quinta-feira, 29 de agosto de 2013

POLIVERSO



Horóscopo para hoje:

“As coisas não se encaixam em seus intuitos, mas isso não deve levar você a concluir que tudo está errado. As coisas só não encaixam bem, mas acontece que o Universo é maior e tem planos melhores para você”.

Publico ar. Pois bem.

Então é bom que o Universo saiba qual a caixa em que devem caber meus intuitos. Uma caixa trapezoidal, de madeira de lei, sem pregos e colada nas extremidades com cola de qualidade, para que meus intuitos não se evadam.

Tampa sem trincos, limitador de abertura destes que parecem com amortecedores a ar (se fizerem o barulhinho característico, melhor ainda). Ninguém terá coragem para roubar meus intuitos. O Universo zelará.

Deixo para que o Universo determine meus intuitos, no fundo das profundezas dos infinitos siderais, ali perto Ele sabe quais são.

Se bem que cabe uma ajudinha, ninguém peca em vão.

Vamos lá: meus intuitos...

·         Terminar a casinha e o parquinho no sítio;
·         Tirar a colmeia que se instalou novamente no forro do meu quarto;
·         Inscrever minha insignificância;
·         Desacelerar a minha ânsia;
·         Fazer ginástica corporal, imaginem, para dar conta de colos e outros prazeres;
·         Ouvir músicas;
·         Prosear com meus amigos;
·         Rir muito;
·         Chorar com todas as lágrimas;
·         A cada dia levar menos a sério tudo, inclusive a minha ignorância;
·         Viajar, sobretudo, na maionese;
·         Tirar minhas manchas senis, exceto as da alma;
·      Usar as mesmas roupas durante dias, semanas, para não gastar muito aquilo que me encobre;
·         Aceitar os meus pés, ainda que com as unhas encravadas;
·         Envelhecer perdendo o senso de tudo, aos poucos;
·    Morrer antes dEla, de meus filhos, de meus netos e de alguns dos meus amigos mais queridos.

Dentro da caixa poderão ainda ser colocados outros intuitos, mas não conto. Estes são pequenos propósitos, quase sem importância, que não agregarão em nada a este post.



Até breve.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

PUBLICOAR



Recebi uma sugestão, agora mais contundente, de que eu deveria selecionar alguns dos posts editados e construir um texto que poderia se converter em um livro a ser publicado.

Eu construiria uma certa cronologia, lógica narrativa, catalogaria aqueles que têm convergência ou temas correlatos. Enfim, organizaria de tal sorte a compor a coletânea como uma obra única.

Já tenho o título: Lizções.

O único problema, até não é o financeiro, já que hoje não fica muito caro o custo gráfico. Acho que também não seria a distribuição. Posso disputar espaço comercial com vendedores de panos de chão, malabares e assemelhados nas paradas de semáforos luminosos. A venda direta seria mais segura, sem intermediários que reduziria a centavos os meus direitos e eu acabaria um escritor com livro publicado, porém endividado.

Quanto à minha imagem pública, não temo. Pode até ser uma ação de marketing que viria a agregar valor ao processo de comercialização. Eu teria ainda o benefício de ter um contato direto com o cidadão beneficiente ou mesmo leitor desavisado.

Enfim, produzir, editar e ficar livre dos exemplares não me parece problema. Vou então iniciar a tarefa?  Até porque me disseram também que em papel as obras têm mais longevidade, permanecem anos a fio em prateleiras acompanhadas de poucos ou muitos livros que adormecem esperando que sejam lidas.

Tem um peso concreto, distinto do virtual, que para alguns é um meio inacessível ou muito chato para serem apreciadas. Alguns outros preferem o cheiro das folhas de papel, apreciam a capa, gostam de tê-las na estante.

Usam também para servirem de base para a colocação de laptops, IPad, calços de utensílios domésticos vários. Já presenciei outros usos, não muito recomendáveis como, por exemplo, em brigas de casais quando um arremessa sobre o outro, exemplares em profusão.

