sábado, 31 de maio de 2014

MAL



Assisti ontem a dois filmes: “Hannah Arendt” no Cult e “Filhos da Natureza” no Max.

Ambos, por suas circunstâncias, me levam a refletir sobre a nossa conduta de observar e se posicionar diante dos acontecimentos próximos e distantes a cada um de nós.

Arendt, filósofa judia alemã, convidada a cobrir o julgamento do “criminoso do século” Adolf Eichmann, produz um relatório controverso que leva a inúmeros protestos semitas inclusive de seus amigos próximos que rompem com ela laços de amizade de anos.

Para Arendt, Eichmann era um típico burocrata que se limitara a cumprir ordens, com zelo, sem capacidade de separar o bem do mal. Não era um monstro, mas sim uma pessoa normal, medíocre, cujo grande defeito de caráter era não pensar por si próprio, o que o transformara em um joguete, um palhaço que seguia a lei – independente de suas consequências.

Hannah Arendt não estava desculpando torturadores, estava apontando a dimensão real do problema, muito mais grave. O texto de Hannah, apontando um mal pior, que são os sistemas que geram atividades monstruosas a partir de homens banais, simplesmente não foi entendido.

Na visão de Arendt o que foi tentado no ardil nazista foi a desumanização do objeto de violência. Torturar um semelhante choca os valores herdados, ou aprendidos. Portanto, é essencial que não se trate mais de semelhante, pessoa que pensa, chora, ama, sofre. É um judeu, um comunista, ou ainda, no jargão moderno da polícia, um “elemento”. Um negro, um mendigo, um homossexual.

No plano internacional, um terrorista. Nos programas de televisão, um marginal. No plano nacional, um destes mascarados em nossas manifestações de rua, vândalos. São seres humanos? O essencial, é que deixe de ser um ser humano, um indivíduo, uma pessoa, e se torne uma categoria. Ora, é preciso restabelecer a ordem.

O perigo e o mal maior não estão na existência de doentes mentais que gozam com o sofrimento de outros – por exemplo uns skinheads que queimam um pobre que dorme na rua, gratuitamente, pela diversão – mas na violência sistemática que é exercida por pessoas banais.

“A Banalidade do Mal”, livro escrito por Arent a partir de suas reflexões tiradas do julgamento de Eichmann, parece ainda intensamente presente em nossa sociedade cada vez mais tomada por burocratas e por pessoas que dominam a arte de não pensar. É preciso tomar cuidado. Fantoches podem levar milhões à morte.

Pode até haver um torturador particularmente pervertido, tirando prazer do sofrimento, mas no geral, são homens como os outros, colocados em condições de violência generalizada, de banalização do sofrimento, dentro de um processo que abre espaço para o pior que há em muitos de nós.

Filhos da Natureza, por sua vez, traz um adolescente de família simples – Nicolaj - que vai aderindo ao movimento punk, como sua maneira de protestar contra a sociedade burguesa e pequeno-burguesa em Oslo em 1970 simplesmente por influência dos amigos, do contexto, repetindo com as massas as mensagens de ordem.

Após um terrível acidente, sua mãe é vitima de atropelamento e morre, Nikolaj se muda com o pai para um pequeno povoado na Noruega, onde a regra é a conformidade.

Em solenidade promovida pela escola comemorativa do Dia Nacional da Noruega, Nicolaj arremessa uma garrafa vazia na cabeça do diretor que fazia um discurso alusivo ao país.

O que deve assustar no totalitarismo, no fanatismo ideológico, não é o torturador doentio, é como pessoas normais são puxadas para dentro de uma dinâmica social patológica, vendo-a como um caminho normal.

No filme Hannah Arendt há uma cena em que a filósofa faz uma palestra na universidade para esclarecer suas motivações para escrever o relatório sobre o julgamento de Eichmann em que ela diz:

- “Entender não é perdoar”.

Lembrei-me de Nietzsche: “Não se trata de amar ou odiar. Quem sabe se passássemos a compreender nos tornaria uma sociedade menos iníqua e vil”.  

Chamado para reunião na escola para tratar da agressão de seu filho ao diretor, o pai de Nicolaj interpela o diretor que clamava por uma punição ao jovem, convidando-o a pensar sobre o que os pais e o sistema estão produzindo que pudesse estar levando os jovens a tais atitudes.

