Moscou surpreende. A partir do nome
que é o mesmo do rio que corre em toda a extensão de 80 Km dos
limites da cidade. Às margens, quando no ano de 1143 ela foi fundada havia
muita mosca e o rio teria sido batizado por esta razão e depois a própria
cidade.
Moscou surpreende pelo seu metrô
cuja primeira estação foi inaugurada em 1938. Hoje, dez milhões de usuários por
dia transitam breves e rápidos por suas profundas escadas rolantes para atingir
monumentais duzentas estações.
Onze linhas regulares e uma
circular com a extensão total de 300 km atendem praticamente a todos os cantos
da cidade com composições que se espaçam de dois em dois minutos.
Estações que deram ao metrô de
Moscou o prêmio de arte e arquitetura subterrânea. Em uma das estações, por
exemplo, a da Praça da Revolução, com 73 metros de extensão e 60 metros de
largura, estão expostas setenta e duas estátuas esculpidas em bronze. Vitrais iluminam,
colorem e encantam. Do teto pendem lustres de inúmeros cristais.
Moscou surpreende pela magnitude de
seus verdes e cores que cobrem parques, jardins, praças e que integram 27% do
território da cidade. O Parque Gorky é o maior do mundo com 5 km de extensão. O
Álamo é a árvore que veste 80%, mas a Bétula é considerada a árvore símbolo do
país.
No século XIII cento e cinqüenta
mil habitantes da maior cidade do mundo na época eram letrados. Claro que não
em todas as letras de um Guerra e Paz, de
Tostoi, mas em dez verbos fundamentais. Extraiam a casca da Bétula e escreviam
sobre ela. Com o tempo ela tornava-se flexível. Os pedidos de casamento, por
exemplo, tinham que ser por escrito e a resposta também.
Moscou surpreende pelas suas amplas
avenidas cujos automóveis transitam em alta velocidade. Não há sinais para a
travessia de pedestres, pois há passagens subterrâneas. A cidade é plana,
limpíssima (lavam as ruas e calçadas pelo menos três vezes ao dia) e sua colina
mais alta está a 80 metros do nível do mar.
Letreiros luminosos, placas de
sinalização, outdoors com palavras apenas no idioma russo, com suas letras
tortas, algumas escritas ao contrário esbanjando consoantes.
Poucas pessoas, inclusive em bares,
restaurantes, comércio em geral e até em hotéis falam outro idioma. Não há
nada, no entanto, que uma boa mímica ou o dedo indicador não resolva.
Vinte centrais térmicas abastecem
todos os domicílios, prédios, lojas comerciais, indústrias com água quente e o
sistema de calefação e aquecimento dos ambientes. Pelos serviços de
fornecimento de água (quente e fria), luz, telefone e gás em um apartamento de
cem metros quadrados, o cidadão paga uma taxa de até o equivalente a trezentos
euros ou doze mil rublos.
Moscou surpreende porque seus
habitantes são plenamente ativos durante todo o inverno sob temperatura que
chega a trinta graus negativos entre os meses de setembro a maio. Escolas,
indústrias, comércio, construção civil e de estradas tudo funciona a pleno
vapor nesse período.
Moscou surpreende pelos seus
magníficos monumentos, catedrais, palácios, esculturas espalhadas pelas imensas
e encantadoras praças, largos, calçadas, edifícios públicos e privados.
Pelas sete torres mandadas
construir por Stalin nos anos cinqüenta para servir de referência à arquitetura
da cidade que se reerguia após os avassaladores bombardeios da Segunda Grande
Guerra contra os nazistas. Hoje estes gigantescos edifícios abrigam dois
ministérios, dois hotéis (Hilton e Ucrânia), dois de apartamentos e um da
Universidade.
Moscou surpreende pelo Memorial à
Guerra Mundial com seus salões majestosos onde obras de arte da pintura e escultura
reproduzem cenas das batalhas travadas. O Salão das Lágrimas, logo na chegada
do Memorial, emociona pelos 2,5 milhões de cristais em forma de gotas que pendem
do teto presas em correntes. Simbolizam dez por cento do total de russos que
perderam a vida durante o conflito que durou exatos 1417 dias. Os nomes de
todas as vítimas estão catalogados em 528 volumes, alguns destes volumes, expostos
no salão.