Imagino parte do diálogo:

- Vá se embora desta casa e não deixe de levar contigo Lizções!!! Infeliz!

Não, eu não quero ser para ninguém um fardo. Eu prefiro que seja:

- Fique amor, vamos continuar dividindo nosso computador. Eu deixo que você, uma vez por semana, acesse aquelas bobagens que você anda lendo...




Até breve.

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

CALOR



Ontem assistimos a dois filmes: Flores Raras de Bruno Barreto, no cinema e Homens Livres, de Ismael Ferroukhi, na TV Paga.

Ao lado de duas extraordinárias atrizes americanas, Miranda Otto (Elizabeth Bishop) e Tracy Middendorf (Mary Morse), nossa Glória Pires (Lota) arrasa em Flores Raras.

Em 1951, Elizabeth deixa Nova Iorque para uma cura geográfica e vem para o Rio de Janeiro em visita rápida à amiga Mary, que mora com Lota. Lota, que nasceu arquiteta, tem em Carlos Lacerda, cujo sonho era ser Presidente da República, um amigo próximo e a partir dele, enquanto Governador do Estado da Guanabara, projeta e supervisiona a construção do Parque do Flamengo.
Uma visita que era para durar três dias acabou durando mais de uma década. Prêmio Pulitzer, exílio do político, inauguração do Parque, adoção de criança depois, a relação tempestuosa das três mulheres e o contexto social onde se instaura a trama nos faz pensar.

Em 1942, a cidade de Paris está ocupada pelo exército alemão. Younes, um jovem imigrante argelino, trabalha no mercado negro, mas quando é capturado pela polícia, ele aceita trabalhar como espião na Mesquita de Paris. Ali encontra o cantor, também imigrante, Salim.

Um e outro filme versam sobre o amor entre pessoas do mesmo sexo em tempos turbulentos. Em que pese tudo o que ocorre em torno destas pessoas, o drama humano da paixão rouba a cena. Todos os acontecimentos externos tornam-se irrelevantes. A revolução de 64 no Brasil ou a II Guerra Mundial e seus dramas correlatos, embora expressivos dão espaço ao que se passa no coração avassaladoramente  apaixonado dos personagens.

Flores Raras é explícito e baseado em fatos reais. Homens Livres, também baseado em fatos reais, não deixa claro. É mais interpretação minha, quanto às intenções reais de Younes em Salim.

O desejo belicoso assim como a paixão são afetos fulminantes. Especialmente quando culturalmente, politicamente, ideologicamente, religiosamente, circunstancialmente são rechaçados.

A cada dia reforço minha convicção de que a arte, especialmente a cinematográfica, exerce sim uma função e transformadora nos espíritos dispostos.

Em que pese tudo o que se passe ao meu redor, nada encobrirá e nem demoverá o meu desejo apaixonado pelo outro. Se não, não vale a pena mesmo, como quis Lota.

Ser, e livre, é uma flor rara.



Até breve.

sábado, 24 de agosto de 2013

ESCRITURA



Noninha está andando.

Isto significa que, a partir de agora, a vida está à deriva. Ela determinará destinos. E ninguém conseguirá barrar seus propósitos.

Tudo bem que eu e todos nós vamos buscar dizer, mas ela escutará com suas próprias pernas. Melhor que seja assim, até para que ela seja melhor.

Vamos escolher por ela tantas e tantos, mas será ela que optará fazer uso, consumir, comer, usufruir, seguir, fazer, estudar... Ela escolherá a nossa escolha, ou não.

Ela aprenderá conosco um monte e um monte ela reinterpretará e, se quisermos, aprenderemos novos.

Desde o primeiro olhar ela se mostra. Tudo nela passa pelos seus olhos, mais do que expressivos.

Ela já veio com um jeito muito particular de fitar pessoas e objetos. Lé diz que parece roceira, porque ela não aceita ir para o colo de qualquer pessoa.

Acho que ela se manterá assim.

Alguém aí já deve estar enfarado e até incomodado com quanto me aproprio de Noninha. Alguém já disse ser quase insano.

Como se eu falasse mesmo é de Liz, essa pessoinha, minha neta.