Com a palavra cada um de nós, com nossos “juízos”.




Até breve.

sexta-feira, 30 de maio de 2014

RIBALTA



Tô achando que a (ou parte da) intelectualidade brasileira pirou.

Está correndo, desde segunda-feira, um manifesto com uma lista de assinaturas da qual já fazem parte mais de 300 antropólogos, sociólogos e pesquisadores de várias instituições brasileiras reivindicando um basta nos bloqueios promovidos pelos manifestantes de rua, que afetam o direito de ir e vir.

O documento pede que os direitos constitucionais sejam garantidos, e que não sejam usurpados por pequenos ou grandes grupos que têm direito de se manifestar, mas não de impor seus pontos de vista.

Nossa experiência democrática é tragicômica.

Paralelamente, a Folha lança nos cinemas, no próximo dia 5, o documentário JUNHO. Vi só o trailer (JUNHO) no qual a massa nas ruas grita como palavras de ordem: “Amanhã vai ser maior!!! Amanhã vai ser maior!!!” sinalizando que o movimento, daquele mês de 2013, cresceria.

Na quarta-feira, a Câmara de Vereadores de São Paulo votou a favor do fim do rodízio de automóveis com o que atravancará mais a nossa maior cidade. O autor do projeto disse que a peça tramitou durante sete anos na casa legislativa municipal e só agora, num cochilo, foi aprovada.

Pois é, vamos parar afinal este país.

Nossa produtividade, nossas escolas, nossos hospitais, nossos compromissos, nossa vidinha. Como querem boa parte dos jingles dos intervalos comerciais, vamos prá rua.

Parece-me óbvio que a explicitação da vontade a um número cada vez maior de espectadores dá a dimensão do sucesso de um evento na sociedadedoespetáculo em que vivemos. Todos os holofotes do planeta estarão voltados para nós.

O mundo vai nos ver a nu.

Nosso caos urbano, nossas mazelas, nosso aprendizado social, nossa diversidade, nossa insegurança, nossa alegria, nossas belezas naturais, nossos paradoxos, nossa imensa dívida social, nossa profunda desigualdade, nossa copa, cozinha, aposentos e quintais.

Vamos estar expostos a nós mesmos em nossa mais profunda intimidade. E a um zilhão de pessoas outras e externas nos vendo em reality show global.

Difícil imaginar que reflexão faremos no dia 14 de julho, adormecidos os canhões de luzes. O que nos sobrará da imensa oportunidade que os desígnios da história estão nos legando?

Amadurecer dói.




Até breve.

quinta-feira, 29 de maio de 2014

GLÓRIA



Gizele Bündchen foi contratada pela FIFA para entregar a taça ao capitão da equipe que vencer a Copa do Mundo de Futebol Masculino no Brasil.

Acho perfeita a escolha. Ela está vendendo uma de suas residências, na Califórnia, por algo perto de R$120 milhões. É uma das mais bem pagas celebridades do mundo fashion, conhecida em todas as partes do planeta. Casada com um americano, vive em diferentes partes do Planeta.

Representa, portanto, bem o nosso país.

Dilma seria vaiada, Blater teria que abafar o horror, mas já passamos por isto, não convém. A taça da Copa das Confederações sobrou para o Ministro Aldo Rebelo passar ao nosso capitão. Afinal ele era, e ainda é, nosso encarregado da pasta de Esportes.

Repetir a dose é por muito caviar no prato do ilustre desconhecido Ministro.

Quem sabe, Ivete Sangalo? Chico Buarque, aficionado que é com futebol? Marina Silva, pelo apelo da sustentabilidade? Meu Deus, quem poderia entregar a taça? Quem teria expressão para os quase quatro bilhões de pessoas que deverão estar com os olhos postos à cena?

Tom Jobin? Senna? Santos Dumont?

Quem sabe, Paulo Coelho?

Macunaíma.

A Mônica, ou a Emília ou o Saci Pererê?

Meu Deus, quem?

Por que não Pelé? Ou Zagalo?

Fafá de Belém, com chances de ela cantar o Hino da nação vencedora?

Nunca imaginei que nossa inexpressão institucional pudesse expressar tanto o que temos sido.

Porém me ocorre, até por isto, uma alternativa. Quem sabe, poderíamos no dia 13 de julho escolher, aleatoriamente, um dos alucinados professores integrantes da manifestação ali próximo do Maracanã, ou quem sabe um profissional da saúde, ou mesmo um sem nada e o convidaríamos para nos fazer representar na solenidade de entrega do troféu?

