segunda-feira, 15 de outubro de 2012

TERRA


Ontem fomos almoçar no Taberna Baltazar, na Oriente com Caraça, na Serra, à convite de Fá e Lé. Somente algo de muito especial nos tira de Santa Luzia nos finais de semana.

Funcionava antes na Estevão Pinto e está, há mais de trinta anos, no novo endereço. Baltazar faleceu deixando sua esposa, Dona Teresa, com seu fiel escudeiro Dilson tocando a taberna. Duas filhas, na juventude, foram estudar e agora dividem com a mãe a lida de segunda a domingo, almoço e jantar, exceto jantar aos domingos.

De início a conversa rolou por atualizações, alegrias recentes, Liz e, também, angústias como quem é próximo de sabe. Planos de viagem, compras, negócios e até futebol que tirou Lé algumas vezes da mesa para espreitar como ia o Galo com o Sport.

Escolha do prato, óbvia, bacalhau em sedutoras alternativas de quem traz no sangue o cerne do preparo. Bolinhos de partida e vinho de origem para nós e limonada suíça prá Fá, pois é o que, agora, convém.

Mais tarde o pedido ao Joel, garçom há mais de vinte anos no lugar. Pausa: eu queria muito entender como alguém consegue servir durante tanto tempo. Minha admiração foi de tal sorte que me interessei por ir mais fundo. Perguntei a ele de quem era o lugar. Ele respondeu que a dona estava lá. Eu perguntei-lhe de que região ela era, se era do d’Ouro. Ele disse que não sabia, mas que ir pedir à patroa que viesse a nossa mesa.

Saca a dona? Assim mesmo: linda. Sessenta e cinco anos, daquele tamanho tanto por dentro quanto por fora. Luta brava para se instalar no Brasil, onde está há mais de cinqüenta anos. Com o Baltazar começaram com mercearia, secos e molhados, depois foram para o óleo.

A frente de nossa mesa, ela trouxe suas histórias e por algumas vezes usou do avental para enxugar suas lágrimas, que insistentemente voltavam, quando ela se lembrava que não pode ver suas duas filhas crescerem como acompanha hoje sua netinha com quase um ano de idade.

Hoje, ela tem olhos e lábios que se abrem graves e contagiantes para falar do seu orgulho. Baltazar agonizava, antes de falecer, quando disse a ela: “Continuem o negócio, mas sempre com honestidade”.

Não me perguntem do bacalhau, sequer do bolinho ou do vinho. Está ali algo muito mais nutriente do que especiarias. O sabor está no astral da casa e tudo o que ela envolve.

Dona Teresa é de Peso da Régua, lugarejo que fica na região do D’Ouro, claro, em Portugal. Estivemos exatamente ali em 2010 e soubemos de Dona Teresa o porquê do nome da cidade. É que lá, há muitos anos atrás, era o centro de chegada das uvas colhidas na região em caixotes e containeres padronizados. A paga era feita em função da passada de réguas de madeira na parte superior do container ou caixote, daí Peso da Régua.

Na saída fui me encontrar com Dona Teresa lá dentro da cozinha. Dei-lhe um forte abraço e um beijo e olhei bem no fundo de seus olhos. Todo dia é possível extrair prazer em estar vivo.

O lugar oferece, em um dia de cada mês, uma sardinha assada. Na última vez foram consumidos cento e vinte quilos. A próxima é dia vinte e sete, agora, de outubro. Meu nome é o primeiro da lista com a reserva de doze lugares em mesa escolhida a dedo.

Dia vinte e sete é um sábado.


Até breve.

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