Tranquilizo-os e os agradeço pela preocupação. No entanto, me frustrarei muitíssimo se optarem apenas por esta possibilidade, ainda que não esteja descartada.

Eu seria mesmo louco se não a considerasse.

Em minha lucidez duvidosa mora outra intenção. Sempre que convido Noninha à meu verbo, o faço como à um ícone despessoalizado. Eu construí diálogos com ela antes mesmo de ela nascer para tentar dizer-me a partir dela.

Não o faço com o neném, que cresce na barriga de Pretinha, porque não se trata. Quando ele chegar em mim, devo adquirir um outro verbo e o con(m)ju(l)garei.

Noninha está andando.

Isto significa que, a partir de agora, a VIDA seguirá à deriva. Ela continuará determinando destinos.

Ninguém escreve.


Até breve.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

ESCURECIMENTOS

Achei por bem deixar claro alguns pontos para não dar margem de dúvidas a ninguém. Mesmo sabendo que eu duvido que alguém vai se preocupar verdadeiramente com isto.

Eu sou a favor de:

·      Venda de jabuticaba, na safra, na frente de estádios de futebol em dias de jogos decisivos;

·       Eleições para Presidente da República a cada escândalo desvendado;

·       Sexo antes, durante e depois do casamento;

·      Namoro, na sala de visitas da casa dos pais da jovem, as terças e quintas de 20:00 às 22:00, sábado de      19:00 às 22:00 horas e domingos de depois do Faustão até acabar o terceiro bloco do Fantástico;

·       Jogo de bolinhas de gude, finca, rouba bandeira, polícia e ladrão, toco, pic esconde, pic da lata e assemelhados em faculdades de pedagogia e engenharia do meio ambiente;

·      Novelas de quaisquer temas entre a zero hora e zero hora e trinta minutos dos sábados em canais acima       do número 700 da TV paga cobrando, do assinante, preços extorsivos;

·     Taxas de corrupção tabeladas na esfera federal, estadual, municipal e paroquial mantidas as atribuições do Ministério Público desde que acordadas as formas de denúncia deste órgão que receberia parcela para custeio dos processos;

·       Prisão perpétua para os envolvidos caso se viabilize o item anterior;

·       Papa, exceto aquela com nutrientes impróprios ao consumo infantil.


Eu sou contra a:

·         Programação da TV Cultura de São Paulo para a Mostra Internacional do Cinema para as quartas-feiras às 22:45 depois de Mad Men. É que é dia de futebol na TV aberta e Ela não abre mão de assistir a todos os filmes da Mostra. Em casa temos um único televisor que vale a pena assistir. O outro fica na cozinha é muito pequeno e geralmente participam 44 atletas, duas ou três bolas...

·         Fabricação de cuecas sem fendas para operar necessidade fisiológica líquida;

·         Fabricação de calças com botões na braguilha (Ela quem compra minhas roupas e não adianta lembrá-la      deste pequeno infernal detalhe);

·         Todo e qualquer atendimento telefônico eletrônico;

·         Academias, inclusive as de ginástica corporal;

·         Sexo, entre seres inanimados;

·         Cáries e dores lombares;

·         Cerveja quente, salgadinho frio, carne crua ou queimada;

·         Sopa, inclusive a de letrinhas.


Geralmente as listas são de dez pontos. Mas é que devo ter me esquecido de outros tantos. Se me lembrar, depois posto. Em tempos de patrulhamento de opiniões é sempre importante nos prepararmos para eventuais equívocos de compreensão.



Até breve.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

FORAUM



Jogador famoso dá selinho em amigo dono de restaurante famoso. Celebridade.

Coreógrafa famosa monta barraco dentro de aeronave. Celebridade.

"Drone" invade programa de emissora popular para revelar traição do marido de modelo participante. Celebridade.

Companhia famosa de tecnologia denuncia maracutaia em processos licitatórios em São Paulo. Celebridade.

Amigo de jornalista amigo de amiga de espião famoso fica detido nove horas em aeroporto de Londres. Celebridade.