Acho melhor não. Vamos ficar mesmo com Gisele.

Ela é linda.



Até breve.

quarta-feira, 28 de maio de 2014

CAIXINHA

Uma de minhas mais intensas paixões sempre foi o futebol. Este blog necessariamente teria que contemplar um sem número de posts versando sobre o tema. Por que não o faço?

Não sei.

Só que agora eu acho que vou ter que me imiscuir no tema. Minha ideia é, depois de cada uma das únicas três partidas que o Brasil vai jogar, analisar com isenção e despaixão de nativo o desempenho dos onze de chuteiras nacional.

Individualmente eu penso que o elenco foi bem escolhido. Todos são estrelas internacionais, mesmo os que correm nos nossos campinhos, agora repaginados.

Os bastidores foram muito bem administrados, toda a logística operacional desde a relação da comissão técnica e jogadores com a mídia até a rigorosa estrutura científica montada para monitorar a preparação dos atletas.

O prêmio, em caso de conquista da Copa, foi resolvido antes da apresentação na Granja.

Então por que ficamos no caminho já na primeira fase? Estaríamos repetindo a França e Argentina em 2002? Ou foram os gritos dos manifestantes dos SEM que ecoaram nos ouvidos dos nossos craques e os impediram de brilharem? Quem afinal atravessou o canto do nosso Hino no início das partidas desandando a peleja?

Minha paixão pelo futebol reside aqui.

Tudo pode acontecer, até isto.




Até breve.

terça-feira, 27 de maio de 2014

TRANSEUNTE



Alguém me abordou na rua dia destes e:

- O senhor que escreve o dasletra?

- Como me reconheceu?

- A foto do senhor está no blog...

- Não precisa me tratar como senhor...

- Mas é você, então?

- Digamos que sim.

- Por que digamos?

- Por que você quer saber?

- Acesso com regularidade...

- Se acessasse com regularidade saberia que a foto do blog não é mais a minha.

- Me lembro da anterior, com sua netinha no colo...

- E?

- Como todos eu também não gosto de deixar comentários no blog.

- Por quê?

- É só você quem escreve os posts?

- O que você acha?

- Não pode ser... Tem uns muito bons e outros uma mer...

- Exemplo...

- Ah, eu não vou dizer...

- Como saber quais são os meus?

- Simples.

- Como simples?

- Vou te fazer uma pergunta, dependendo da resposta eu saberei. Posso?

- Manda lá.

- Foi você quem escreveu este?




 Até breve. 

sábado, 24 de maio de 2014

ILUSÕES



Incrível como a História forja os indispensáveis.

Assisti na semana passada e ontem ao Programa Som do Vinil levado ao ar no Canal Brasil. A produção magistralmente conduzida por Gavin, dos Titãs, foca a cada programa um disco de vinil que marcou época.

Disco de vinil, para os mais jovens, vem a ser LP sigla para Long Play, também conhecido como Bolacha e era onde se gravava a média de doze sons, que na época chamávamos de música.  Era tocado em vitrolas ou assemelhados que, na época, chamávamos de som.

Os programas da semana passada e de ontem focaram um único LP: IDEOLOGIA, de Cazuza. Deles participaram a mãe (Lucinha), Frejat, Léo Jaime, Ney, e outros que deram testemunho sobre o “monstro” que foi Cazuza.

Lucinha Araújo, que escreveu quatro livros sobre a convivência com seu filho artista, disse que ele até os quinze anos só ficava no quarto, não saia de casa para nada, até que um dia ela, preocupada, disse-lhe que ele fosse para a rua, para jogar bola, divertir-se, viver.

Cazuza, batizado como Agenor, na infância não atendia as chamadas na escola porque não aceitava seu nome imposto pela avó materna. Veio aceita-lo mais tarde quando soube que Cartola também se chamava Agenor, embora batizado como Angenor.

Mais? Vá a Wikipédia.

Quando eu estava me preparando para deitar liguei o IPod programado aleatório. Belchior cantava uma canção conhecida que contempla, em um dos versos:

“O PASSADO É UMA ROUPA QUE NÃO NOS SERVE MAIS.”

