terça-feira, 5 de março de 2013

VISTA




Noninha tem, como esperado, me proporcionado momentos ímpares. A vida me permite agora acompanhá-la com mais frequência e atenção que quando com os meus filhos pequenos. Ser avô é mesmo uma preciosidade.

Todo olhar dela é pela primeira vez. E ela concentra-se e de tal forma que sinto que deve estar experimentando maravilhas. Quando estou passeando com ela no colo e cruzo com qualquer pessoa na rua ela fita com tal intensidade e interesse que me dá inveja.

Assim também com tudo o mais. Tudo de Noninha está acontecendo pela primeira vez.

Sua manifestação é rudimentar, ainda está longe de uma linguagem, mas suas reações instantâneas ao que vê e escuta são extraordinariamente pedagógicas ao avô que as observa.

Certa tarde eu acabei ficando sozinho com ela em meu apartamento. Para Pretinha é puro risco. Noninha me proporcionou a experiência da troca de fraldas depois de uma cagança generalizada. Coloquei-a sobre o trocador forrado de plástico, limpei com duas toalhas de papel o que foi possível e levei-a para a pia do banheiro social.

Satisfação imensa dela e desespero meu foram o que experimentamos juntos. Ela era só alegria querendo pegar a água que saía da torneira e tantas outras primeiras vezes. Enrolei-a na toalha e esperei pela chegada de Pretinha, que felizmente não tardou muito.

Em uma entrevista feita antes de se suicidar, Walmor Chagas criticou a redundância de temas recorrentes nas manifestações culturais. Como um dos maiores atores em atividade ele ainda recebia convites para atuar no palco, nas telonas e na TV, mas os projetos eram tão repetitivos e alienados que ele recusava.

Aqueles que me acompanham no blog devem concordar comigo que meu sentimento não difere muito do grande ator quando olho através de meus posts para o que se passa.

Longe de mim a coragem de um ato como o suicídio, pelo menos o explícito. Posso e tenho feito um esforço de não mais me irritar quando assisto aos jornais televisivos ou leio notícias em outras mídias.

Tenho muito perto de mim algo verdadeiramente novo.

Fico sempre imaginando, quando estou com ela, o caminho que ela irá seguir. Não se trata de um reviver ou de um renascer: é uma memória. Às vezes, quando ela se depara com qualquer pessoa ou coisa desconhecida ela volta o seu olhar para mim e eu suponho que Noninha, lá do fundo de sua almazinha, me indaga:


- “Vovô, qual foi a última vez que você fez uma coisa pela primeira vez?

Até breve.

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