Ontem conversava com um empresário e ele me disse da falta de paciência com tudo. Nós estávamos em seu escritório e eu o consultei se estava sabendo ou mesmo teria sido convidado para participar de um fórum que ocorrerá em Belo Horizonte no início do mês de setembro.

- Do que se trata, Agulhô?

- Liberdade e democracia.

- Coisa de político?

- Os painéis estão muito variados: banqueiro, artista, políticos e intelectuais.

- Tô fora.

O empresário é presidente do Conselho de um grupo de empresas industriais e do setor de serviços.

- Eu tô quase como Bakunin, virando anarquista...

- Você?

- Eu mesmo. Agulhô, não dá mais prá apostar em nada. Toda hora passo por um episódio que me faz perder mais a paciência.

Na sua coluna de hoje no Estadão, Roberto da Mata escreve: "Na nossa sociedade, você está fora do eixo (ou da curva) até o eixo entrar nos eixos. Aí, você vira celebridade e começa a ser fino como um aristocrata".

Aquele empresário amigo não está sozinho em sua exaustão, tem mais gente. Minha esperança é a de que Da Mata tenha razão. Que o eixo entre nos eixos e que ser anárquico torne-se celebridade.

Eu vou ao fórum, isto é, se me permitirem. Recebi e.mail dos organizadores do evento, me cadastrei para inscrição prévia. O documento contempla: "A pré-inscrição não garante a entrada no evento! A inscrição será confirmada no credenciamento no dia do evento".

Prometo aos organizadores que serei aristocrata.



Até breve.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

DESCONSELHOS



Não siga orientações de espécie alguma. Procure por si mesmo a estrada que o levará. O onde é sempre o caminho. E é nele que se faz chegar.

Nunca diga sempre, inclusive, nunca. É provável que seja possível. Não diga também sim, nunca. Talvez seja provável. Ou não.

Deixe todas as situações que lhe constranjam, angustiem, desesperem. Mas permaneça naquelas que o fazem sofrer. Muito. Pode ser ali, que haja algo.

Não odeie, inclusive a si mesmo. A raça não merece este afeto. É vil. Você sabe, como ninguém, a respeito.

Ganhe sempre, perca tudo, volte a perder e ganhe novamente. Nada vale mais do que a procura, inclusive a do não sabido, não querido. O acaso.

Lute por uma causa e depois contra ela, mas lute.

Construa alguma coisa. Uma casa, um aeromodelo, uma guitarra, um varal na área de serviço. Troque lâmpadas. Arrume o fio solto do ferro elétrico de passar roupa, ou da enceradeira. Substitua o botijão de gás vazio por um cheio, de vez em quando. O galão de água mineral.

Faça supermercado, ainda que sobre protestos.

Pratique esportes radicais. Fuja do ócio sedentário. Lave xícaras, copos, panelas, frigideiras, às vezes.

Cozinhe.

Não durma tarde, melhor na hora que você bem entender. De preferência em camas conhecidas. Ou acompanhado por alguém que as conheça.

Não tome remédios, especialmente aqueles para memória.

Tenha dores de cabeça, enxaquecas, ressacas de preferência no dia seguinte ao porre.

Não fale mal das pessoas, principalmente na ausência delas. Fale bem das pessoas, especialmente na presença delas. Minta, de com força.

Delire, sem nenhum acessório químico.

Não dê conselhos, nem de graça. Omita-se de qualquer debate polêmico. Diga que prefere ouvir. Mesmo escândalos de qualquer natureza.

Evacue. Com muito gosto.

Não fale com estranhos, especialmente aqueles mais próximos.


Ao acordar, diga sempre:

- “Mais um”, ou mesmo: “Ainda não”.



Até breve

domingo, 18 de agosto de 2013

PONTE



No drama do ecoar das horas, cada instante toma importância ímpar. Não se pode deixar ao léu algo que se tem de pouco.

Do que falo?