Lucinha diz no programa, que seu filho foi um dos mais importantes artistas do século passado, embora tenha vivido somente trinta e dois anos e que tenha tido apenas sete anos de carreira, dois dos quais, doente vitimado pelo prazer que passara a ser risco de vida.

The Beatles também tiveram, somente, perto de oito anos de carreira e Lennon foi assassinado.

IDEOLOGIA
(Cazuza e Frejat)

Meu partido
É um coração partido
E as ilusões
Estão todas perdidas
Os meus sonhos
Foram todos vendidos
Tão barato que eu nem acredito
Ah! Eu nem acredito

Que aquele garoto
Que ia mudar o mundo
Mudar o mundo
Frequenta agora
As festas do "Grand Monde"

Meus heróis
Morreram de overdose
Meus inimigos
Estão no poder
Ideologia!
Eu quero uma pra viver

O meu prazer
Agora é risco de vida
Meu sex and drugs
Não tem nenhum rock 'n' roll
Eu vou pagar
A conta do analista
Pra nunca mais
Ter que saber
Quem eu sou
Ah! Saber quem eu sou

Pois aquele garoto
Que ia mudar o mundo
Mudar o mundo
Agora assiste a tudo
Em cima do muro
Em cima do muro!

Meus heróis
Morreram de overdose
Meus inimigos
Estão no poder
Ideologia!
Eu quero uma pra viver
Ideologia!


IMAGINE
JOHN LENNON

Imagine que não há paraíso
É fácil se você tentar
Nenhum inferno abaixo de nós
Acima de nós apenas o céu
Imagine todas as pessoas
Vivendo para o hoje

Imagine não existir países
Não é difícil de fazer
Nada pelo que matar ou morrer
E nenhuma religião também
Imagine todas as pessoas
Vivendo a vida em paz

Você pode dizer
Que sou um sonhador
Mas não sou o único
Tenho a esperança de que um dia
Você se juntará a nós
E o mundo será como um só

Imagine não existir posses
Me pergunto se você consegue
Sem necessidade de ganância ou fome
Uma irmandade do Homem
Imagine todas as pessoas
Compartilhando todo o mundo

Você pode dizer
Que sou um sonhador
Mas não sou o único
Tenho a esperança de que um dia
Você se juntará a nós
E o mundo viverá como um só

Depois de ouvir o Belchior fui dormir. Acho que compreendi porque, estando em casa, gosto de vestir as minhas roupas mais surradas.


Até breve.

sexta-feira, 23 de maio de 2014

ORAORA



Vejam vocês como é difícil ser sábio. Às vezes, tem horas, de quando em quando, eu até me aborreço de me reconhecer nessa categoria, embora eu consiga me disfarçar inclusive para os mais próximos.

Sou, como todos os sábios, orientado pelos astros. Já viram algum sábio que não seja abduzido pelos astros? Eu não conheço. Sobre todos paira uma aura e eu sinto a minha com muita intensidade, especialmente quando estou recolhido aos meus costumes.

Agora hoje me deparei com um impasse. Todo sábio acompanha pelo menos três opiniões, ele jamais externa a sua sem consultar. Assim, como sempre faço, li algumas previsões horoscópicas.

Numa deu: “Na sua realidade psíquica só não existe aquilo que não se pode imaginar. É tempo de direcionar a sua energia intelectual e criativa para algo mais positivo.”

Ora, bolas, de positivo eu já falo de a exaustão, causando motivos até para alguns leitores do dasletra baterem em retirada, já que o que cativa mesmo é o sinistro, ou não?

Muito pouca gente está interessada na química tântrica do meu afeto pelos meus netos, fazendo dela outras composições simbólicas que possam remeter aos seus próprios euzinhos. Acham que tudo o que trago aqui diz respeito à minha vidinha mais particular?

Eu tô falando, ser sábio, cansa.

Daí comento um ou outro filme, um dia feliz ou inusitado ou outro com meus amigos, uma ou outra viagem inclusive às reais, enfim tem muita coisa rolando de “bom” quase de sempre por estas páginas. Ou não?

Aí vem outro enunciado horoscópico:

“É tudo muito complexo, mas você chegou até aqui com seus próprios passos e seria sábio de sua parte aceitar que, apesar de não entender o sentido das coisas, esse existe e, por enquanto, está oculto por trás da complicação.”