Há na entrada do Memorial um
monumento em bronze em forma de baioneta que mede 141,7 metros de altura. Cada centímetro representa dez dias de batalhas. Ao longo de toda a estrutura
são reproduzidas cenas das lutas e os locais em que ocorreram. No alto, duas
figuras humanas, um homem e mulher, exultantes pela vitória. A frente do
monumento há, ainda, uma imensa escultura de São Jorge sobre seu cavalo, com a
lança matando o dragão, que simbolizava os nazistas.
Muitos dos inimigos feitos
prisioneiros só voltaram à Alemanha depois de dez anos terminada a
guerra. Eles foram colocados nas obras de reconstrução do país ou em trabalhos
forçados na Sibéria.
Moscou surpreende pelo seu Marco
Zero: a Praça Vermelha. Para russos não é vermelha, mas BELA. Não há na língua
russa a palavra BELEZA com significado único. KPACHAR, com o R invertido, quer
dizer da cor vermelha e também significa “coisa
bela”.
Ali está o Kremlin, que quer dizer
fortaleza. Existem inúmeras cidades na Rússia que tem seus kremlins, porém no caso de Moscou recebeu significado histórico,
militar e político especial. A área total de trinta hectares é cercada por uma
muralha de seis metros de largura e 2235 metros de extensão e possuem quatro
torres entre setenta e oitenta e cinco metros de altura que dão acesso aos
inúmeros prédios existentes onde funciona a administração federal.
Circundando estes prédios
belíssimos jardins ostentam flores e folhagens ornamentais e (pasmem) pomares
com pés de maças verde e vermelha, ameixas, cerejas, amoras, peras.
A Praça das Catedrais, dentro do
Kremlin, com suas quatro edificações exuberantes que foram vandalizadas pelos
comunistas. Destaca-se a Catedral da Anunciação, local onde foram coroados
todos os Czares, de Ivan o Terrível (1537 a 1582) até o último Nicolau II (1895
a 1917), quando ocorreu a revolução que implantou o comunismo no país. Nicolau
II, toda a sua família, seus parentes mais próximos e aliados foram fuzilados
por ordem de Lênin.
A Catedral da Anunciação recebeu o
símbolo da Terceira Roma: a primeira, a própria Roma; a segunda, Bizâncio e a
terceira, Moscou. Badalam, até hoje, vinte e seis sinos. O principal deles, na
torre central da catedral, pesa sessenta toneladas.
Moscou foi capital da Rússia desde
a sua fundação até quando Pedro o Grande, nascido na cidade, para integrar a
Rússia aos demais países da Europa pelo Golfo da Finlândia, construiu São
Petersburgo, transferindo para lá a capital.
Depois da revolução de 1917, Lênin
voltou a tornar Moscou a capital. Para ele uma capital não podia,
estrategicamente, ficar a 34 km da fronteira com outro país. Em caso de guerra
o inimigo teria mais facilidade em eliminar as comunicações com o centro
nervoso do poder.
Lênin tinha razão. Durante a II
Guerra, Moscou cobriu com lonas todos os seus edifícios ícones, do Kremlin ao
Teatro Bolshoi para não serem identificados e destruídos pelos nazistas.
Escrevo este post a bordo do avião
que nos leva de Moscou à Londres, onde faremos escala para São Paulo e de lá
para Belo Horizonte. Sinto-me um tolo. Todos os passageiros dormem ou vêem
filmes de ação, drama, comédia. Estes parcos registros podem ser encontrados
com maior fidelidade na web.
Ocorre, porém, é que Moscou faz
parte do imaginário de minha juventude. Representava o império do mal. Era uma
das palavras malditas, proibida de ser usada no âmbito da FAFICH. A cor
vermelha era perigosa e tudo que se referisse à Rússia era rechaçado.
Hoje ainda há algumas estátuas e
bustos de Lênin, Karl Marx e Engels. Alguns anos atrás estes monumentos eram vandalizados.
Hoje os jovens russos não se interessam mais por esta parte de sua história. O
Partido Comunista é irrelevante no jogo e o seu jornal Pravda sequer é
encontrado para compra.
O fato é que, mais uma vez sinto-me
brindado pela vida que me permitiu estar aqui. Assistir ao balé “Dom Quixote”
no Teatro Marinski em São Petersburgo onde, no passado, performaram Nureyev e Baryshnikov, a
uma ópera de Vagner no teatro Bolshoi e ao espetacular balé folclórico no Grande Teatro Mokana, foram
emoções eternas.
Eternas como o olhar que flagrei de
uma jovem que passou por mim faceira sobre seus saltos altos, em uma cidade
qualquer da Escandinávia ou da Rússia.
Quimeras, quimeras... Mas a beleza
fala por si.
Até breve.