De um ciclo extremamente distinto dos anteriores, quando úteis eram os dias e o descanso rotina semanal.
Agora as horas passam com um gosto outro, de ter que saboreá-las como o final de um prato de que se gosta muito. Profiteroles,  petit gateau, cocada, quindim, essas sutilezas.

Talvez e por isto o olhar esteja na direção das riquezas porvir, dessas que não são valor de coisas. Riquezas outras como o sorriso, os olhos, o querer o meu colo, o dedinho em riste apontando observâncias. De Noninha, claro.

A queda abrupta da temperatura ambiente, a secura do gramado, as flores do pessegueiro, das mangueiras, da lichia.

A piscina, com o meu corpo ausente, dado o frio trazido pela madrugada.

A bancada que fiz ontem sobre o armário de ferramentas, afinal, para a fixação do torno. Há pelo menos dez anos que havia planejado.

O filtro que, a contragosto, retornei para o poço, agora reduzido, de peixes.

Trivialidades imensas e banais, mas cândidas e indispensáveis. É de como sejam minhas e não de um autômato diário.

Cada tarefa fica assim e desse jeito.

Reclamam comigo porque estou com a mesma bermuda, camiseta e chinelos desde quinta-feira para passar a extensão de feriado prolongado sobre dias úteis, sábado e domingo.

Na cozinha tenho um relógio de parede cujos ponteiros giram ao contrário. Como se as horas fossem de presente para passado, convidando para, quem sabe, uma nova chance de esgotá-las.

Saudosismo? Que nada. Velhice mesmo. Destas que acomete no fundo do sensível e da pacificação do espírito.

Passeava há pouco com Noninha pelas ruas desertas do condomínio. Um frio miúdo nos assolava. O barulho do silêncio misturava-se com o cantarolar de ais, ôôôs, e outros us de Noninha.

Agora, edito o post de número 450. No Ipod, Bjork me desperta com grunhidos.



Até breve. 

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

NOMBRE



Para quem se abre às nuvens e à tela quase que a cada dois dias e que já o fez por perto de quatrocentos e cinquenta vezes (este é o post 449) deveria ter mais cuidado com que se expõe.

O mundo é feito de perigos vários.

Inclusive o de ser ouvido. No post anterior, por exemplo, quando à partir de um ícone (Noninha) abordei a economia do afeto. Diminutivo nas coisas (panelinha, trequinhos, casinha) e superlativo nas expectativas (NOSSA!!!) fiquei pensando sobre nossas barganhas.

Houve uma época em que os sentimentos fundamentavam as relações. Por eles construíam-se alianças e materialidades, ideais inclusive, para não dizer até ideologias. Incluso as reformistas ou as revolucionárias.

- “Hay que endurecerse, pero si perder la ternura jamás”...

No fundo de cada um, viver a “revolução” era belo. Nunca violento ou vândalo. As circunstâncias podem ter forçado aquele que, tendo jurado em Hipócrates, trocasse seus bisturis, estetoscópios, seringas por fuzis. Sua imagem, com o boné de estrela solitária, hoje capitalizada, ainda estampa.

Outro dia aqui falei de Bakunin e hoje trago Che.

Houve um tempo que o tempo era governado por expectativas em ideias, ideais, ideologias que sinalizavam a redenção.

O que há com o nosso tempo?

Estamos todos focados em nossos metais que nos socializam em extratos guetos. A individuação exacerbada impede que seja possível uma causa, um porvir, um qualquer novo tempo.

Vide o Egito em anexo, o Iraque ou a Síria.

Aqui, com os meus pequeninos e inexpressivos botões me calo. Eles Não depositam mais crédito em minhas idiossincrasias, eles não transam mais meus dizeres quase sempre vagos.

Outro dia ouvi no rádio uma entrevista com o Capinan. Ele disse que entregou ao Gilberto Gil a letra de uma canção logo que terminava o Festival da Canção Popular de 1967: Soy Loco por Ti América. Guevara havia acabado de ser assassinado em combate (?).

...”El nombre del hombre muerto ya no se puede decirlo quién sabe?

...
El nobre del hombre muerto és pueblo...”

