Ontem fomos almoçar no Taberna Baltazar,
na Oriente com Caraça, na Serra, à convite de Fá e Lé. Somente algo de muito
especial nos tira de Santa Luzia nos finais de semana.
Funcionava antes na Estevão Pinto e
está, há mais de trinta anos, no novo endereço. Baltazar faleceu deixando sua
esposa, Dona Teresa, com seu fiel escudeiro Dilson tocando a taberna. Duas
filhas, na juventude, foram estudar e agora dividem com a mãe a lida de segunda
a domingo, almoço e jantar, exceto jantar aos domingos.
De início a conversa rolou por
atualizações, alegrias recentes, Liz e, também, angústias como quem é próximo
de sabe. Planos de viagem, compras, negócios e até futebol que tirou Lé algumas
vezes da mesa para espreitar como ia o Galo com o Sport.
Escolha do prato, óbvia, bacalhau
em sedutoras alternativas de quem traz no sangue o cerne do preparo. Bolinhos de
partida e vinho de origem para nós e limonada suíça prá Fá, pois é o que,
agora, convém.
Mais tarde o pedido ao Joel, garçom
há mais de vinte anos no lugar. Pausa: eu queria muito entender como alguém
consegue servir durante tanto tempo. Minha admiração foi de tal sorte que me
interessei por ir mais fundo. Perguntei a ele de quem era o lugar. Ele
respondeu que a dona estava lá. Eu perguntei-lhe de que região ela era, se era
do d’Ouro. Ele disse que não sabia, mas que ir pedir à patroa que viesse a
nossa mesa.
Saca a dona? Assim mesmo: linda. Sessenta
e cinco anos, daquele tamanho tanto por dentro quanto por fora. Luta brava para
se instalar no Brasil, onde está há mais de cinqüenta anos. Com o Baltazar
começaram com mercearia, secos e molhados, depois foram para o óleo.
A frente de nossa mesa, ela trouxe
suas histórias e por algumas vezes usou do avental para enxugar suas lágrimas,
que insistentemente voltavam, quando ela se lembrava que não pode ver suas duas
filhas crescerem como acompanha hoje sua netinha com quase um ano de idade.
Hoje, ela tem olhos e lábios que se
abrem graves e contagiantes para falar do seu orgulho. Baltazar agonizava,
antes de falecer, quando disse a ela: “Continuem o negócio, mas sempre com
honestidade”.
Não me perguntem do bacalhau,
sequer do bolinho ou do vinho. Está ali algo muito mais nutriente do que especiarias.
O sabor está no astral da casa e tudo o que ela envolve.
Dona Teresa é de Peso da Régua,
lugarejo que fica na região do D’Ouro, claro, em Portugal. Estivemos exatamente
ali em 2010 e soubemos de Dona Teresa o porquê do nome da cidade. É que lá, há
muitos anos atrás, era o centro de chegada das uvas colhidas na região em caixotes
e containeres padronizados. A paga era feita em função da passada de réguas de
madeira na parte superior do container ou caixote, daí Peso da Régua.
Na saída fui me encontrar com Dona
Teresa lá dentro da cozinha. Dei-lhe um forte abraço e um beijo e olhei bem no
fundo de seus olhos. Todo dia é possível extrair prazer em estar vivo.
O lugar oferece, em um dia de cada
mês, uma sardinha assada. Na última vez foram consumidos cento e vinte quilos. A
próxima é dia vinte e sete, agora, de outubro. Meu nome é o primeiro da lista
com a reserva de doze lugares em mesa escolhida a dedo.
Dia vinte e sete é um sábado.
Até breve.
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