Há exatos trinta e sete anos atrás,
eu e Ela, nos atamos.
Lembrei-me, hoje, de que escrevi o
texto do convite, impresso em papel cartão (o mais vagabundo disponível na
gráfica) de oito por doze centímetros. A frase inicial formatada à direita do
corpo do texto dizia:
A propósito de nós dois em um só, CORPORALMENTE.
E foi assim. Desde lá, muito no
corpo, na alma e na mente sofreram profundas transformações. O corpo talvez
tenha sido o único que perdeu com o passar dos anos. A alma vai ficando mais
branda, mais leve, mais lavada. A mente mais madura, viajada, lúcida.
Tecer cotidianamente a tarefa impõe
cuidados constantes, na medida em que a vida vai cobrando brandura, compreensão
e tolerância recíprocas. Não somos os mesmos a cada dia e, assim, temos que ver
no outro alguém que também se renova e, nem sempre, na perspectiva desejada.
Daí dá um profícuo trabalho, se a proposta é de ir refazendo a cada tempo a
aliança.
Escrevi este post em um avião que
decolou em Punta Arenas e aterrissou em Santiago do Chile, onde vamos permanecer
até sábado, quando voltamos para BH. Fruto de um desejo que ela acalentava há
muito tempo: estar na Patagônia. Aliás, dependesse de mim jamais faríamos como
temos feito todos os anos, viajar para lugares distantes, quase sempre no
exterior, para celebrarmos o dia em que nos casamos. Invariavelmente para
destinos que ela escolhe. E eu a sigo e, também invariavelmente, gosto e muito.
Posts a frente pretendo relatar
algo para além do convívio com Marlidina, Francisco e André, embora quem se
interessar pelas maravilhosas paisagens do extremo sul possam encontrá-las na
rede.
Já digo, um pouco: estar a metros
dos glaciais é indescritível, seja no Lago Grey ou aos pés da Torres del Paine.
Caminhar quilômetros pelas inúmeras e variadas vegetações do parque é deixar o
olhar, o coração e os pulmões ao largo. Encontrar aves, animais, flores,
árvores de espécies nunca antes contempladas, proseando com os guias e os
demais turistas em diferentes idiomas é como passear pelo tempo sentindo a
vida.
E é por ela que escrevo este post.
Pela vida.
Ontem recebemos, por Pretinha, duas
notícias. Ambas marcam para todo o sempre o dia de hoje. A primeira: os dois
primeiros dentinhos de nossa netinha começaram a nascer. A outra notícia:
perdemos Seu Divino.
Seu Divino, o nome era mais do que
apropriado para a pessoa que foi nosso caseiro em Santa Luzia, por quase 15
anos. Jamais conheci alguém de humor tão refinado, paciência com Ela em suas
inúmeras alterações dos jardins de nossa casa. Jamais poderei me esquecer de
seus ensinamentos sobre o mundo rural.
Jamais vou me esquecer, também, de
seus incontáveis préstimos fundamentais. Por exemplo: quando construíamos a
casa eu recebia madeiras de demolição para serem colocadas como piso. Seu
Divino observava os operários descarregando as peças e olhava para mim com um
olhar inquiridor, mas não dizia nada. Até que ele veio ao meu encontro e disse:
- Gulhô, cê vai colocá essas
porcaria na sua casa tão bonita? Tá tudo podre, Gulhô!
E estavam mesmo. Pedi que voltassem
com as madeiras para o caminhão e fui reclamar com o fornecedor. Fomos eu e Ela
ao depósito e escolhemos uma por uma para nos serem entregues.
Doravante, quando memorar meus anos
de aliança estes dois fatos seguramente serão lembrados.
Até breve.
Nenhum comentário:
Postar um comentário