terça-feira, 7 de janeiro de 2014

DILEMA



ALGUMAS, POUCAS, DAS OCORRÊNCIAS DOS ÚLTIMOS DIAS (*):

1ª. O corpo da menina Íris Cardoso, 8, morta a facadas em Mococa (262 km de São Paulo), foi achado com roupas limpas e sem marcas de sangue. Para a polícia, quem a matou limpou o corpo e trocou a roupa da garota antes de jogá-lo em um terreno. Mãe e padrasto estão presos.

2ª. "Tem que ajeitar o foco", diz um preso a um colega que acabara de ligar a câmera do celular em meio a um grupo de detentos rebelados. Vencida a discussão técnica, o que se segue é um documento explícito do horror praticado no complexo de Pedrinhas, em São Luís, no Maranhão, onde 62 presos foram mortos desde o ano passado. São dois minutos e 32 segundos em que os próprios amotinados filmam em detalhes três rivais decapitados. E se divertem exibindo os corpos - ou o que restam deles.

3ª. Um homem foi preso suspeito de matar a facadas a noiva, no Jardim Oratório, em Mauá (Grande São Paulo), na noite de segunda-feira (6).O corpo de Janaína da Silva Evangelista, 25, foi encontrado pelo pai enrolado em um cobertor embaixo da cama da casa onde ela morava na travessa Itaparica.

4ª. Internada com queimaduras no corpo após ataque a ônibus em São Luís (MA) na semana passada, a mulher de 22 anos que perdeu uma filha no atentado implorou aos criminosos para que poupassem as crianças. "Ela gritava para que ele não jogasse combustível nas meninas, mas não adiantou", disse Jorgiana Carvalho, 25, tia de Ana Clara Santos Sousa, 6, que morreu nesta segunda-feira (6) em decorrência de queimaduras por todo o corpo.

Perdoem-me, mas faço registro. Algo se passa e é de todo grave. Não se trata apenas da barbárie em si, mas, sobretudo, da sua frequência diária. Nossos olhos, corações e mentes não podem continuar alheios.

Sei que de novo apenas denuncio. Deveria ir fazer parte das manifestações pelo esgotamento destes episódios, solidarizar-me com os mais próximos dos familiares das vítimas, agir de alguma maneira e não ficar a todo o momento apontando massacres.

Sim, seria mais digno.

Ou então ocupar-me de meus pensares outros, até cômicos, ou minhas absurdas narrativas de um cotidiano sem graça, ou de meus diálogos com Valentin e antes com Noninha.

Comentar filmes diversos que estão aí para quem quiser vê-los. Escrever ficções ainda que respaldadas naquelas crueldades expostas pela desnuda realidade.

Alienar-me e gozar a vida, mais íntima, que é sem reparos.

Ocorre que minha péssima memória ainda registra algo de Trotski: “Devemos dar um fim, de uma vez por todas, à fábula acerca do caráter sagrado da vida humana".

E me desespero.


Até breve.

(*) Publicadas no jornal Folha de São Paulo, edição de hoje.

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