Depois de conversarem por anos a
fio, virou-se para a outra e disse, lacônica:
- Amor, minha querida, não existe. Isso é apelação de arte romântica. Uma
relação sobrevive pela troca de interesses, necessidades recíprocas. Acabou o
atendimento da demanda, by, by, a fila anda.
- O amor é o sentimento motor da vida humana.
- O motor da vida é a fome, querida... Sem essa de filuras
sentimentalóides. São séculos de lero-lero de arte fajuta. Chega de
embromamentos. O que move a vida é a fome de fome braba e fome de luxo, é o que
move.
- E a paixão?
- Que que tem?
- Não conta?
- Fugacidade pura, meu bem! Trepou que chega, já era, vira lugar comum e
se num tiver atendimentos objetivos a relação vai pro saco. Podem até seguirem
juntos, por pura conveniência.
- Um casal não permanece junto se não tiver amor...
- Comida, roupa lavada, carro, casa, viagens, coisas e tais, empregada,
babá, é que são os mecanismos estabilizadores. Sem isso a coisa pega. O ‘amor’
desaparece com a fome de qualquer um desses aí.
- Você já amou?
- Inúmeras vezes... Chorei às pampas, não podia ouvir determinadas
músicas, morri de saudades.
- Então?
- Então o quê?
- Como você fala que não existe amor?
- Exatamente por isto! Puros delírios, fragilidades, expectativas trazidas
por anos de aculturamento. No fundo, condicionamentos sociais forçados por anos
de história.
- Você não ama mais então?
- Eu? Não.
- Seu marido, seus filhos, seus netos, seus amigos?
- Eles me são úteis e eu a eles...
- Somos amigas há anos, tenho um profundo afeto por você, e você não
sente o mesmo por mim?
- O que?
- Afeto?
- Você me faz companhia para ir ao teatro no domingo?
- Hein???!!!
- Você me empresta aquele vestido para eu ir ao casamento daquela minha
colega de serviço...
- Espera, não pode ser só por isto!
- Tá bom, eu espero.
Depois, na semana seguinte,
encontraram-se novamente.
Até breve.
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