro, vou junto: como proposta aos membros do establishment por abaixo o Congresso Nacional e a suspensão definitiva dos processos de representação popular através de processos eleitorais.

Medidas outras decorrentes serão naturalmente implementadas na medida em que evoluírem os métodos empregados e a adoção dos mecanismos contemplados no aludido decreto.

Ainda bem que estamos no Brasil. Ninguém leva a sério o que vem de Brasília, alguns nem ficam sabendo, mas que é uma explicitação da vontade de quem está lá, ah isso é.

De muito o Brasil do lado de cá toca sua vida na medida das circunstâncias, topa até copa, vai torcer pela amarelinha, tomar uma, fazer baderna alucinada gritando palavras de ordem para cegos e surdos, acreditará que um dia vai ser tudo diferente.

Ah, Meu Deus!!!.



Até breve.

domingo, 8 de junho de 2014

PROGNÓSTICOS



- Quem ganha?

Perguntei, logo que entrei no carro, ao jovem motorista de taxi.

- Depende da Copa...

- Como depende?

- Se o Brasil ganhar ou perder...

- Você torce prá quem?

- Eu não curto futebol... Meu negócio é bicicleta...

- Mas você acha que nós temos chances?

- Acho que não, entra eleição sai eleição e tudo continua o mesmo...

- Você aposta em quem?

- Eu fui o terceiro lugar numa maratona internacional cross de sessenta quilômetros...

- No Brasil?

- Sim, eu não tenho condições de correr fora...

- Não tem patrocinador?

- Sem chances. No Brasil só rola pro futebol e o vôlei e olhe lá.

- É um esporte caro, não é?

- Em tenho três bicicletas que custam o preço desse carro...

- Pedreira...

- Mas eu acho que se der Brasil segue como está...

- E se não?

- Aí pode rolar mudança... O povo vai ficar muito chateado e vai descontar nas eleições...

- Você quer que dê o quê?

- Eu vou trabalhar nos dias dos jogos, num vou nem ver... Acho que dá Argentina, ou Alemanha... Qualquer um desses tá bom.

- Você vai torcer contra o Brasil?

- Torcer não, mas eu quero que ele perca...

- E aí vai dar o quê?

- Um desses outros ai...

- Quem?

- Dilma que não. E o senhor, acha que quem ganha?

- Acho que o Brasil tem chances.




Até breve.

quinta-feira, 5 de junho de 2014

ESCLARECIMENTO



Trata-se da expressão “estabilidade mórbida” cunhada por mim e que fiz uso no post de ontem.

Pincei, dos principais jornais de hoje, as manchetes abaixo:

·         PARLAMENTO SÍRIO DECLARA VITÓRIA DE ASSAD

·         GENOÍNO PODE CUMPRIR PENA EM CASA, DIZ JANOT

·         USUÁRIOS QUEBRAM GRADES NA ESTAÇÃO DO METRÔ

·         JUSTIÇA LIBERA R$2 MILHÕES DE EMPRESA LIGADA A CARTEL

·         KASSAB É CONDENADO E TEM DIREITOS SUSPENSOS, MAS PODE RECORRER

·         TÉCNICOS DA TAM E LAM AMEAÇAM CANCELAR VÔOS

·         PROCURADORIA DENUNCIA 60 PESSOAS POR FRAUDE NO SUS

·         CRACK VIRA EPIDEMIA EM PEQUENAS CIDADES

·         ACUSADO DE MATAR ZELADOR É SUSPEITO DE OUTRO CRIME

·       GOVERNOS E PREFEITURAS GASTAM QUASE O VALOR DE UM ESTÁDIO EM ESTRUTURAS PROVISÓRIAS PARA A COPA

·         PREFEITO CASSADO É NOMEADO SECRETÁRIO NA MESMA CIDADE

·         METADE DOS DETIDOS NO ESTADO NÃO FICA NA CADEIA

·         PARA AJUDAR PETROBRÁS, GOVERNO QUER MAIS ALCOOL NA GASOLINA

·         CARRO OFICIAL DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA É ROUBADO

·         MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL INVESTIGA EXTRAÇÃO ILEGAL DE PRATA

·  MOTORISTAS ENFRENTAM MANHÃ DE TRÂNSITO INTENSO E COM PONTOS DE LENTIDÃO

·         CORREIOS AGORA COBRAM R$12 SOBRE COMPRAS NA INTERNET JÁ TRIBUTADAS

O que torna a realidade mórbida é a estabilidade. Se o leitor abrir os jornais de anos atrás ou da semana que vem encontrará as mesmas manchetes, com pequenas variações de intensidade, volumes, crueldade, personagens. Na natureza dos acontecimentos nenhuma variação expressiva.

Não recomendo que deixem de ler jornais, antes pelo contrário, nos meandros do detalhe emergem nuances que podem levar a radicalidades. Se pesquisarem outros tempos verão.



Até breve.  

quarta-feira, 4 de junho de 2014

CADENTE



Um facho de luz
Que a tudo seduz
Por aqui
Estrela cadente
Reluzentemente
Sem fim

E um cheiro de amor
Enfestado no ar
A me entorpecer
Quisera viesse do mar
E não de você

Um raio que inunda
De brilho
Uma noite perdida
Um estado de coisas
Tão puras
Que movem uma vida

E um verde profundo
No olhar
A me endoidecer
Quisera estivesse
No mar
E não em você

Porque seu coração
É uma ilha
A centenas
De milhas daqui

Meu olhar abre-se sobre a perspectiva de tempo. Envelheço com um gosto de cada dia. Há um amargor, não por força do desfecho, mas pela constatação de que muito pelo qual se propôs perdeu-se quase tragicamente.

