terça-feira, 9 de abril de 2013

PAPELÃO



Não, não vou mais esperar grandes acontecimentos, grandes gestos, grandes transformações. Vou ficar na minha. Nada, de fato, vai acontecer. Talvez nada seja muito, prefiro então supor que se acontecer será pouco. Melhor assim.

Dizem que grandes homens não são aqueles que amam a humanidade, mas sim ao homem. Isto quer dizer que, contrário à ideia de se propagar utopias revolucionárias, você deveria estar preocupando-se com seus mais próximos.

Do tipo: ficar aí intelectualizando ou racionalizando a razão dos fatos, criticando comportamento político amoral deste ou daquele, questionando atos legislativos, judiciários ou executivos não tem nenhum valor efetivo.

É como montar a escalação de seu time sem ser o técnico. Muitos dos que lhe ouvirem irá concordar, mas nada vai acontecer a partir daquilo que você inclusive urrar, tirando as calças e pisando nelas. Na partida do próximo domingo, Feliciano aquele centroavante que você abomina vai ser a escolha do treineiro e cartolas e continuará fazendo parte do time.

Se você se unir a outros torcedores, igualmente inflamáveis, for para a porta do estádio e munido de bandeiras e cartazes com FORA FELICIANO, QUERO BOLAS DENTRO ou coisas do gênero, no máximo que você vai obter é seus quinze minutos de celebridade em programas de esporte da TV de meio de tarde, ou páginas policiais de jornais dependendo para a onde a coisa degringolar.

Então, quer dizer que esse negócio de democracia é balela? A manifestação livre da vontade não tem eco? Também não precisa esculhambar, não é? Claro que há democracia, só que democracia é desse jeito mesmo. Onde todos podem cada um pode menos até todos não poderem nada e sobrar para poucos mais capazes. Sacou?

Eu sei que não, por isso que estou achando melhor deixar como está. Todos que subirem vão querer mudar para ficar do mesmo jeito. Seu centroavante, esse que você acha que meteria bolas dentro de montão, uma vez no time pegaria o mesmo chiste e você teria além de decepção um tremendo de um mal estar estomacal.

Dane-se então, para não ser grosseiro e dizer: foda-se, então? De novo, não. Sobra a sua vidinha para dar jeito, cara. Lá vou eu deixando o macro para entrar no micro. Esquece, deixa prá lá.

Ontem, fui à padaria com Noninha no colo. Na porta da padaria havia um homem deitado sobre papelões, envolto em seus miseráveis pertences. Ele dormia encolhido e suas vestes rasgadas o deixavam semidesnudo. Passei por ele e Noninha o fitou surpresa, voltando o rosto e gesticulando como se quisesse que eu parasse para ver mais demoradamente aquele homem desnudo, jogado sobre papelões, explicitação da miséria humana.

Noninha fez oito meses de idade no último dia primeiro. Eu acho que ela já enxerga.

Qualé a minha?


Até breve.

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