terça-feira, 16 de abril de 2013

GUERRA



É de Bibi Ferreira, hoje com noventa anos de idade e setenta e dois de profissão, a frase (dita por ela alguns anos atrás): “O inferno existe: é a velhice!” Pois ela deve estar agora no céu depois da sua prestigiadíssima e extraordinária performance no Alice Tully Hall do Lincoln Center de Nova Iorque no último domingo. Cantou em inglês, francês, italiano, espanhol e, naturalmente, em português.

Ao final do espetáculo chamou da plateia ninguém menos do que Liza Minelli para cantar em dueto os últimos versos de New York, New York. Arrancou gargalhadas do público, quando fez uso de um lenço para aplacar um espirro: “É que eu tenho alergia a teatro”.

Barbosa Lima Sobrinho, então com cento e um anos de idade, ao receber um repórter que fora lhe entrevistar, teria dito logo na recepção ao jornalista: “Vamos logo, meu filho, que eu tenho mais o que fazer”.

Michelangelo aos oitenta e quatro era arquiteto da reforma da Basílica de São Pedro e é, também dessa época, o magnífico projeto da cúpula.

Inúmeras são as histórias de longevidade. Inclusive de anônimos, meu avô paterno se foi com noventa e cinco, todos os meus tios com mais de oitenta ou noventa, meu pai com noventa e quatro ainda que portador do mal do alemão.

Se não entenderam é isso mesmo que estão pensando. Vai ser pedreira encarar mais trinta. Quarenta eu já informo a quem decide que é a mais pura covardia. Ou então não, posso sim encarar com entusiasmo os meus próximos vinte ou até trinta anos. Realizar uma obra, tipo dessas aí de cima prá mim fica de bom tamanho. Vou pensar a respeito.

Entre os meus dilemas pessoais, ainda estou com o horóscopo de ontem na cabeça, não superei um drama que me avassala há mais de cinquenta anos. Mesmo que ninguém se interesse pela minha confissão vá lá.

Eu nutro um ciúme doentio de meu irmão dois anos mais velho do que eu. Minha mãe sempre teve um olhar especial para com ele. Certa vez ela comprou uma tela de setenta por oitenta centímetros e disse ao meu irmão que era para que ele pintasse um quadro para presenteá-la no dia das mães.

Esse meu irmão, sorrateira e ardilosamente, foi à surdina idealizando o quadro e depois de algumas pinceladas a cada dia o escondia de todos, inclusive de minha mãe. Em certo segundo domingo do mês de maio ele trancou-se em seu quarto e, em que pese as reprimendas de nossa mãe, batendo na porta e pedindo que ele abrisse, só saiu de lá quando tinha terminado sua obra.

Nosso quarto era contíguo à cozinha onde minha mãe ao cuidar dos afazeres culinários de cada dia cantarolava suas canções. Entre elas havia uma que meu irmão adorava: a letra dava conta de uma velha senhora que todas as tardes esperava sob a sombra de uma mangueira, rezando um terço, a volta de seu filho querido que havia partido para a guerra.

Sexta-feira passada estive com esse meu irmão e senti reacender o meu dilema. Ele tinha nove anos de idade quando pintou sua obra.  


Até breve.

5 comentários:

  1. Tio estou muito emocionada com o que voce escreveu... realmente papai é muito especial nas coisas que faz... um genio indomável..rsss..

    não tenha ciúmes dele pois todos nós temos alguma qualidade da qual devemos nos orgulhar.. a dele talvez mais visivel e cobiçada que é se expressar através da arte.... algo que poucos conseguem fazer... um grande abraço emocionado de sua sobrinha karla.

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    1. Karlinha, nossa mãe teve nove rebentos. Difícil ter um olhar especial para um de nós. Tenho o maior respeito pelo seu pai. Ele é mesmo genioso e indomável. Beijo.

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    2. Iche!!! Esqueci de me incluir. Na verdade foram dez rebentos...

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    3. tio! é verdade! naquela época os tempos eram outros e criar dez filhos não é pra qualquer um... acho que na verdade o olhar deve ser o mesmo para todos .... desejar que tudo de certo pra todos .... ainda bem que dentro da sua humildade ela teve sabedoria e entendo que criou seus filhos como pode!! alguns se sairam melhor do que outros... cada um com sua sorte... mas todos com a mesma criação....

      karla








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  2. Getúlio é uma fera indomável, um bruto homem, lutador, Gênio (Ge de gênio?). Não sabia que também tinha o dom da pintura! Que bela obra e mais uma emocionante homenagem do Lozinho.

    Beijos

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