Envelhecer é uma foda ao contrário: do orgasmo ao martírio da tensão. Sim porque a dimensão, pelo menos no meu caso, tem sido de não encontrar no presente “um estado de coisas tão puras que movem uma vida”.

É do compositor a afirmação de que a canção acabou e no pacote das perdas do tempo esta é, em mim, uma das mais dolorosas. Ligar o rádio do carro e encontrar uma nova canção que me arrebate, há muito não ocorre.

Somadas as observações do cotidiano, flagradas com a sensação de estabilidade mórbida no sentido de que nada se altera para uma perspectiva promissora, sobra pouco a se tornar suficiente como “um raio de brilho que inunda esta noite perdida”.

No turbilhão desse olhar o que me entorpece é da impossibilidade de uma utopia coletiva, “um facho de luz que a tudo seduz por aqui”. O que meu olhar me alcança é a sensação de ser uma ilha a centenas de milhas e milhas e milhas daqui.

Perdoem-me. É que ontem liguei, antes de dormir, o IPod que tenho sobre o criado mudo ao lado de minha cama e ouvi o Chico cantar Ilha. Eu acabara de chegar do cinema onde fomos assistir ao filme “Uma Relação Delicada”. Foi muito.

Hoje, pela manhã, um raio de brilho que ainda me inunda.




Até breve.

terça-feira, 3 de junho de 2014

ANIL



Aecinho mandou bem ontem no programa Roda Viva da TV Cultura.

De gravata azul celeste provavelmente em homenagem ao seu time que se manterá líder do campeonato brasileiro de futebol pelos próximos quarenta e poucos dias. Ou então para sinalizar como será seu governo, caso eleito, mudando as cores das contas de vermelho preocupante para um azul estimulante.

Saiu-se bem das lanças arremessadas pelos jornalistas, todos de São Paulo (reduto maior de seu partido), parecem-me escolhidos a dedo para dar ao candidato condição propícia aos seus posicionamentos.

Se bem que não.

Aecinho interpelado sobre a questão se gosta ou não de pó, esquivou-se lembrando ao jornalista que tem trinta anos de vida pública e que o submundo adversário não tendo nenhuma pega sobre a conduta dele enquanto político exitoso tanto no legislativo quanto no executivo tentará desestabilizá-lo com denúncias torpes.

Disse que o partido adversário contratou vinte mil profissionais de informática para produzirem via web todo tipo de intrigas e maledicências em diferentes endereços da infovia.

Sugeriu ao jornalista que lhe endereçou a pergunta, não sem antes de fazer um rasgado elogio a competência do rapaz, que o talentoso jornalista devesse preocupar-se sim em analisar o extraordinário programa que está sendo construído para recolocar o país nos trilhos.

Aproveitou todas as perguntas para deixar suas linhas de base que sustentam a sua proposta de governo. Perguntado sobre o que faria no seu primeiro dia de mandato colocou que estará comunicando à Nação a profunda mudança de estrutura do Estado com o enxugamento brutal da máquina e o encaminhamento ao legislativo de duas matérias capitais: a reforma política e a reforma tributária.

Anastasia, seu mentor intelectual da gestão pública, está “desenhando” a nova arquitetura para uma administração orientada ao desempenho e à eficiência com dramática redução do custeio. Aecinho, polido, porém determinado, disse que desaparelhará os ministérios reformulando os quadros baseado na competência e na conduta dos servidores.

Propôs mecanismos no processo político como o mandato de cinco anos para todos os cargos elegíveis sem direito à reeleição (inclusive o de Presidente), voto distrital, redução drástica do número de partidos e outros expedientes para dar maior representatividade ao eleitor e maior consistência na disputa partidária.

Recomendará legislação gradativa no que tange aos impostos, passando inicialmente por uma rigorosa simplificação e depois para a redução efetiva.

Aecinho demonstrou inteligência política quando provocado sobre as críticas que Eduardo Campos tem lhe feito ultimamente em público: “No privado não é o que ele me diz”. E, quando perguntado sobre qual a diferença que existe entre ele e o seu adversário de Pernambuco: “A que me ocorre agora é que eu nunca fui do governo do PT”.

Sobre Política Externa disse que não privilegiará os atuais acordos com alguns países do Mercosul e tentará reatar vínculos comerciais com países que efetivamente possam mudar a atual configuração do Brasil na cena internacional. Embora sejamos a sétima economia do mundo estamos em vigésimo sétimo lugar entre os países que mais exportam.

Próximo do encerramento do programa um jornalista o indagou: “Todos os políticos tem este discurso de mudança, algumas propostas que se assemelham a do senhor, quando assumem não conseguem coloca-las em prática. Por que acreditar que o senhor as fará?”.

Aecinho, acho, vem tingindo os cabelos, mas deixando alguns poucos brancos sobressaírem acima das orelhas. Vejo nisso um recado no seu discurso: “Hoje eu me sinto responsável por fazer aquilo que é preciso ser feito e eu acredito que seja possível. É possível fazer política com decência e eficiência”.

Noninha se estivesse acordada e assistindo comigo o programa também acreditaria.




Até breve.