Prefiro não transcrever a terceira consulta que fiz aos astros. Só complicaria mais as coisas.

Bom, usando a minha realidade psíquica de sábio na qual tudo o que eu imaginar passa a existir e, mesmo não entendo o sentido das coisas e acreditando que ele exista, além de trazer à luz para descomplicar, vou tocar a minha vida em frente.

Vou agora para Santa Luzia montar o pula-pula (cama elástica ou trampolim). Amanhã Pretinha e Claudinho estarão lá com os meninos.

Noninha não fala noutra coisa.



Até breve.

quarta-feira, 21 de maio de 2014

SOB



- “Por que vocês não vão ver Getúlio?” Indagou-nos a jovem atendente de bilheteria do cinema.

- “Sob a pele não é bom?” Consultei interessado.

- “Muita gente está saindo na metade do filme... Não tem história, é meio sem pé nem cabeça”...

- “Getúlio então é melhor”?

- “Com Tony Ramos... Só que ele morre no final”.

Acho que todos concordamos que Scarlett Johansson seja uma Beleza, ou não? Pois reside aqui a razão fundamental pelo diretor Jonathan Glazer na escolha da atriz para protagonizar Sob a pele. Ninguém também discordará de que esta mulher de 29 anos seja um poço de sedução e que mexa com todos os nossos imaginários.

O que nos seduz? Pelo que nos movemos? Que chama é essa que se constitui enquanto Vida?

Quantos somos levados pelo que nos encobre, algo de que não sabemos?

O que será, que será?
Que andam suspirando pelas alcovas
Que andam sussurrando em versos e trovas
Que vive nas ideias desses amantes
Que cantam os poetas mais delirantes
Que está no dia a dia das meretrizes
No plano dos bandidos dos desvalidos
Em todos os sentidos...
Que todos os avisos não vão evitar
E mesmo o Padre Eterno que nunca foi lá
Olhando aquele inferno vai abençoar
O que não tem governo nem nunca terá
O que não tem vergonha nem nunca terá
O que não tem juízo...(*)

Ah, o Desejo, meus caros, esse que nos faz dragar o outro fazendo-o submergir ao império da nossa vontade, esse voraz ímpeto de ter aquilo que está posto adiante, deliberadamente.

Sob a pele é um soco no estômago da razão e da coerência. Não é possível assisti-lo sem lançar mão de referências e conceitos. Ele é uma viagem nas profundezas do inconsciente humano, percurso alienígena sob nossas entranhas.

Estranhamentos vários, torpor, a evolução da personagem simbólica e dilacerante nos coloca diante de questões viscerais e sem concluir nos remete a uma chama negra que paira bailando envolta a uma nuvem alva.

- “Se quiserem posso trocar, falo com o gerente, ele troca e aí vocês assistem Getúlio”.

Não, verei depois, outro dia. Mesmo sabendo que ele morre no final.


Até breve.

(*) “O que será, que será?” de Chico Buarque de Holanda.

terça-feira, 20 de maio de 2014

AMANHÃ



Pois é, deu branco de página. Sobre o que discorrer, já que boa parte do que se passa impeliria a correr? 

Ficar na denúncia vazia como outros em outros veículos, acho que não tenho mais quem se interessar possa.

A volta de Lula, o movimento de devolução dos produtos saqueados de lojas no Recife, a soltura da bandalha da Petrobras, as obras inacabadas no prazo fifal, enfim isto que apenas reedita a nossa costumeira realidade? Síria contabiliza 162.000 mortos e o mandatário vai para eleições para mais um período de sete anos do satrápia maldito?

Sob a pele com Scarlett Johansson, essa ficção científica que traz a musa no papel de uma alienígena que quer entender melhor os seres humanos? Vou assisti-lo hoje, então, se rolar no máximo amanhã ou depois posso dizer algo sobre.

Chegou o pula-pula de Noninha, vou montá-lo no final de semana. Teatro, música, Emília e Peppa, pirulito e pula-pula são seus prediletos quase sempre nesta ordem.

As risadinhas de Valentin para um angustiado e alheio avô?

Quem sabe eu pudesse discorrer sobre tudo isto e de tal maneira que ninguém se apercebesse e eu tivesse ouvidos? Tudo sob a pele. Assim através de uma sensualíssima, erótica e sorrateira forma de se fazer ouvir.