Triste tempo de vandalismos, atentados, golpes todos sem a menor ternura.

Feios.




Até breve.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

DIMENSÃO



No fundo no fundo a gente opera na direção do outro esperando que ele nos retorne na dimensão de nossa dação. Às vezes, não poucas, desejamos até que o retorno nos surpreenda a ponto de duvidarmos se nos entregamos na exata medida de toda nossa possibilidade.

Pelo menos tem sido assim comigo e não é de recente, mas de há muito. Embora tenha me entregue pouco mais do que suponho que se espera, a recepção coloca-se do nível de moderado para bom. Ou seja, a troca entre eu e o outro é satisfatória. Sobrevivo bem às minhas relações, inclusive as mais íntimas.

Ressalva, e de hoje.

Levantei-me bem cedo. Coloquei o tapete de letrinhas, a mesinha com quatro cadeiras, a vaquinha de plástico, panelinhas, pratinhos e talheres de plástico. A caminha com o bebezinho e sua mamadeira, roupas da caminha.

Fiz dois banquinhos onde distribui vários vasinhos com flores. Nas janelas coloquei dois outros vasinhos com flores rosa e vermelhas, bem pequenininhas.

Pequei uma caixinha de pazinhas, baldinho e outros trequinhos de brincar na caixinha de areia.



Esperei ansiosamente que ela chegasse trazida por Pretinha, o que ocorreu por volta das dez e pouco da manhã. Ela tinha vindo dormindo na cadeirinha no banco de trás do carro de Giba. Quando Pretinha abriu a porta do carro, Zuca deu um latido forte e ela acordou. Quando me viu abriu os olhinhos e disse:

- Ó.

Sua avó correu na minha frente e a tirou da cadeirinha, colocou-a no chão e saiu levando-a de mãos dadas em caminhada a esmo. Eu, ansioso:

- Olha!!! Olha!!!

Deixe-me lhes dizer a verdade. O que eu esperava:

- Vovô!!! Vovô!!! Nossa que sensacionaaaaallllllllllll! Minha casinha que você fez!!! Que linda, vovô!!! Nossa vovô eu nunca poderia imaginar que tivesse ficado tão linda!!! Vovô, você é o vovô mais bacana de toda a região metropolitana!!! Não da região metropolitana, não. Do estado de Minas todo...

Noninha não disse um a. Limitou-se a rodar a esmo com um e outro, indo daqui para ali sem dizer um a.

Chamei um serralheiro que veio à tarde. Vou fazer uma varandina e pedi a ele que fizesse uma grade de barrinhas de ferro reproduzindo aquelas que temos em nossas varandas.

Amanhã vou tirar as medidas de dentro da casinha e vamos mandar fazer uma cozinha americana, com fogãozinho, micro-ondinhas, geladeira, pia e armário tipo cristaleira. Vamos colocar uma prateleira de onde penderão conchinhas, escumadeira e outros que tais. Tablet, não.

Até a conclusão, no real, meu sonho é ser reconhecido como o melhor da região sudeste.

Tá bom.



Até breve.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

NENÉM




Hoje, quando me dirigia de carro para uma reunião de trabalho, coloquei o primeiro CD do álbum duplo de Maria Bethânia, Maricotinha. Na faixa 24 ela declama o Poema de Menino Jesus, de Fernando Pessoa.


Imediatamente pensei no(a) neném de Pretinha. 


Num meio-dia de fim de Primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.

Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.

Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o Sol
E desceu no primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.

A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as coisas.
Aponta-me todas as coisas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão 
E olha devagar para elas.

Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural.
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.

A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.

A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direcção do meu olhar é o seu dedo apontado.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.

Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos e dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.

Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo o universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.

Depois eu conto-lhe histórias das coisas só dos homens
E ele sorri porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do Sol
A variar os montes e os vales
E a fazer doer aos olhos dos muros caiados.

Depois ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.

Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.

Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.

Fiquei então pensando se não é dele(a) que falava enquanto esperança em TAREFA. Toda criança que nasce será sempre a segunda pessoa da Trindade.

ATÉ BREVE.



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