quinta-feira, 20 de março de 2014

LUX



No segundo semestre do ano passado recebi um convite de instituição controladora de cooperativas de crédito com sedes no interior norte e sul do estado do Espírito Santo para realizar treze palestras por ocasião das assembleias de prestação de contas pelos administradores aos associados.

De princípio relutei, pois seria uma maratona de viagens de carro cobrindo treze cidades do norte ao sul do estado. E, principalmente, por acontecer todas ao longo da segunda quinzena do mês de março de 2014.

Eu teria que, portanto, sacrificar minhas atividades cativas como avô já que Valentin estava previsto, como aconteceu, para o início deste mês.

Muito bem, o fato é que acabei aceitando e acertamos o contrato. As palestras seriam realizadas à noite em cronograma a ser definido posteriormente. Toda a logística de viagens seria responsabilidade da contratante.

Já falei a beça por este Brasil a fora, dezenas de milhares de pessoas passaram a constituir meu patrimônio pessoal. Estive em eventos do glamour e porte da HSM (no Anhembi-SP), quando falei junto com consultores internacionais sobre Alianças Estratégicas, empurrado na época pela experiência que adquiri por ocasião da coordenação de alianças entre 23 hospitais de alta complexidade de Belo Horizonte, 21 de Salvador e 20 do estado do Paraná no início dos anos 2000. A minha indicação foi feita pelo Hospital Sírio Libanês onde eu contribuía, na época, com o Planejamento Estratégico de um dos maiores hospitais da América Latina.

Estive ainda em dezenas de eventos com altos executivos de empresas transnacionais de diferentes segmentos da economia, porte, portfólio e mercados. Coordenei inúmeros debates com CEOs e Presidente de Conselhos em grupos restritos de 12 executivos/acionistas sobre tendências sociais, econômicas e políticas nacionais e internacionais.

Dei aulas em dezenas de programas de MBAs e no âmbito interno das empresas, quando estive vinculado a instituições de renome no mundo corporativo.

Enfim, rodei bolsinha pacas.


Agora me vejo aqui enfrentando vai-daqui-prá-acolá em estradas nem sempre seguras falando para públicos de 350 a 2200 pessoas, cada. Estou me sentindo como Gonzagão: “Minha vida é andar por este país...”.

E, confesso: estou profundamente satisfeito apesar de morrendo de saudades de Noninha e sem saber da exata medida com que cresce e se mostra Valentin.

Estou maravilhado com as paisagens do norte capixaba com suas monumentais configurações rochosas, seu verde monumental e suas produções extraordinárias de café, mamão, cana, granitos, mármores e quetais. A natureza aqui é mesmo exuberante.

O que mais tem me agradado, ainda, é o contato com as pessoas que participam das assembleias. Os associados levam seus familiares, inclusive crianças e têm o maior respeito com a solenidade. Estou falando para grupos heterogêneos de diferentes idades, cultura e formação escolar convencional. Estou falando à crianças, idosos, autoridades locais, empresários, lavradores, produtores rurais, comerciantes.

Depois da palestra é servido um jantar de confraternização e a turma se acha. Chiquice para pessoas que moram em rincões, perdidos no nada tocando suas lavouras, suas pedreiras, seus cafés e mamões de exportação. 

Juntos, perto de 50 mil destes associados, construíram em 2013 mais de R$1,0 bi em operações financeiras.

Hoje à noite realizo a sétima do ciclo de treze palestras. Durante o jantar que é servido procuro me aproximar das pessoas e me emociono com suas histórias, suas heranças, sua labuta.

Histórias como a de um lavrador de 87 anos que ao lhe perguntar porque estava ali ele me respondeu: “Gosto muito de prestar contas.” E alguém veio ao meu ouvido confidenciar que eu estava na presença de um dos homens mais ricos do estado. Suas mãos escalavradas pelo trabalho agrário me tocavam enquanto ele falava no seu linguajar maravilhosamente matuto.

- Dia desse tive que comprar duas dessas camionete e fui com meu filho, aquele ali óia lá, vem aqui cumprimentar o moço da falatória, menino... Aí nós fomo em Vitória, o senhor conhece lá? Cidade grande...

- Morei lá um ano.

- Pois é... Aí quando eu cheguei na loja dos carro, eu só ando desse jeito aqui ó, com minha sandalinha de dedo e a única pessoa que me cumprimentô foi a mocinha que fazia a limpeza da loja. Quando cheguei perto do sujeito da venda ele me tratô esquisito e aí eu pedi prá falar com o dono, ele falou que o dono num ia lá e que eu podia falar com o gerente. Cheguei pro cara e disse: eu quero levar duas daquelas ali agora e eu pago à vista, só que num quero que você fique com a comissão. Eu só saio daqui com as duas camionete raiolux se o senhor aceitar de pagar a comissão prá aquela mocinha ali.

Ainda há gente que acha que quem está verdadeiramente  produzindo o PIB vai ao Anhembi.

Eu não relutarei se as outras 541 cooperativas de crédito existentes no país me convidarem para as suas assembleias.




Até breve. 

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