Assisti ontem a dois filmes: “Hannah
Arendt” no Cult e “Filhos da Natureza” no Max.
Ambos, por suas circunstâncias, me
levam a refletir sobre a nossa conduta de observar e se posicionar diante dos
acontecimentos próximos e distantes a cada um de nós.
Arendt, filósofa judia alemã,
convidada a cobrir o julgamento do “criminoso do século” Adolf Eichmann, produz
um relatório controverso que leva a inúmeros protestos semitas inclusive de
seus amigos próximos que rompem com ela laços de amizade de anos.
Para Arendt, Eichmann era um típico
burocrata que se limitara a cumprir ordens, com zelo, sem capacidade de separar
o bem do mal. Não era um monstro, mas sim uma pessoa normal, medíocre, cujo
grande defeito de caráter era não pensar por si próprio, o que o transformara
em um joguete, um palhaço que seguia a lei – independente de suas
consequências.
Hannah Arendt não estava
desculpando torturadores, estava apontando a dimensão real do problema, muito
mais grave. O texto de Hannah, apontando um mal pior, que são os sistemas
que geram atividades monstruosas a partir de homens banais, simplesmente não
foi entendido.
Na visão de Arendt o que foi
tentado no ardil nazista foi a desumanização do objeto de violência. Torturar
um semelhante choca os valores herdados, ou aprendidos. Portanto, é essencial que não se
trate mais de semelhante, pessoa que pensa, chora, ama, sofre. É um judeu, um
comunista, ou ainda, no jargão moderno da polícia, um “elemento”. Um negro, um
mendigo, um homossexual.
No plano internacional, um terrorista. Nos programas
de televisão, um marginal. No plano nacional, um destes mascarados em nossas
manifestações de rua, vândalos. São seres humanos? O essencial, é que deixe de
ser um ser humano, um indivíduo, uma pessoa, e se torne uma categoria. Ora, é
preciso restabelecer a ordem.
O perigo e o mal maior não estão na
existência de doentes mentais que gozam com o sofrimento de outros – por
exemplo uns skinheads que queimam um pobre que dorme na rua, gratuitamente,
pela diversão – mas na violência sistemática que é exercida por pessoas banais.
“A Banalidade do Mal”, livro escrito por Arent
a partir de suas reflexões tiradas do julgamento de Eichmann, parece ainda
intensamente presente em nossa sociedade cada vez mais tomada por burocratas e
por pessoas que dominam a arte de não pensar. É preciso tomar cuidado.
Fantoches podem levar milhões à morte.
Pode até haver um torturador
particularmente pervertido, tirando prazer do sofrimento, mas no geral, são
homens como os outros, colocados em condições de violência generalizada, de
banalização do sofrimento, dentro de um processo que abre espaço para o pior
que há em muitos de nós.
Filhos da Natureza, por sua vez,
traz um adolescente de família simples – Nicolaj - que vai aderindo ao movimento
punk, como sua maneira de protestar contra a sociedade burguesa e pequeno-burguesa
em Oslo em 1970 simplesmente por influência dos amigos, do contexto, repetindo
com as massas as mensagens de ordem.
Após um terrível acidente, sua mãe
é vitima de atropelamento e morre, Nikolaj se muda com o pai para um pequeno
povoado na Noruega, onde a regra é a conformidade.
Em solenidade promovida pela escola
comemorativa do Dia Nacional da Noruega, Nicolaj arremessa uma garrafa vazia na
cabeça do diretor que fazia um discurso alusivo ao país.
O que deve assustar no
totalitarismo, no fanatismo ideológico, não é o torturador doentio, é como
pessoas normais são puxadas para dentro de uma dinâmica social patológica,
vendo-a como um caminho normal.
No filme Hannah Arendt há uma cena
em que a filósofa faz uma palestra na universidade para esclarecer suas
motivações para escrever o relatório sobre o julgamento de Eichmann em que ela
diz:
- “Entender não é perdoar”.
Lembrei-me de Nietzsche: “Não se trata de amar ou odiar. Quem sabe se
passássemos a compreender nos tornaria uma sociedade menos iníqua e vil”.
Chamado para reunião na escola para
tratar da agressão de seu filho ao diretor, o pai de Nicolaj interpela o
diretor que clamava por uma punição ao jovem, convidando-o a pensar sobre o que
os pais e o sistema estão produzindo que pudesse estar levando os jovens a tais
atitudes.
Com a palavra cada um de nós, com
nossos “juízos”.
Até breve.
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