Quem sabe eu pudesse propor que há muito pouco a fazer de fato para além de praticar a ordem dada aos filhos pelas mães de Recife e que fosse estendida a todos os filhos: ditadores, ministros, servidores, políticos, executivos, cidadãos. Não meta a mão no que não é seu.

Quem sabe se fizesse cumprir somente o óbvio?

Então, é óbvio que há pouco a dizer.

Ontem, olhando fotos espalhadas em parede do nosso escritório, minhas e d`ELA em diferentes momentos de nossas vidas fiquei paralisado em uma na qual retrata meus sete anos de idade. Insisti comigo mesmo que Valentin está a minha cara.

Meu desejo que o futuro seja outro me arrebata.





Até breve.

domingo, 18 de maio de 2014

ONTEM



- Sabe quem lê seu blog todo dia?

- Quem, você?

- Eu não... Leio de vez em quando...

Tê é amiga d´Ela há quarenta e cinco anos. Começaram a estudar juntas no mesmo ano em que nos conhecemos. Tê é minha melhor testemunha que, naqueles idos, Ela gostava muito de mim. Ela era gamada, como se dizia na época.

Tê esteve com o Eugênio nos visitando ontem. Eugênio e eu nos tornamos amigos destes que passam anos sem se ver e quando se reencontram é como se tivessem estado juntos na noite anterior. Como os cães com os seus donos.

Ele é um contador de piadas e ela a censora.

- Não, Eugênio, essa você já contou uma centena de vezes... Essa não Eugênio, essa é um horror... Você fica inventando estas piadas...

Além de piadas Eugênio inventa realidades da engenharia mecânica que são de cair o queixo de qualquer especialista. Nunca projeta o mesmo equipamento com a mesma perspectiva de eficiência. A próxima estará embarcada com uma inovação.

Ele, tanto quanto eu e meu pai, classifico no território dos ignorantes. Se bem que na culinária, Eugênio é um expert. E eu, apesar de tantos anos de conhecimento, sempre achei que ele gostasse de fazer compras em supermercados. Até ontem.

- Você adora fazer compras, né Eugênio?

- Detesto!

Pra minha mais cândida surpresa e constatação mais adiante. Fomos juntos eu e ele munidos de uma listinha fazer compras. Saímos tão atabalhoados e ansiosos da empreitada que esquecemos parte das compras sobre a mesa do caixa. Acho que foram tomates e alho para tempero. Constatamos a falta já em casa. Voltei para buscar, mas como o supermercado é distante, preferi (pela minha ignorância) comprar tomates para molho e alho descascado para tempero em uma vendinha mais próxima de casa.

Amigos de décadas com os quais trocamos confidências, dramas e conquistas.

Depois que eles se foram fomos visitar duas amigas que se mudaram há pouco mais de um mês para a casa que elas construíram no nosso condomínio em Santa Luzia. Mãe e filha já foram trazidas aqui em páginas do dasletra.

Embora tenhamos visitado a obra inúmeras vezes ao longo dos três anos de construção, a visita de ontem não deixou de causar impacto ao ver a casa viva com todos os seus componentes rigorosamente dispostos ao brilho das proprietárias.

Poderosas empresárias e pessoas simples. A casa grita a identidade. Os mil e duzentos metros de área construída dispostos em três imensos ambientes: a casa da mãe, a casa da filha, e a magnifica área de lazer e gourmet lançada a mais de vinte metros de altura sobre o vale que despenca.

As salas das casas unidas por um lance livre de sei lá, dez metros de pé direito, envidraçadas com suas peças de blindex em chapas de três metros e meio cada superpostas uma sobre as outras, abre a vista deslumbrante para um cenário esvermelhado do sol que se põe. Ao longe, semi-encobertas por frondosas árvores, as torres da Matriz de Santa Luzia iluminada por uma rosácea luz.

A frente da casa ao lado da área de lazer, a piscina debruçando suas águas ao infinito. Só que, em que pese todo esse vigor, transitar pelos cômodos e observar seus móveis e coisas e tais é que se dá conta de quem mora ali.

- É isto, vocês não vão colocar mais nada? Perguntei surpreso.

- Para quê?

Tudo que está ali é por ser necessário e estar carregado de algum sentido. Estes armários eu trouxe do meu antigo apartamento, este lustre que pende da sala da mãe, me acompanha há anos.

