Hoje, quando deixávamos São
Petersburgo, pedi a Sergey, nosso guia de turismo, que ele me dissesse uma
palavra que, na opinião dele, sintetizasse a cidade. Ele titubeou, disse que
era uma tarefa muito difícil, mas depois, com convicção, disse a palavra que dá
título ao post.
A Cidade de Pedro, O Grande. Grande
não só pelos seus dois metros e três centímetros de altura, mas principalmente
por tudo que este Imperador (ou Czar) realizou desde que assumiu o trono em
1699, aos vinte e oito anos. Aos 32 começou a edificar a cidade e morreu aos
54, em 1725.
Formou-se em dezessete profissões,
esteve em várias cidades mais evoluídas e trouxe delas além de idéias,
projetos, materiais e arquitetos. As edificações até então na Rússia eram em
madeira. Foi Pedro quem começou a usar pedra e tijolo sobre um solo de geologia
construtiva frágil, pantanoso e formado por inúmeras regiões alagadiças.
A cidade agora de oitocentos
palácios é tombada pela UNESCO como Patrimônio da Humanidade. Considerada a
capital das pontes, pois foi construída sobre 45 ilhas e tem 400 pontes de
diferentes dimensões. Várias destas tem as partes centrais levantadas, entre a
zero hora e quatro da madrugada, para a passagem de embarcações de maior porte
que cruzam os inúmeros rios, principalmente o Rio Neva que mede 70 Km de
extensão, até um quilômetro de largura e profundidade média de vinte metros.
No verão, como agora, ocorrem as
noites chamadas brancas: anoitece a zero hora e amanhece às quatro da
madrugada. Sol apenas durante sessenta ou setenta dias no ano, disputando com
chuvas que precipitam e de repente cessam.
O inverno castiga de setembro a
abril com temperatura chegando até a trinta graus centígrados negativos, o que
faz congelarem os rios que banham a cidade e o Mar Báltico, próximo, trazendo
ventos que tornam mais agressiva a sensação de frio glacial.
Nossa estadia relâmpago de quatro
dias deixou-me insatisfeito. São Petersburgo é um lugar para visitar e estar
por anos. Sim, somente muitos anos serão capazes de fazer compreender a
avalanche de fatos históricos marcantes de seus quatrocentos e dez anos que
jorraram sobre nós trazidos por Sergey, nativo da cidade.
Os relatos das construções, dos
monumentos, das inúmeras obras de artes, teatros, igrejas, das passagens de
canais que inspiraram Tchaikovsky para compor “O Lago dos Cisnes”.
O Palácio Hermitage, hoje museu,
que começou a ser construído em 1752, o primeiro edifício foi concluído em 1762;
o quarto e último edifício ficou pronto em 1860. No acervo do museu existem
três milhões de objetos dos quais apenas vinte por cento estão expostos.
O Palácio de Verão dos Imperadores,
também transformado em museu, com sua fachada de trezentos e trinta metros e
seus bosques e jardins distribuídos por, não se alarmem, cento e cinqüenta
hectares onde estão cento e cinqüenta fontes imensas com estátuas em mármore,
granito ou folheadas a ouro que brilham quando o sol acontece.
Estas fontes são abastecidas por
uma nascente que desliza de uma colina de cento e vinte metros de altura
próxima ao palácio e que, por declive, faz jorrar jatos e mais jatos de água
desde a construção dos jardins em 1805 até hoje, ininterruptamente.
Para dar a noção de grandeza o
salão de baile do palácio usou quinze quilos de ouro trazidos da Sibéria.
Catarina II, neta de Pedro, comprou as obras completas de Voltaire, porém
mandou guardar nos porões do Palácio Hermitage. Temia pelas idéias
revolucionárias do francês.
Inenarrável experiência esta em São
Petersburgo. Eu poderia editar aqui inúmeras fotos e/ou vídeos que registrei das
inúmeras obras motivo do maior orgulho para seus hoje mais de cinco milhões de
habitantes.
Outras inúmeras fotos e/ou vídeos
dos palácios visitados, dos museus, dos edifícios, dos jardins, das praças, das
igrejas como a do Salvador do Sangue Derramado que recebeu esse nome porque foi
construída pelo filho de um dos imperadores assassinado no local. Uma maravilha
inesquecível de tirar o fôlego.
As fotos e/ou vídeos do Palácio de
Catarina II, que fica a vinte e sete quilômetros do centro da cidade. Um dos
salões, chamado Salão do Âmbar que, depois de ter sido saqueado pelos nazistas
na Segunda Grande Guerra, foi restaurado durante trinta anos e custou aos
cofres do estado o montante de US14 milhões e empregou nove toneladas de âmbar.
Ímpar.
Prefiro concluir este post que
escrevo a bordo de um trem que nos levará em viagem de quatro horas à Moscou.
Eu gostaria de deixar a melhor impressão de São Petersburgo, eu poderia dizer
que não se deve morrer sem conhecê-la, eu poderia dizer que ela é mesmo uma
cidade extraordinária.
Vou levar, no entanto, o olhar de alguns
de seus cidadãos. Há nele uma tristeza fascinante, inclusive nos olhos desta
menina que nos serve a refeição no trem.
É que a História grandiosa e
comovente deste povo não se deu sem a perda de milhões de vidas humanas.
Durante seus impérios, revoluções, suas guerras, insurreições, golpes de estado
e também na construção das inúmeras obras de engenharia e artes cobraram
inúmeras vidas.
Em 1941, quando do cerco à
Leningrado (nome da cidade de São Petersburgo de 1924 a 1991) os nazistas
privaram de alimentos os moradores que resistiram à entrada daqueles inimigos
de guerra. Morreram dois milhões nas ruas, vítimas de fome e de frio que na
época chegou a menos quarenta e cinco graus centígrados, embora o Estado
entregasse a cada homem 150 gramas de pão, 100 para cada mulher e 75 gramas
para cada criança. Até enquanto foi possível.
São Petersburgo, história de
tragédia e esplendor. Hoje, todos os recursos arrecadados nos principais museus
são enviados para o Ministério da Cultura em Moscou e distribuídos para a
manutenção daqueles menos visitados pelos turistas. Ocorre também o aluguel
para casamentos, festas e recepções diversas custando até duzentos e cinqüenta
mil euros por noite.
Prefiro ficar com o humano da
história contada e sintetizada em uma palavra por Sergey e que ilustro em duas
fotos. A primeira tirada de uma foto exposta na Igreja de Santo Isaac, que vem
a ser o dia de nascimento de Pedro, O Grande. Dá conta de algumas pessoas
colhendo hortaliças plantadas na frente da igreja por ocasião da II Guerra,
quando do cerco dos nazistas. A segunda tirei de uma foto exposta em uma
galeria existente nos corredores do Palácio de Catarina II, que retrata
diferentes flagrantes de trabalhadores no processo de restauração após o fim da grande guerra que ceifou a vida de mais de vinte milhões em toda a União Soviética.
Em 12 de junho de 1991, ocorreu a
dissolução da União Soviética constituída por dezesseis repúblicas. Desde então há
um enorme esforço para restaurar este imenso patrimônio de História, arte e cultura.
Colocando de lado os horrores
ideológicos ou de seus monarcas, fico novamente com Sergey: “É preciso olhar sim para o Holocausto, mas
não podemos perder de vista também a nossa tragédia histórica”.
Não sei o que serão de minhas
retinas e de meu coração nos próximos dias em que estou indo visitar Moscou.
Até breve.
Deu inveja... Que oportunidade ímpar hein?!
ResponderExcluirAdorei seu diário mais que de bordo !!(liz)
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