Há aí um assunto marginal, que ganhou
destaque inclusive envolvendo artistas de grosso calibre, que se posicionam
contra ou a favor. Trata-se da questão das biografias não autorizadas. Com
tantas questões mais relevantes, só nos últimos três anos o STF recebeu mais de
noventa mil processos para serem julgados, esta é mais uma encrenca da
democracia brasileira levada às barbas da Suprema Corte.
Uma vida, quando se torna pública,
deixa de ter particularidades, intimidades, dignidades, caracteres, foro. Cada
um que olha o sujeito público olha por seu viés e interesse. Como espelho para
com ele se identificar ou como alguém a rechaçar.
“Nossa, fulana deu para ciclano”?!!! ou “Eu não sabia que ele tinha traído ela”? ou “Não acredito que tenha sido ele que tenha mandado matar Fulano” ou “Sempre achei que debaixo daquele angu
tinha um troço” ou “Na verdade todo
mundo sabe que quem roubou aquele maldito colar foi Beltrana ajudada pelo
amante da irmã do garanhão do marido da patroa”.
Ou ainda: “A letra de ‘Amor é uma palavra só’ é plágio escandaloso de um cantor
americano que caiu cedo no ostracismo”.
Todas estas revelações foram tiradas
de minha pouco inspirada criação biográfica aleatória de qualquer um destes que
se rebelariam inclusive junto ao STF. Há, no entanto, coisas mais elaboradas e de
fato publicadas em mais de setecentas páginas sobre um único sujeito:
“Em meados de fevereiro, a morte voltou a rondar seu quarto: uma
inesperada asfixia, provocada por novo acúmulo de líquido na pleura, obriga os
médicos a recorrer a uma traqueostomia. Mas havia um problema: se fosse
submetido a anestesia, os pulmões não teriam força suficiente para manter o
organismo funcionando, e um ataque de insuficiência respiratória poderia ser
fatal. A incisão na traqueia precisaria ser feita a seco, sem anestesia, e
imediatamente. Quando o bisturi do cirurgião começou a entrar na fina camada de
carne que revestia a traqueia, o hospital inteiro ouviu o urro de dor que ele
emitiu. Feita a incisão, quando os médicos começaram a introduzir a canaleta
metálica que permitiria a passagem de ar para o pulmão, ela viu que lágrimas de
dor escorriam dos olhos dele molhando a beirado do travesseiro”.
De minha parte vou logo dizendo:
quem quiser publicar qualquer coisa sobre a minha vida ou toda ela, fique a
vontade. Não me venha depois querer dividir comigo prejuízos pela publicação da
obra ou dar destino aos exemplares devolvidos das livrarias, bancas de
revistas, camelôs em semáforos.
E os leitores, inclusive aqueles
que dividiram comigo a vidinha não venham me perguntar se foi mesmo e da forma
que o meu biografo relatou os fatos.
Estas e outras revelações não
mudaram e nem mudarão em nada o movimento dos mares e dos astros, o
posicionamento da terra em relação aos demais planetas e nem me dirá com um
mínimo de seriedade sobre a imortalidade ou não da alma.
Picas!
Todos nós, eu inclusive e como é
difícil euzinho reconhecê-lo, somos brutal, cruel e definitivamente
insignificantes.
Até breve.
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