Um exuberante novo carregado de história. Talvez um dos sinais mais contundentes se vê em uma grande caçarola (?) repleta de caixas de fósforos trazidas de hotéis, bares, restaurantes de centenas de cidades visitadas por elas ao redor do mundo.

Na medida em que eu observava as pequenas caixinhas retiradas uma a uma da caçarola sentia lembranças de cidades por onde também andei. Centenas de caixinhas de fósforos exalando a chama de inúmeras experiências vividas por essas queridas amigas.

- E aí, Agulhô, gostou?

- É só uma casa...

Ao sair, com todos os álcoois tintos que regaram vitela e batatas deliciosas, ao manobrar minha camionete raspei o para-choque dianteiro em pedras que delimitam um dos estacionamentos da casa.

Vou pensar se mando consertar. Além deste post quero ficar com o registro do dia em que soube que Ma, filha de Tê e Eugênio, em doutorado na Suiça, me lê todos os dias e também por, mais uma vez, me deparar com o imenso poder da simplicidade.



Até breve.  

sábado, 17 de maio de 2014

INSERÇÃO




Recomendo a leitura da crônica do Marcelo Rubens Paiva publicada hoje no Estadão.( PAIVA)


“Sim, existe gente que não se comunica, nem curte, nem posta. Não critica, nem milita, nem lamenta a morte de um ídolo para amigos, conhecidos, seguidores desconhecidos e amigos de amigos. Não se indigna, não se revolta, não se mostra. Não mostra seus gatos, seus pratos, sua mãe no dia delas. Nem relata suas viagens. Não pensa, não expõe, não se exibe para centenas ou milhares de pessoas. Logo, não existe?”

Marcelo, brilhante, nos faz refletir sobre o tempo presente, nele inserido o impacto dos meios tecnológicos.

“Não soube da cidade que DEVE visitar, do livro que DEVE ler, do filme que DEVE ver, do clipe que TEM que assistir, do hotel em que um conhecido ficou para ser invejado, da nova banda de que TODOS estão falando, da criança que surpreende e faz algo incrível e inesperado, que prova como existe inteligência em quem menos se espera. Não leu sobre o alerta contra golpes praticados, a torcida para que não haja Copa, que algum repórter internacional falou (mal) de nós, sobre o complexo de vira-lata que temos, e que a unanimidade é burra.”

“Pensar que há dez anos não existiam redes sociais. Há 20, a internet não era regulamentada, nem existia o consórcio W3C (World Wide Web Consortium). Há 30, não tinha celular nem computador pessoal no Brasil. A maioria não tinha telefone nem máquina fotográfica.”

“E éramos bem informados e educados. Víamos fotos da repressão policial brutal, desvendávamos a charada, o poema, a ilusão de ótica que faz bolinhas se moverem, no livro de ilusões de óticas que todos tinham.”

“Éramos mais discretos. Menos ansiosos. Não precisávamos da aprovação alheia. Não precisávamos chamar tanta atenção, nem criar a ilusão de que somos melhores do que somos. Somente éramos.”

Este post é, em si, com imenso respeito ao Marcelo, um contraponto à crônica. Nossa dor não resulta necessariamente dos meios. Me parece que nossa dor está comprometida nos fins.

Não está na imensa possibilidade de acesso, portabilidade e instantaneidade que nos faculta a W3C, a questão que nos arrebata. A dor vem do que verdadeiramente se passa e, aqui concordo com Marcelo, às vezes dá mesmo vontade de pare o mundo que eu quero descer.

Evadir-se.

Meus sessentaequasetrêsanos me permitem pensar de que nos inteirávamos sim dos fatos, em que pese todas as dificuldades, e que “éramos” como quer o Marcelo. Mas não somente.

Numa entrevista ao Sangue Latino programa do Eric Nepomuceno no Canal Brasil a cantora argentina Adriana Varela disse que ser revolucionário hoje é ser capaz de criar uma identidade própria. Diante da massa, do engodo, do embuste como ser seletivo e escolher-se no universo de possibilidades.

Grande Marcelo, sua crônica foi fundamental, pena eu não saber ou não querer saber como propaga-la por “Face, Twitter, Insta, Linkedin, G+, WhatsApp”, para que alguém pudesse repassá-la a alguém que não tendo nada destas modernosas maquinóides esteja à margem.

Adriana, a meu ver, tem razão.



Até breve.