Estivemos sábado à noite no Palácio
das Artes para assistir ao show de Erasmo Carlos. Ele não conseguiu lotar o
teatro, ficou vago um bom número de lugares.
Erasmo não é um exímio cantor ou
intérprete, todos sabemos. Não cabe pedir muito neste particular a um dos
co-compositores das canções que nos embalaram e de maior expressão da nossa
juventude e, ainda, de nossa maturidade. Jota Quest, Pato Fu e Skank beberam
nesta fonte.
Foi confortante vê-lo passado dos
mais de setenta anos de idade, cinquenta anos de carreira, trajando calças
jeans apertadas e casaco de couro. Longe do ridículo, os seus cabelos brancos e
sua proeminente careca superior não nos permitem fazer juízo de suas escolhas.
Erasmo nos trouxe a um outro tempo.
Às décadas de 60 e 70, especialmente. Num script singelo, quase ingênuo, nos
intervalos de um para outro estilo de composição, o artista nos fez mais do que
recordar das letras e músicas de seu repertório.
Ele nos fez lembrar quão distinto era
o mundo em que vivíamos há quarenta, cinquenta anos atrás. Tanto que, para mim,
o ponto marcante do espetáculo foi o momento em que Erasmo relatou um episódio, nos
idos de 1970, envolvendo um alto executivo da gravadora.
Ele e Roberto Carlos teriam sido
questionados pelas composições relacionadas à preocupação com o meio ambiente:
- “Baleias não compram discos, Erasmo”! Teria o artista ouvido do
executivo.
No show, emocionado, ele disse que se
lamenta até hoje por não terem sido ouvidos ou não entendidos à época e disse
ainda que somente agora concluiu o porquê:
- “Eu e o Roberto fomos burros por não termos compreendido porque não
fomos considerados, hoje sabemos: porque nosso apelo era em Português”.
PANORAMA
ECOLÓGICO
Lá vem a temporada de flores
Trazendo begônias aflitas
Petúnias cansadas
Rosas malditas
Prímulas despetaladas
Margaridas sem miolo
Sempre-vivas quase mortas
E cravinas tortas
Odoratas com defeitos
E homens
perfeitos
Lá vem a temporada de
pássaros
Trazendo águias rasteiras
Graúnas malvadas
Pombas guerreiras
Canários pelados
Andorinhas de rapina
Sanhaços morgados
E pardais viciados
Curiós desafinados
E homens imaculados
Lá vem a temporada de peixes
Trazendo garoupas suadas
Piranhas dormentes
Sardinhas inchadas
Trutas desiludidas
Tainhas abrutalhadas
Baleias entupidas
E lagostas afogadas
Barracudas deprimentes
E homens inteligentes
Em dado momento em que cantava a
canção, Erasmo afastou-se do microfone e veio em direção à plateia. Aos gritos
ele tentava nos dizer algo, mas penso que ninguém conseguiu ouvi-lo face ao som
da banda.
Pois é.
Até breve.
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